A Rainha de Inglaterra, Isabel II, morreu na tarde desta quinta-feira. A notícia foi confirmada pelo Palácio de Buckinghame citada pela BBC.A monarca britânica deixa assim o trono ao seu filho mais velho, o Príncipe Carlos. A sua morte está a abalar mundo, mas o acontecimento já era esperado. Aliás este momento, que acarreta uma série de questões, tem vindo a ser planeado ao pormenor numa operação à qual as autoridades britânicas deram o nome de “London Bridge”, para que os dias que se seguem não sejam assolados por qualquer imprevisibilidade.
O estado de saúde da monarca pregou-lhe algumas partidas nos últimos tempos. Desde o cancelamento de um serviço religioso na Catedral de St. Paul’s, em Londres, até à sua ausência no batizado do bisneto, Louis, filho dos duques de Cambridge. O Palácio de Kensington afirmou que a ausência em nada se deveu ao estado de saúde, mas o certo é que a monarca já tinha 96 anos. Nos últimos dias, o estado de saúde da Rainha agravou-se depois das duas audiências por causa da transição de governo de Boris Johnson para Liz Truss.
No início de julho, altura em que Isabel II faltou ao serviço religioso do neto, foi feito um ensaio do dia “D+1”, ou seja, focado no dia seguinte à sua morte. Este exercício, apelidado de “Castle Dove”, juntou o adjunto da primeira-ministra britânica, David Lidington, o secretário de Estado para os Assuntos Internos, Sajid Javdi, a líder da Câmara dos Comuns, Andrea Leadsom, e o secretário de Estado para a Escócia, David Mundell. Esta ação protocolar foi feita a uma escala nunca antes vista — “Esta é a primeira vez que diferentes ministros se juntam numa sala. Anteriormente, eram apenas funcionários”, salientou, na altura, uma fonte ao jornal The Times — para que esteja tudo pronto para os 10 dias de luto nacional que sucedem ao “Dia D”. O Observador reuniu os detalhes sobre “o que se segue”.
O “Dia D”: aconteceu e estava planeado
A verdade é que a operação “London Bridge” tem vindo a ser planeada desde há muito por uma equipa destacada para este propósito. Os primeiros planos datam da década de 60, mas desde então muitas têm sido as alterações efetuadas. Desde o início do século, há entre dois a três encontros por ano que envolvem uma série de elementos, quer sejam dos vários departamentos do governo, quer seja da polícia, do exército, ou funcionários da Casa Real. A sua função é escrever, riscar e reescrever, para que no “Dia D” (e nos que se seguem) tudo corra de acordo com o previsto.
Quando o plano era alterado as versões mais antigas eram destruídas — quem participou nas reuniões descreve o processo como “profundamente metódico”. De acordo com um artigo publicado pelo jornal britânico The Guardian, que cita fontes conhecedoras dos trâmites, quando os elementos da equipa falavam sobre “o assunto”, recorriam sempre a expressões como “uma possível cerimónia”, “um futuro problema”, “uma ocasião inevitável, cujo momento é bastante incerto”. E porque o momento foi incerto, foram criados os mais variados cenários para que não houvesse qualquer tipo de imprevisto. Se a Rainha morresse fora das fronteiras do Reino Unido seria trazida de volta por um avião da Força Aérea. Se o inesperado acontecesse enquanto passava uma temporada no Castelo de Balmoral, na Escócia, seria acionada a chamada operação “Unicórnio”.
A operação “Unicórnio” prevê que a sessão no Parlamento da Escócia seja suspensa de imediato. De acordo com o jornal escocês The National, o corpo de Isabel II deverá passar pelo Palácio de Holyroodhouse e depois para a catedral de St. Giles, em Edimburgo. De seguida, será transportado de comboio, a partir da estação de Waverley, até Londres.
Por muito que, até aqui, o assunto fosse quase evitado, a verdade é que o “Dia D” chegou. Por todo o mundo, milhares choram a morte de Isabel II e a família real britânica vê-se agora num cenário nunca antes visto. A morte da regente constitui uma verdadeira rutura na vida da família real mas também na vida dos britânicos, até porque algo assim (a morte de um monarca britânico e a ascensão de outro) estava longe da memória de todos — Isabel II estava no poder desde 1952 (ano em que sucedeu ao seu pai, Jorge VI).
