Os “muito poucos” alunos ciganos que chegam ao ensino secundário são sobretudo rapazes, têm algumas fragilidades socioeconómicas, a maioria teve pelo menos uma retenção escolar, mas conseguiram ir mais longe nos estudos graças ao apoio da família.

Uma equipa de investigadoras do ISCTE — Instituto Universitário de Lisboa — quis compreender as trajetórias escolares dos estudantes ciganos no ensino secundário, compreender as suas aspirações e perceber se queriam concorrer ao ensino superior ou terminar o 12.º ano e procurar uma oportunidade de trabalho.

O estudo começou em 2021 e esta quarta-feira tem lugar o evento de encerramento do EduCig — Desempenhos escolares entre os ciganos: investigação-ação e projeto de co-design –, mas em declarações à agência Lusa a coordenadora do projeto falou da dificuldade em encontrar alunos ciganos a estudar no ensino secundário, apontando que o trabalho de pesquisa foi mais demorado por causa da efetiva subrepresentatividade destes jovens.

De acordo com Maria Manuela Mendes, até ao terceiro ciclo “ainda há uma representatividade interessante” de alunos ciganos, “ainda que não muito elevada”, mas no terceiro ciclo (9.ºano) começam a ser menos e no secundário “são muito poucos”, não chegando aos 3%, segundo dados da Direção-geral de Estatísticas da Educação e Ciência.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

“É um valor bastante baixo mesmo em comparação com outros países europeus e levou-nos a implementar este estudo”, explicou a investigadora, segundo a qual o trabalho incluiu entrevistas a jovens que residiam nas áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto.

Foram entrevistados 20 rapazes e 11 raparigas, “jovens marcados por alguma fragilidade socioeconómica”, com pais com baixos níveis de escolaridade — “as mães tinham o 1.º ciclo e os pais o 3.º ciclo” — ainda que alguns tivessem um curso superior, e que em algum momento da vida receberam prestações sociais.

São jovens que demonstram alguma continuidade no seu percurso escolar e algum sucesso, mas mesmo assim tiveram em algum momento uma retenção escolar sobretudo nas transições de ciclo e muitas vezes estas retenções têm a ver com falta de assiduidade”, adiantou.

Maria Manuela Mendes adiantou que entre os 31 jovens entrevistados, 21 estavam a estudar em áreas profissionais, sobretudo relacionados com a informática, cultura e artes ou restauração e hotelaria, estando os restantes em percursos regulares, nas áreas das línguas e das humanidades.

“Relativamente ao percurso destes jovens, é muito importante e isso sobressai, é o apoio das famílias, que é decisivo, sobretudo a família nuclear, mas às vezes também a família mais alargada, mas estes jovens apoiam-se muito, ao nível de apoio emocional, e também em termos incentivo escolar, no pai e na mãe”, ressalvou.

De acordo com a investigadora, “os pais são modelos de referência para estes jovens”, com casos em que os pais transferem para os filhos e filhas as expectativas em relação aos percursos educativos que tinham idealizado para si e que não conseguiram concretizar.

Manuela Mendes exemplificou com casos de alguns pais que ajudam nos trabalhos de casa, pagam a explicadores ou levam os filhos para centros de estudo para que possam melhorar o desempenho escolar.

“Alguns mudaram mesmo de área de residência para poderem providenciar aos filhos um outro ambiente, contexto habitacional mais propicio à prossecução de estudos”, revelou, apontando que isso se revelou benéfico para prolongar ou melhorar o percurso escolar dos filhos.

Admitiu, por outro lado, que as raparigas vivem situações mais desafiantes no que diz respeito à relação entre a família e a escola e que, se por um lado, “há famílias que apoiam incondicionalmente as filhas nestes trajetos, [há] outras que não apoiam assim tanto”, tendo conhecido casos de “grande resiliência” e determinação nestas jovens.

A investigadora explicou que o projeto tem também uma outra dimensão, que passa pela definição de um programa de formação para alunos com mais de 18 anos e até aos 25 anos, que abandonaram a escola e que confere escolaridade ao nível do 12.ºano para permitir que possam depois optar pelo ensino universitário ou ir para o mercado de trabalho.

O desenho dessa formação, aberta a todos os alunos e não só ciganos, está feito e em setembro avança a implementação, numa primeira fase apenas na Escola de Segunda Oportunidade de Matosinhos e depois alargado a todo o país.

A formação terá formadores ciganos e áreas como a mediação, interculturalidade, empreendedorismo, comércio, artes e cultura, entre outras, e terá o apoio do Instituto do Emprego e Formação Profissional.