O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) condenou o Estado português a pagar uma indemnização de 15 mil euros a dois ex-responsáveis de um jornal satírico madeirense chamado Garajau.
Estão em causa as sentenças por difamação e abuso de liberdade de imprensa decretadas por vários tribunais portugueses contra Gil Canha (diretor) e Eduardo Welsh (diretor adjunto), com destaque para a sanção do Tribunal da Relação de Lisboa. Os dois jornalistas foram condenados pela Justiça portuguesa a indemnizar o empresário madeirense Luís Sousa no valor de 15 de mil euros, precisamente o valor que o Estado português tem agora de pagar aos ex-jornalistas no prazo de três meses, acrescido de 3.238, 50 euros de despesas jurídicas.
Em reação à decisão, Francisco Teixeira da Mota, advogado Gil Canha e Eduardo Welsh, diz que “infelizmente, na Madeira, salvo raras excepções, a liberdade de expressão tem sido sistematicamente desvalorizada pelos tribunais em benefício do poder político e do poder económico local. O TEDH é o nosso Tribunal Constitucional”, concluiu.
Com esta condenação, e desde 2005, já são mais de 20 as condenações do Estado português no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem por violação da liberdade de expressão. Nos últimos três anos, destacam-se os casos da SIC, da revista Visão e de José Manuel Fernandes (publisher do Observador) que ganharam as respetivas queixas em Estrasburgo contra Portugal.
O caso do Garajau
O Garajau, que foi obrigado a encerrar precisamente devido ao avalanche de processos judiciais, agitou a vida da ilha da Madeira entre 2004 e 2011 (ano do encerramento). Assumidamente satírico, o pequeno jornal madeirense (tinha apenas uma circulação de 500 exemplares) tinha como alvo jornalístico o poder do PSD da Madeira e da classe empresarial que cresceu à sombra do Governo de Alberto João Jardim.
Está em causa um artigo de 23 de março de 2007 sobre a constituição arguido do empresário Luís Miguel Sousa e de outros gestores no âmbito de um processo judicial em que se investigavam diversos ilícitos económico-financeiros relacionadas com o monopólio dos portos de mercadorias da Madeira. A Polícia Judiciária suspeitava de que tinha sido faturados pelo grupo empresarial de Luís Sousa cerca de 20 milhões de euros em alegados serviços fictícios. Mais tarde, o inquérito foi arquivado por falta de provas.
O Garajau, numa linguagem irónica e satírica, afirmava que “descarregar um navio no Caniças é a mesma coisa que descarregar uma palete de dinheiro a fundação laranja”, uma referência à fundação do PSD/Madeira e a um alegado financiamento ilícito da mesma.
Luís Miguel de Sousa colocou uma ação cível no Funchal contra o Garajau e os seus diretores pedindo uma indemnização de 250 mil euros. A Vara Mista do Funchal deu razão ao empresário em julho de 2014 e condenou os então ex-jornalistas a pagarem uma indemnização de 30 mil euros, valor reduzido para 15 mil euros na Relação de Lisboa em maio de 2015.
O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem considera que as condenações da Justiça portuguesa violam a o direito à liberdade de expressão, protegido pelo art. 10.º da Conveção Europeia dos Direitos do Homem. Isto porque, no âmbito da jurisprudência do tribunal, a liberdade de expressão (e outros direitos conexos, com a liberdade de imprensa) são encaradas como verdadeiros super-direitos que se sobrepõem a outros, como o direito ao bom nome, se se confirmarem diversos requisitos.
Um desses requisitos passa precisamente pelo facto de as informações terem relevância pública (como era o caso do processo judicial noticiado pelo Garajau) e de os visados das mesmas notícias serem personalidades públicas (como também era o caso de Luís Miguel Sousa). Acresce que o grupo empresarial de Luís Sousa detinha a adjudicação de serviços no âmbito de uma concessão pública — uma matéria que o TEDH considera de “interesse público”, exigindo-se assim um elevado escrutínio jornalístico e público da mesma.