As terapias de conversão sobre pessoas LGBTI+ ou os problemas e a discriminação associados ao envelhecimento desta população são alguns dos temas em destaque na conferência sobre os 40 anos da despenalização da homossexualidade em Portugal.

A conferência “40 anos da despenalização da homossexualidade em Portugal: História LGBTI+ em Portugal” decorre entre sexta-feira e sábado, em Lisboa, e, em declarações à agência Lusa, um dos membros da comissão organizadora apontou que é preciso refletir sobre o que representa esta data e que progressos ela trouxe.

Um grande tema que tem merecido preocupação é o das chamadas terapias de conversão, que na verdade não são terapias, outros países têm-nas equiparadas a tortura, é disso que se trata, de uma violência, ainda para mais de uma violência exercida sobre pessoas vulneráveis”, apontou Ana Cristina Santos, que integra o Centro de Estudos Sociais, da Universidade de Coimbra.

Sublinhou que são muitas vezes adolescentes e jovens que são levados a fazer estas terapias “muito violentas” e que não têm como resistir, e que este tema acaba também por estar ligado ao da saúde sexual e reprodutivas das pessoas transexuais.

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De acordo com Ana Cristina Santos, outra das áreas que “tem estado muito ausente quer da discussão académica, quer das políticas, é a questão do envelhecimento”.

“Fala-se muito da importância do envelhecimento, mas não na ótica das especificidades das pessoas LGBTI+ e isto levanta outras questões associadas como dar formação especifica às pessoas prestadoras de cuidados ou sensibilizar a população para a diversidade sexual e de género a partir dos 65 anos”, salientou.

Nas palavras da responsável, esta conferência pretende ser “um ponto de partida agregador”, afirmando não ter memória de uma outra conferência em Portugal centrada exclusivamente nas questões LGBTI+ (Lésbicas, Gay, Bissexuais, Trans e Intersexo) e admitindo a possibilidade de serem organizados mais eventos no decorrer do ano.

Ana Cristina Santos concordou que são precisos mais espaços de produção de conhecimento e de reflexão coletiva e que apesar da investigação na área dos estudos LGBTI+ ter conhecido um avanço significativos nos últimos anos, é preciso encontrar “ocasiões de partilha de pensamento e de resultados de uma forma mais alargada pelos membros da comunidade que faz investigação e de uma forma interdisciplinar”.

“Com este evento vamos dar um salto de qualidade”, garantiu.

Sobre os avanços de movimentos e de ideologias populistas e extremistas, que “incentivam a uma fortíssima ideologia antigénero e antidireitos LGBTI+”, a investigadora reconheceu que também já têm expressão em Portugal e que são um “fortíssimo ataque à diversidade sexual e de género”.

“É uma onda que merece a nossa atenção justamente para evitar que conquistas históricas ao nível da dignidade humana sejam postas em causa”, defendeu.

Acrescentou que “não é compatível com a qualidade da democracia que haja um retrocesso que tira direitos às pessoas, direitos esses que representam maior qualidade de vida para todas as pessoas”.

Ana Cristina Santos acrescentou que o universo académico está atento a esses desenvolvimentos e frisou que só é possível combater o extremismo com mais conhecimento, com mais espaço para reflexão conjunta e numa lógica de forte diálogo com a sociedade civil.

Relativamente à conferência, que é organizada em conjunto pelo CIES, pela Universidade Nova de Lisboa, pelo ISCTE, pelo Instituto de História Contemporânea, pela Câmara de Lisboa e pelo Centro Interdisciplinar de Ciências Sociais (CICS.NOVA), Ana Cristina Santos destacou que vai ter dois momentos importantes, um mais voltado para o passado e outro para o pressente, com implicações no futuro.

A responsável apontou que “o facto de a despenalização ter acontecido significa, na prática, que a democracia não chegou ao mesmo tempo para todas as pessoas” e que houve um hiato de oito anos após o 25 de Abril “em que uma boa parte da população portuguesa vivia com o risco constante de ver os seus afetos criminalizados”.

“Isto representou um atraso para a qualidade da nossa democracia, com impacto na nossa cidadania e por isso não podíamos deixar passar os 40 anos de um marco tão importante para a qualidade democrática”, defendeu.

Por outro lado, apontou que Portugal está no topo da igualdade e do reconhecimento em termos internacionais, com avanços jurídicos em termos de direitos fundamentais e que, por isso, é também objetivo da conferência contribuir para que a memória não se perca e seja sempre valorizado o caminho que foi feito até aqui.

Homossexualidade deixou de ser crime há 40 anos, mas “ainda há muito a fazer”

Quarenta anos de despenalização da homossexualidade trouxeram a Portugal progressos sucessivos e conquistas, mas a evolução da sociedade nem sempre acompanha a legislativa e “ainda há muito a fazer” em áreas como a saúde, trabalho ou educação.

