Apesar de ser conhecida como “potência da mostarda”, França enfrenta um enorme problema de escassez com este que é um dos seus produtos mais concorridos. Nas últimas semanas tem sido impossível encontrá-la nos supermercados. O fenómeno surge depois de, no último ano, os preços terem disparado: um estudo de 2022 do Instituto de Investigação e de Inovação (IRI) francês, citado pelo jornal francês Le Figaro e centrado nos efeitos da inflamação nos produtos alimentares, conclui que houve uma subida média de 9,26% no preço da mostarda.

A falta de mostarda em França já é motivo para circularem publicações virais no Tik Tok — ora a brincar com o desespero francês ora a ensinar a fazer o produto em casa —, sendo ainda tema para a elaboração de teorias da conspiração. Um vídeo que foi partilhado milhares de vezes afirmava que a escassez da mostarda era, afinal, uma farsa: mostrava paletes inteiras com frascos naquilo que parecia ser um armazém. Na filmagem é possível ouvir um homem a dizer que trabalha “na distribuição” e que entrega “nas lojas do Carrefour”, rede internacional de supermercados e grossista, sediada em França.

A contribuir para o fenómeno das “fake news”, houve pormenores importantes da história que ficaram de fora: ainda que se confirme a existência daquelas paletes de mostarda (do L.eclerc e não ao Carrefour), a realidade é que ela não reflete abundância. De acordo com um fabricante, que falou com o Franceinfo, tratava-se de um stock especial, que acumulava numa única entrega os pedidos de quatro semanas. Além disso, e de acordo com a rede de supermercados franceses L.ecrerc, “não é de estranhar que várias paletes se encontrem em trânsito de forma muito pontual numa plataforma a aguardar a sua expedição”.

A escassez de mostarda é uma realidade há várias semanas em França. E quando é reposta, desaparece em poucas horas. Relatos de funcionários de supermercado dão até a entender que há quem esteja a criar stocks de mostarda para enfrentar esta escassez: “Os cem frascos de mostarda que recebemos no início do dia costumam esgotar às 13h. Do meu ponto de vista, temos a impressão de que há uma vontade, por parte dos clientes, de criar stocks por causa de tudo o que está a acontecer”, disse o gerente de um supermercado de Paris a uma jornalista do americano Washington Post. Por esse motivo, há locais onde foi agora estabelecido um número limite de frascos por cliente. 

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“Não como mostarda há três meses. Também não vai conseguir encontrar [em lugar nenhum]”, disse à mesma jornalista Hassan Talbi, dono de uma mercearia na capital francesa, que relata que a última vez que recebeu um carregamento de frascos de mostarda, da rede de varejo e supermercados Carrefour, foi há mais de 60 dias.

Porque é que falta mostarda em França?

Um estudo do Ministério da Agricultura diz que França é a primeira “potência da mostarda” na Europa, fornecendo 50% do continente. A mostarda também desempenha um papel estrutural do ponto de vista local: a região da Borgonha produz 80% de toda a mostarda francesa, representando 2,6% dos empregos agrícolas nesta região. O problema é que, devido aos preços competitivos, esta região continua a exportar de forma massiva as sementes de mostarda ao Canadá.

Ou seja, apesar de ser a “potência da mostarda”, França não tem as suas próprias sementes. Mas também o país norte americano enfrenta problemas — e é, maioritariamente, daí que nasce a escassez da mostarda em França. Nos últimos anos, o país “reduziu significativamente os seus campos de sementes a favor do trigo, que é mais lucrativo”, explica o Franceinfo. A somar a isto, “uma colheita catastrófica” em 2021 e 2022 devido à seca, que fez com que a produção caísse para metade, informa um documento do Ministério da Agricultura do Canadá de abril. Há ainda as pragas: as mudanças climáticas, considera Fabric Genin, presidente da Associação de Produtores de Semente de Mostarda da Borgonha, têm criado invernos mais amenos, favoráveis ao aparecimento de insetos.

“De 12.000 toneladas [de sementes de mostarda produzidas] em 2016, caímos para 4.000 toneladas em 2021. É simples, não podemos mais controlar as pragas”, disse Genin, ao jornal francês Liberation. “Há um efeito climático, isso é óbvio.” Este efeito sente-se também na produção francesa em Borgonha.

Falta ainda falar de outro fator importante: a guerra. A Rússia e a Ucrânia são outros dois grandes exportadores de sementes de mostarda, mas com o conflito a decorrer, não é possível exportar destes países.

E agora?

E agora é preciso esperar, pelo menos, até 2024, especula Luc Vandermaesen, diretor da Reine de Dijon e presidente da Associação de Moutarde de Bourgogne. “Temo que demore um pouco mais até que possamos reabastecer. Será tenso até 2024”, diz ao francês Le Monde.

A escassez poderá ainda representar um acelerador para a produção nacional, através do desenvolvimento de um setor dedicado exclusivamente às sementes de mostarda francesas. Ainda que a área agrícola que se destina a este fim tenha aumentado, ainda é reduzida: de 600 passou para 5.700 hectares entre 2000 e 2015. Segundo a Câmara de Agricultura da Côte-d’Or, Borgonha deve dedicar 15.000 hectares das suas terras à cultura da mostarda, para conseguir responder a um pedido de 25 mil sementes necessárias para a indústria regional da mostarda.