O juiz Ivo Rosa deixou cair a acusação contra três das sete empresas acusadas no megaprocesso GES/BES depois de perceber que, apesar de arguidas desde pelo menos 2016, nunca tinham tido um advogado a representá-las ao longo do processo. Segundo o despacho a que o Observador teve acesso, o Ministério Público terá tomado como certo que os advogados que acompanham os representantes das empresas seriam os mesmos das sociedades — no entanto não existe no processo nenhuma procuração a indicá-lo.

Assim, segundo a decisão de Ivo Rosa assinada esta quinta-feira, a acusação de crimes como o de burla qualificada contra a Espírito Santos International (ESI), a Espírito Santo Tourism e a Espírito Santo Resources cai ainda antes da decisão instrutória (que por imposição do Conselho Superior da Magistratura deverá ser proferida até fevereiro de 2022). O juiz Ivo Rosa alerta ainda que acontece o mesmo com uma quarta empresa, a Espírito Santo Irmãos, mas como ninguém do processo invocou a nulidade, não extrai para já qualquer consequência jurídica. O processo ao qual Ivo Rosa tinha somando cinco arguidos, ficando assim com 30 arguidos (sete das quais empresas) passa agora a ter 27 (quatro delas empresas).

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Na sua decisão, o juiz lembra que sempre que uma pessoa coletiva (neste caso uma sociedade) é constituída arguida goza dos mesmos direitos que qualquer cidadão, como ter um advogado que a represente. Estes arguidos são normalmente representados por um responsável da empresa (que pode ou não ser arguido no mesmo caso pelo que os seus representantes legais não podem ser confundidos).

Quando em abril de 2016 a Espírito Santo International (ESI) foi constituída arguida, — sendo depois acusada de  associação criminosa, três crimes de falsificação de documento e sete crimes de burla qualificada, — era António Ricciardi o seu representante. Um mês depois, Ricciardi manifestou no processo que por motivos ligados à sua idade avançada (97 anos) e de saúde, não podia representar convenientemente a sociedade. Agora percebeu-se que desde então nunca foi constituído nenhum advogado para a ESI e que foi o advogado João Barroso Neto, que acompanhava Ricciardi, a ser sempre notificado indevidamente dos vários passos no processo.

Ricciardi foi depois substituído por Manuel Espírito Santo na representação da empresa e foi interrogado, mas enquanto arguido no processo. E para Ivo Rosa esse interrogatório foi mesmo direcionado a ele como arguido e não à empresa que representava. “A sociedade ficou sem possibilidade de exercer os seus direitos e deveres processuais inerentes ao estatuto de arguido”, diz agora Ivo Rosa que afirma haver assim “uma irregularidade processual”.

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O mesmo foi verificado em relação à Espirito Santo Tourism (Europe) SA acusada da prática de um crime de burla qualificada e arguida desde 17 de junho de 2020. Também foi Manuel Espírito Santo que a representou e a 2 de julho o Ministério Público até lhe solicitou que indicasse um representante legal para a sociedade. Mas aparentemente nada foi feito. Não existe no processo qualquer procuração a mandatar um advogado para representar a sociedade. E mesmo “do auto do interrogatório [a Manuel Espírito Santo] não constam os factos e crimes imputados ao arguido e às sociedades”. Este arguido foi sempre representando pelo advogado  José António Barreiros, que é aliás o advogado da Rioforte Investments.

Também a Espírito Santo Resources Limited viu cair a acusação que o Ministério Público lhe imputava por um crime de burla qualificada por referencia à venda de ações preferenciais da sua subsidiária ESROL, com prejuízo para os tomadores no valor de 60 557, 50 euros. Arguida também desde 17 de junho de 2020 e representada igualmente por Manuel Espírito Santo, nunca teve um defensor constituído.

O juiz Ivo Rosa argumenta assim que em causa estão nulidades insanáveis, invalidando assim a acusação que os mantinha no processo. O magistrado encontrou ainda, por sua iniciativa, uma outra empresa arguida no processo que se encontra também sem advogado: a sociedade Espírito Santo Irmãos SGPS, arguida desde 15 de junho de 2020 e representada por Ricardo Salgado. Também neste caso o antigo presidente do BES foi ouvido na companhia de um advogado, mas do seu interrogatório não se vislumbra que as perguntas fossem referentes à empresa, mas em relação à sua própria situação de arguido. Só que neste caso concreto, alerta Ivo Rosa, não foi invocada pelas partes qualquer nulidade, logo não lhe cumpre “extrair consequências”. O que não significa que depois deste alerta não venha a ser.

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