Se o protocolo foi seguido à risca, o médico da Rainha, Huw Thomas, foi quem cuidou dela nos últimos momentos e também quem controlou o acesso ao seu quarto. Quando já não conseguiu resistir mais, os olhos da Rainha foram fechados, e os filhos ter-lhe-ão beijado as mãos. A primeira pessoa a lidar com a sua morte, depois do seu médico e da família, terá sido Christopher Geidt, o secretário privado da Rainha, que terá ligado através de uma linha segura à primeira-ministra, Liz Truss, dizendo-lhe: “London Bridge is down” (o código para “A Rainha morreu”). A notícia terá sido depois difundida a partir do Centro de Resposta Global do Ministério das Relações Exteriores para os 15 governos fora do Reino Unido, dos quais a Rainha também era chefe de Estado, e para as outras 36 nações da Commonwealth.
O 18.º Duque de Norfolk, o Conde Marechal, estará no comando dos preparativos — os Norfolks são quem supervisiona os funerais da realeza desde 1672 — e, ainda que na teoria esteja tudo bem explícito (no plano “London Bridge”), a verdade é que, nas horas que se seguem à morte da Rainha, há detalhes que só Carlos pode decidir. “Tudo tem de ser assinado pelo duque de Norfolk e pelo Rei“, lê-se no jornal britânico. Nas horas que se seguem, se possível, a Câmara dos Comuns e a Câmara dos Lordes — onde os dois tronos serão substituídos por uma única cadeira e uma almofada com o contorno dourado de uma coroa — vão reunir-se. Em todo o país, as bandeiras serão colocadas a meia haste e os sinos vão soar.
Ascensão do Príncipe Carlos ao trono
“Realmente vão estar duas coisas a acontecer”, disse um dos assessores da Rainha ao mesmo jornal há uns meses. É que este dia fica marcado não só pela morte da Rainha, bem como pela preocupação com tudo aquilo que se segue relativamente aos anúncios oficiais e cerimónias, mas também pela ascensão do Príncipe de Gales ao trono — que esperou mais tempo do que qualquer herdeiro para assumir este cargo. Assim, e porque neste dia “há a morte de um soberano e depois há a criação de um rei”, nos últimos anos, a equipa que delineou o plano “London Bridge” tem-se focado sobretudo na ascensão de Carlos ao trono.
No “D+1”, ou seja, um dia depois da morte de Isabel II, as bandeiras voltam a ser hasteadas e, às 11h, o Príncipe Carlos vai ser proclamado rei, no Palácio de St. James. Um sacristão, chamado Richard Tilbrook, vai ler a declaração formal (“Considerando que Deus Todo-Poderoso desejou chamar à sua Misericórdia a nossa falecida Soberana Rainha Isabel II…”) e o Príncipe Carlos vai executar os primeiros deveres oficiais do seu reinado: jurar proteger a Igreja na Escócia e falar sobre o “pesado fardo” que vai então estar nas suas mãos.
Depois de Carlos fazer o seu discurso, os guardas da Marinha real britânica, que não passam despercebidos a ninguém com as suas plumas vermelhas nos capacetes, vão fazer soar as trombetas por três vezes, enquanto o Garter King of Arms — principal conselheiro soberano do Reino Unido –, Thomas Woodcock, começa o ritual de proclamação de Carlos a Rei de Inglaterra. Este momento está ensaiado e planeado até ao mais pequeno detalhe. Depois Woodcock segue com outros guardas até à estátua de Carlos I, em Trafalgar Square, onde o anúncio será feito novamente. Ao mesmo tempo, a partir do Hyde Park serão disparados 41 tiros para assinalar o momento.
Depois de proclamado Rei, Carlos fará uma viagem pelo país, passando por Edimburgo (Escócia), Belfast (Irlanda do Norte) e Cardiff (País de Gales), para “mostrar que são parte integrante do seu reino”, estará com os líderes dos governos, mas também com “médicos, professores e outras pessoas”. A coroação do Rei pode só vir a acontecer um ano após a morte de Isabel II (tal como sucedeu no seu caso). De acordo com o jornal The Week, o Príncipe de Gales não tem, necessariamente, de passar a ter o título de Rei Carlos, podendo escolher entre um dos outros seus nomes, isto é, pode escolher ser Rei Filipe, Artur ou Jorge.