António Serzedelo recorda-se bem do momento da alteração ao Código Penal em 1982 que permitiu que a homossexualidade em Portugal deixasse de ser um crime punível por lei, um facto que acontece oito anos depois da revolução de 25 de Abril que derrubou o regime fascista do Estado Novo.

“Recordo-me desse momento e de o termos festejado, mas não foi propriamente um grande festejo, foi mais um aplauso político que lançámos para os partidos que votaram nesse momento. Não me recordo se houve em Lisboa alguma manifestação com alguma grandeza a propósito disso”, contou à Lusa.

Ainda assim, lembra-se que essa alteração teve um efeito imediato: “Na rua, dizíamos uns para os outros ‘somos livres, somos iguais’ porque até aí não éramos”.

Para o ativista e ex-presidente da Opus Gay (agora Opus Diversidades), foram “40 anos de progressos sucessivos, mas que não tiveram a réplica social que era esperável relativamente às leis que foram promulgadas”, ressalvando que as mudanças foram sobretudo nas cidades e nos meios mais cosmopolitas.

Na opinião de António Serzedelo, “ainda há muito a fazer em termos de igualdade”, mas salientou, por outro lado, as conquistas impulsionadas pela alteração do Código Penal, como o casamento entre pessoas do mesmo sexo, em 2010, que trouxe “uma igualdade de direitos” para juntar à igualdade legislativa.

Manuela Ferreira, presidente da Associação de Pais e Mães pela Liberdade de Orientação Sexual (AMPLOS), concorda que “já se fez muito caminho” e que “ainda há muito por se fazer”, apesar de entender que “a homossexualidade já está um bocadinho mais integrada na vida das pessoas”.

Para a responsável, passados 40 anos, “faltam duas ou três coisas”, nomeadamente “que estas questões sejam faladas com a maior abertura possível nas escolas”, defendendo que quanto mais o assunto for falado mais ele será encarado com naturalidade.

Defende, por outro lado, a inclusão nos currículos dos cursos superiores, salientando que o que falta é “formação e educação”, sobretudo “educação no respeito pela diversidade, educação no respeito pela pessoa num todo”.

Da direção do Clube Safo, uma organização de defesa dos direitos das mulheres lésbicas, Alexandra Santos acha que “é incrível” que em 40 anos Portugal tenha conseguido “tantas leis e em algumas delas estar à frente de alguns países que se dizem mais desenvolvidos ou mais liberais”, sublinhando que o “progresso é efetivo e real” e exemplificando com o casamento, a adoção ou a procriação medicamente assistida.

“As pessoas trans podem fazer todos os processos de transição sem precisarem de processar o Estado, é realmente um avanço tremendo nos últimos 40 anos”, destacou.

Apontou, por outro lado, que “estes processos são depois muito mais demorados na sociedade” e deu como exemplo três áreas onde ainda faltam mudanças importantes, desde logo na saúde, defendendo formação para a diversidade, direitos laborais, onde denunciou o assédio laboral e sexual contra mulheres lésbicas, ou no sistema judicial.

Para Sérgio Vitorino, do coletivo de combate à discriminação da população LGBTI Panteras Rosa, os direitos laborais também são uma das principais áreas onde é preciso atuar para uma igualdade plena, salientando que “continua a haver muita resistência e muita dificuldade em aceitar que os direitos laborais não mexem apenas com os direitos no local de trabalho e que a precariedade é mais ampla e que se estende a outras dimensões da vida”.

“Outro tema que ainda está por explorar é o das pessoas intersexo, que é o das pessoas com características sexuais físicas, genéticas ou hormonais que não permitem classificá-las dentro dos padrões binários de homem/mulher e o movimento LGBTI tem ainda muito caminho a fazer”, defendeu.

Na opinião do ativista, falta conquistar direitos em quase todas as áreas e destacou a necessidade de formação na saúde, sublinhando que a formação médica “está inteiramente desfasada da realidade”, que tem diversidade de pessoas, “não só sexual, de género, corporal, mas também de nacionalidade ou de língua”.

A questão da saúde é também uma das áreas apontadas pela presidente da ILGA Portugal, além do apoio de emergência e tudo o que tenha a ver com asilo e imigração, defendendo que as soluções atuais não estão adaptadas às especificidades das pessoas LGBTI e que “há contextos que na prática não estão a corresponder ao que a lei obriga”.

Ana Aresta concordou que as “grandes discriminações históricas foram sanadas pelas alterações legais mais recentes”, mas recordou que “falta ainda garantir a proibição das chamadas terapias de conversão” ou “criar lógicas de interseccionalidade na lei”, apontando que nos últimos anos a ILGA tem reivindicado por uma lei-quadro antidiscriminação, “que consiga uniformizar todos os diplomas que combatem a discriminação e tentar que todas as pessoas que sofrem múltiplas discriminações sejam protegidas”.