Festas até às quatro da manhã, uma pessoa a vomitar, uma”altercação” entre dois funcionários, vinho espalhado pelas paredes e mensagens a avisar funcionários embriagados para saírem pelas traseiras. Estes são apenas alguns dos pormenores que constam do mais recente relatório da investigadora Sue Gray sobre os eventos que ocorreram em Downing Street durante a pandemia de Covid-19 e que já está nas mãos do governo britânico.

As conclusões, de acordo com o jornal britânico The Guardian, estão em linha com um documento interno divulgado em finais de janeiro — intitulado “Update” — , mas a investigadora garante que, entretanto, foram feitos progressos.

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“No meu ‘update’ fiz uma série de descobertas limitadas, estou satisfeita que estejam a ser feitos progressos na abordagem de questões que levantei”, lê-se no mais recente relatório de 37 páginas sobre o escândalo conhecido como “Partygate”, e que inclui fotografias e detalhes sobre as festas.

Partygate. Casa cheia em Downing Street e festas até nascer o dia, relatam funcionários

Sue Gray escreve que “muitos destes encontros” e a forma como eles se desenrolaram “não estavam em linha com as orientações da Covid-19 da altura” e que grande parte das 83 pessoas que participaram nestes eventos violaram as regras que estavam em vigor devido à pandemia. Encontros que, de acordo com a investigadora, “nunca deveriam ter acontecido”.

Partygate. Fotografias mostram Boris Johnson a brindar numa festa durante a pandemia

Segundo a investigadora, o primeiro-ministro esteve presente em oito eventos, sendo que um deles ocorreu em Downing Street a 20 de maio de 2020 e foi organizado pelo secretário particular de Boris Johnson. Para essa festa, Martin Reynolds apelou aos funcionários para levarem “as suas próprias bebidas”, ao que um conselheiro respondeu por WhatsApp que se tratava de uma “ótima ideia”, mas tendo em conta que a conferência de imprensa sobre a Covid-19 iria terminar nessa altura, as pessoas deveriam evitar “andar por aí com garrafas de vinho”. Depois da festa, Reynolds sublinha o facto de não terem sido “apanhados”.

Sue Gray assume não ter investigado uma festa que teve lugar na casa de Johnson, na qual estiveram cinco conselheiros e que incluiu bebidas alcoólicas. O motivo? Receio de prejudicar uma investigação que a polícia inglesa entretanto lançou sobre este evento em particular. Quando a Scotland Yard terminou o inquérito,  Gray admite que ponderou retomar a sua investigação, mas concluiu que “não era apropriado fazê-lo”.

“Houve mudanças na organização e gestão do Governo”, garante Gray

O documento refere que “alguns dos funcionários mais jovens acreditaram que a participação em alguns destes eventos foi permitida, tendo em conta a presença de dirigentes superiores”: “A equipa de liderança superior, tanto política quanto oficial, deve assumir a responsabilidade por essa cultura.”

A britânica recorda que no relatório de janeiro fez comentários sobre as “estruturas de liderança fragmentadas e complicadas” em Downing Street. “Desde então houve mudanças na organização e gestão do Governo com o objetivo de criar linhas mais claras de liderança e responsabilidade“, refere Sue Gray, acrescentando que é preciso “tempo” para que estas mudanças entrem em vigor.

Outros dos problemas levantados pela investigadora no seu anterior relatório foram não só a “falta de respeito” para com os funcionários da limpeza e da segurança, mas também “comportamentos” a que alguns trabalhadores “foram sujeitos” ou “testemunharam” e que consideraram preocupantes, mas sobre os quais sentiram que não podiam falar.

Isto é inaceitável“, lê-se no relatório. Ainda assim, Sue Gray diz estar mais “descansada” ao ver que, desde então, foram tomadas medidas para facilitar a denúncia por parte dos funcionários. Além do mais, a recomendação feita pela investigadora para a uma “política clara e robusta” relativamente ao consumo de álcool no trabalho resultou numa orientação que foi introduzida nos vários departamentos do Governo britânico.

Sue Gray refere ainda que este relatório não tem como objetivo definir que tipo de ações disciplinares que devem ser tomadas, mas deixa uma “reflexão”: as pessoas envolvidas “terão aprendido com esta experiência“, pelo que espera que isso seja tido em conta quando se considerarem que ações disciplinares devem ser impostas.

No final das conclusões, a investigadora garante que estes eventos “não refletem” um comportamento instalado dentro do Governo britânico e que muitas pessoas trabalharam “incansavelmente” em “tempos sem precedentes”.

Johnson pede desculpa: “Assumo toda a responsabilidade por tudo o que aconteceu”

Durante uma intervenção esta quarta-feira no Parlamento britânico, o primeiro-ministro assumiu “toda a responsabilidade” por aquilo que se passou nos eventos em Downing Street durante a pandemia.

“Assumo toda a responsabilidade por tudo o que aconteceu sob a minha liderança”, afirmou Boris Jonhson, acrescentando que num período de 600 dias, as regras impostas devido à Covid-19 foram quebradas em oito ocasiões.

O líder britânico quis dar algum contexto relativamente aos eventos — garantindo, contudo, não estar a desvalorizar a situação: sublinhou que os eventos foram de despedidas de pessoas que estavam de saída do Governo, considerou ser “apropriado” agradecer pelo trabalho que fizeram e admitiu ter estado presente em algumas dessas festas.

Johnson disse ainda ter ficado “chocado” ao saber de alguns detalhes que constam no relatório, pediu desculpa e disse que os funcionários também deveriam fazê-lo. Anunciou ainda que passará a haver um “secretário permanente” para o departamento do primeiro-ministro.

Boris Johnson volta a afastar demissão: “Tenho de seguir em frente”

Numa conferência de imprensa na tarde desta quarta-feira, Boris Johnson assumiu as responsabilidades das falhas que cometeu ao quebrar as regras durante a pandemia. “Peço desculpa do fundo do meu coração”, esclareceu, acrescentando que já pagou uma multa. Não querendo desvalorizar os erros que cometeu, o primeiro-ministro decidiu dar algum contexto e explicou que em Downing Street  “há mais dirigentes e conselheiros” que trabalharam durante o confinamento “em condições difíceis” — e que também foram contra as regras sanitárias em vigor.

“Essas pessoas salvaram a vida de muitas pessoas [na pandemia] com a testagem da Covid-19, com a distribuição de vacinas”, disse o primeiro-ministro britânico, que indicou que foi a alguns encontros (nunca assumindo a total responsabilidade das falhas apontadas no relatório de Sue Gray) para “preservar a moral” dos funcionários de Downing Street, alguns dos quais estavam de saída.

Sobre a outras situações de desrespeito a alguns funcionários de Downing Street, como empregadas de limpeza, Boris Johnson reiterou que já pediu desculpa e apelou a que todos os que estiveram nestas festas o façam. Fazendo questão de sublinhar que já empreendeu uma “série de mudanças” após as críticas do relatório divulgado esta quarta-feira, o primeiro-ministro britânico quer assegurar “que aprendeu a lição” — e sente o “peso da responsabilidade” das “prioridades dos britânicos”.

Questionado pelos jornalistas perante a hipótese de se demitir, o chefe do Executivo britânico voltou a afastar essa possibilidade. “Não importa o quão amargas e dolorosas possam ser as conclusões — e elas são —, mas eu tenho de seguir em frente”.