Os dias que se seguem ao “Dia D”
Os dias que antecedem o dia “D+9”, isto é, o dia do funeral da Rainha, os soldados vão percorrer as ruas por onde vai passar a procissão e as orações vão ser ensaiadas vezes sem conta. No dia seguinte, o Westminster Hall será fechado, totalmente limpo, e o seu chão de pedra coberto com uma carpete vermelha. As ruas serão convertidas em autênticos espaços de culto.
Os 10 guardas escolhidos para transportarem o caixão da Rainha vão ensaiar o percurso — fora do alcance dos mais curiosos, é claro –, provavelmente num quartel, isto para que se habituem ao peso que vão carregar, já que os membros da realeza britânica são colocados em caixões forrados a chumbo — o Guardian refere que a Princesa Diana pesava “um quarto de tonelada”.
No dia “D+4”, o caixão da Rainha segue, em procissão, desde o Palácio de Buckingham para o Westminster Hall, onde vai permanecer durante quatro dias. Esta procissão será o primeiro grande desfile militar da London Bridge: desce o Mall, passa pelo Horse Guards e pelo Cenotaph, em marcha lenta. Acredita-se que ao longo de todo o caminho haja cerca de um milhão de pessoas a assistir. Chegados ao local de destino, ler-se-ão os salmos enquanto o caixão será envolto num pano roxo. Por esta altura, Carlos já estará de regresso da sua visita pelo país.
E é aqui que a multidão entra nesta história: os soldados ficarão de guarda e as portas vão ser abertas durante 23 horas para que as pessoas, que entretanto se juntaram lá fora, possam estar mais próximas da Rainha. Quando o mesmo aconteceu com George VI, 305 mil pessoas rumaram àquele local para lhe prestarem uma última homenagem. No caso da Rainha, a fasquia eleva-se: são esperadas meio milhão de pessoas. Junto ao caixão vão estar sempre quatro guardas — que tanto podem ser da Força Aérea Real (RAF), do Exército, da Marinha Real ou dos Beefeaters (guardiões da Torre de Londres) — numa vigília silenciosa, que trocam de turno com outros colegas ao fim de 20 minutos.
Como vai ser o dia do funeral?
Tudo foi planeado até ao mais ínfimo pormenor, mas nos nove dias que antecedem o dia do funeral da Rainha Isabel II vão ainda ser dados os retoques finais para que a cerimónia decorra sem problemas. O jornal britânico recorda que em 1817, no funeral da Princesa Charlotte, os agentes funerários estavam bêbedos e, dez anos mais tarde, no dia do enterro do Duque de York, a Capela de St. George estava tão fria que o secretário das Relações Exteriores contraiu febre reumática e o bispo de Londres morreu.
Antes do amanhecer do “D+9”, as joias — que foram colocadas no caixão — serão retiradas e limpas. Nesse dia, a maior parte dos cidadãos não vai trabalhar, as lojas vão estar fechadas e o mercado de ações não vai sequer abrir, tal é a importância do acontecimento. Ao décimo dia, vai então soar o Big Ben. Às 9h da manhã, o sino vai tocar. Em seguida, o martelo do sino será coberto por uma capa de cabedal, de forma a que se oiçam apenas sons abafados: é o sinal de que se está prestes a dar início a um longo dia de cerimónias. Este vai ser o primeiro funeral, desde 1760, que vai decorrer na abadia de Westminster, que se localiza apenas a umas centenas de metros do Westminster Hall (onde está instalado o sino).
