O primeiro passo deverá ter um resultado positivo — mas o caminho que pode levar à adesão da Ucrânia à União Europeia está longe de ser simples. Consciente das dificuldades, o país de Volodymyr Zelensky tem apostado, nas últimas ofensivas, numa “operação de charme” para convencer os líderes europeus mais céticos a darem luz verde à sua candidatura — e está surpreendido com a resistência demonstrada por Portugal.

Numa altura em que está por dias a primeira opinião, ainda preliminar, da Comissão Europeia — será divulgada a 17 de junho — e que antecede a cimeira em que os líderes europeus se pronunciarão sobre o assunto, a 23 e 24 de junho, a Ucrânia está focada em seduzir os chefes de Estado e de governo que ainda não estão convencidos.

Como conta o portal europeu Euroactiv, esta primeira fase deverá trazer boas notícias à Ucrânia: de acordo com várias fontes europeias com conhecimento na matéria, o documento da Comissão Europeia deverá ter uma formulação “cuidadosa” mas em sentido positivo.

A recomendação positiva para a Ucrânia, diz a Bloomberg, deverá no entanto incluir algumas condições, sobretudo para reforçar o estado de Direito na Ucrânia e a legislação anticorrupção.

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O problema é que mesmo que a Comissão Europeia acabe por se pronunciar favoravelmente, este é apenas o início do processo. Logo a seguir, a Ucrânia terá de enfrentar o ceticismo de alguns Estados-membros, por vários motivos: por um lado, o país ainda está em guerra; há outros países que submeteram as candidaturas há anos — o processo pode levar muitos anos e chega a demorar uma década — e ainda esperam resposta; e, fora a situação atual de guerra, pode haver dúvidas de fundo em relação à harmonização legislativa e de respeito pelo estado de Direito na Ucrânia, que vários países consideram não poderem ser ignoradas para apressar a adesão do país.

Portugal gera preocupação e “surpresa”

Portugal está precisamente entre os países cuja hesitação gera preocupação ao mais alto nível na Ucrânia. No mês passado, Olha Stefanishyna, a vice primeira-ministra ucraniana responsável pela pasta da integração europeia, tinha feito as contas e concluído que haveria “seis a sete países” céticos sobre uma entrada acelerada na Ucrânia — nomeando os exemplos da Alemanha, Portugal, Espanha, Áustria e Suécia.

Mas se entretanto a convicção da Ucrânia é que muitas dessas dúvidas se foram dissipando — Stefanishyna falou à Euroactiv de “resultados positivos” na Áustria, tendo a Alemanha tomado uma posição mais flexível também e estando outros países como a Finlândia e a Dinamarca à espera para ver a posição da Comissão Europeia — a resistência de Portugal surpreendeu: “Continuamos a ter um país que muito inesperadamente é cético, Portugal, o país com a maior comunidade ucraniana, cuja oposição é uma surpresa”.

Em abril, António Costa dizia numa entrevista organizada pelo Clube de Jornalistas, depois de Zelensky afirmar que Portugal “quase” defendia a adesão da Ucrânia à UE, que a urgência da situação de guerra “nunca se resolve com o alargamento, só com soluções compatíveis com a urgência”. Para Costa, “o aprofundamento do acordo de associação com a União Europeia” seria o “espaço ideal”.

Duas garantias, uma promessa e o travão a Zelensky. Entrevista a António Costa

E explicava porquê: “Colocar todas as fichas num processo que é incerto, necessariamente moroso e sujeito a múltiplas vicissitudes é um risco que acho muito grande. Há outra dimensão, que é a de saber se a União Europeia, ela própria, está preparada para novos passos de alargamento. Até agora, a União Europeia não tem sido capaz de acolher países como a Albânia, Montenegro, que têm uma dimensão bastante diferente da Ucrânia”. Mas garantia que Portugal não dizia um “não” rotundo.

Depois, em maio, o primeiro-ministro português reiterava estar “reconhecido e satisfeito com a clara opção europeia da Ucrânia”, que reconhecia como “parte da família europeia”, mas voltava a recordar a “complexidade” do processo e deixava avisos: “Todos sabemos bem quais as regras da União Europeia. Temos de encontrar uma solução que responda àquilo que é prioritário neste momento para a Ucrânia: apoio militar, económico, humanitário e compromisso inquestionável para o esforço enorme de reconstrução”.

Na visita a Kiev, assegurou receber de “braços abertos” a opção da Ucrânia, prometendo “apoio técnico” e a “troca de experiências” sobre o próprio processo de adesão português. Zelensky cortou: “Compreendo que há países que esperaram muitos anos, mas não penso que seja correto comparar a Ucrânia com países que fizeram o caminho de adesão em paz. Estamos em guerra e a lutar pela liberdade e pelos valores europeus.

A tour europeia

É para vencer resistências ou hesitações que altos representantes da Ucrânia têm estado a visitar capitais europeias, nas últimas semanas, para fazer um último grande esforço diplomático nesta altura crucial para tentar a adesão, depois de a candidatura ter sido submetida em março.

“É muito importante que a União Europeia não jogue ao jogo das promessas”, disse o representante do Parlamento ucraniano, Ruslan Stefanchuck, esta semana, aos jornalistas em Bruxelas. Isto numa altura em que — tal como António Costa já fez — vários líderes europeus falam em soluções alternativas à adesão pura e simples, e acelerada, da Ucrânia.

“Pelo menos não há um consenso em dizer que “não” à Ucrânia, porque nenhum líder vai poder dizer isso publicamente. Em vez disso, a discussão é sobre as modalidades”, acrescentava esta semana Olha Stefanishyna, citada pela Euroactiv, e lembrando os defensores mais fortes da adesão, como Itália, Irlanda ou Grécia. Segundo a Bloomberg, a maioria dos países será mesmo favorável à adesão.

O trio que pode ser um obstáculo

O outro obstáculo, nesta altura, para a Ucrânia poderá ser o de ser envolvida no mesmo grupo de países que tentaram agora, no contexto da guerra, dar início ao mesmo processo: a Moldávia e a Geórgia. A vice primeira-ministra ucraniana admitiu na mesma conversa que a Ucrânia ficaria “muito preocupada” por ser considerada parte desse grupo de países, “porque têm realidades muito diferentes”, sobretudo em termos legislativos e de respeito pelo estado de Direito, que vão além da preocupação com a Rússia.

“Pôr os três países no mesmo saco aumenta a quantidade de incerteza e ajuda os céticos a dizer que não, porque para a Ucrânia a decisão pode ser clara, mas para a Geórgia não e para a Moldávia também não”, avisou. A 17 de junho se verá se o primeiro passo é dado com sucesso, para que a Ucrânia possa obter formalmente o estatuto de país candidato e dar início assim à sua candidatura formal.