É quando o caixão da Rainha chegar perto das portas da abadia, cerca das 11h, que o país vai parar e ficar em silêncio (o jornal britânico escreve mesmo que “os autocarros vão parar e os motoristas vão sair para a rua, nas estações de comboios não haverá sequer anúncios de partidas e chegadas” e relembra que, em 1952, em homenagem a George VI, todos os passageiros de um voo entre Londres e Nova Iorque se levantaram dos seus lugares, sob os céus do Canadá, e inclinaram a cabeça). Dentro da abadia, onde estarão cerca de dois mil convidados, o arcebispo vai falar e, durante as orações, os meios de comunicação não vão poder mostrar os rostos dos membros da família real. Quando o caixão for levantado novamente, os elementos da Marinha real britânica, que o vão transportar, vão colocá-lo na carruagem que transportou os anteriores Reis, mas sem cavalos — uma tradição que acabou no funeral da Rainha Vitória, em 1901, quando os animais pararam abruptamente e tiveram de ser os marinheiros ingleses a transportar o caixão. Desta vez, serão novamente 138 jovens da Marinha real britânica a escoltá-lo.
A procissão segue então pelas ruas, perante multidões que pretendem dizer um último adeus a Isabel II, até ao Castelo de Windsor — onde estão sepultados outros membros da família real britânica –, onde os familiares da Rainha já estarão à sua espera. Assim que o carro fúnebre entrar na área do castelo, os portões vão fechar-se e o dia “D+9” deixará de ser transmitido pelas inúmeras câmaras espelhadas pela cidade. No interior da capela, o caixão vai descer para a câmara da sepultura e é nessa altura que o então Rei Carlos dará o seu último adeus, atirando para lá terra vermelha.
Como vão ser avisados os meios de comunicação social?
Durante muitos anos, a BBC era informada em primeira mão das mortes dos membros da realeza, “mas o seu monopólio já passou”, lê-se no Guardian. O anúncio foi feito à Press Association e os restantes órgãos de comunicação social foram avisados de uma só vez, ao mesmo tempo que um funcionário do Palácio de Buckingham, vestido de preto, colocou um aviso no portão. Os filmes e documentários sobre a Rainha vão para o ar, bem como as notícias e obituários feitos previamente.
A BBC — no seu conjunto de canais — tem programação pronta a ser exibida “a qualquer momento” e deverá suspender a maioria dos programas de comédia até depois do enterro da monarca. O Times tem 11 dias de cobertura prontos e, no jornal The Guardian o editor tem uma série de histórias preparadas para este acontecimento. De acordo com a “London Bridge”, os apresentadores dos noticiários vão vestir roupas pretas e a programação será suspensa, já que todas as emissoras vão cobrir o acontecimento.
Os desafios que a família real enfrenta depois
A morte da Rainha acontece num momento de máxima inquietação face ao lugar que a Grã-Bretanha ocupa no mundo — com a questão da saída do Reino Unido da União Europeia (Brexit) –, mas é também com este acontecimento que surgem algumas questões controversas, para além do luto que cada membro terá de fazer. O facto de a nação ficar entregue ao príncipe Carlos, que tem já 73 anos, é uma delas, bem como a ascensão da sua esposa, Camilla, a Rainha. Quando casaram em 2005, ficou oficialmente conhecida como princesa consorte, mas a verdade é que, assim que Carlos ascender ao trono, e perante a lei, Camilla tornar-se-á Rainha (tal como qualquer esposa de qualquer rei). “Ela é Rainha, qualquer que seja o nome que lhe seja dado“, disse um investigador. Porém: “Se ela é chamada princesa consorte, há a implicação de que ela não está bem à altura disso. É um problema.” A confirmação do seu título será feita nas primeiras 24 horas.
O futuro da Commonwealth é também uma das grandes preocupações, já que a sua existência surge em grande parte devido a Isabel II, chefe da organização, e será agora confiada a outra pessoa. O título da Rainha de “Chefe da Commonwealth” não é hereditário, porém, em abril, a monarca pediu que fosse Carlos a suceder ao seu cargo. Os dirigentes da organização decidiram então aceder ao pedido da governante, pelo que o príncipe de Gales vai assumir a liderança. Na altura, e diante de 46 líderes dos 53 países que integram a organização, a monarca disse esperar que a instituição continue a proporcionar “estabilidade” às gerações futuras e que isso é um dos seus mais “sinceros desejos”.
A publicação refere que a resposta do país ao falecimento da monarca, de 96 anos, será “monumental” em comparação ao da princesa Diana, que morreu num acidente de automóvel em 1997, em Paris, e que pode não ser tão emocional, mas o seu alcance será muito maior e as suas implicações mais dramáticas.