Era o verdadeiro confronto pelo Futebol Total. De um lado, o Manchester City de Pep Guardiola, o fiel herdeiro dos ensinamentos de Johan Cruyff. Do outro, o Manchester United de Erik ten Hag, um neerlandês em toda a dimensão da palavra que nas últimas épocas recuperou a identidade do Ajax. Este domingo, no Etihad, Manchester assistia a mais um dérbi entre as duas principais equipas da cidade — mas com um toque laranja lá pelo meio. 

O Manchester City chegava à partida com mais cinco pontos do que o Manchester United e com a noção de que uma eventual derrota contra o eterno rival significava ficar a quatro pontos do líder Arsenal, que este sábado venceu o respetivo dérbi contra o Tottenham. Proveniente de três vitórias consecutivas antes da paragem para os compromissos das seleções, a equipa de Guardiola sabia que a exigência teria de estar ao mais alto nível para que o encontro não terminasse em desilusão.

“Temos de fazer um jogo perfeito ou eles vão castigar-nos nos espaços pequenos. Não podemos ser preguiçosos. O que precisamos de expressar são emoções e o jogo vai dar-nos isso. As decisões são tomadas antes de agir, temos de estar calmos e tomar as decisões certas. Quando estamos ansiosos, é difícil tomar as decisões certas. Nestes jogos não temos de fazer um esforço emocional extra porque é o que é, o estádio vai estar cheio e vamos fazer aquilo que pudermos. Esta é a nossa oportunidade de expressar as capacidades que temos em frente a milhões de pessoas e a melhor maneira de o fazermos é sermos nós mesmos. Quando estás no topo, tens mais rivais. Quando estás no meio, tens poucos rivais. Os grandes rivais tornam-te melhor”, explicou o treinador espanhol.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Do outro lado, mesmo com menos cinco pontos do que o Manchester City e com Chelsea, Brighton e Tottenham pelo meio, o Manchester United surgia no Etihad num bom momento. Antes da interrupção para as seleções, tinha carimbado quatro vitórias seguidas na Premier League — incluindo frente ao Liverpool, ao Leicester e ao Arsenal — e derrotado o Sheriff na Liga Europa depois de um arranque em falso contra a Real Sociedad. Apesar do início de época atribulado, a verdade é que o conjunto de Ten Hag já tinha demonstrado que sabia superar-se contra os principais adversários e procurava fazê-lo novamente num dos jogos mais importantes da temporada.

“Estou muito ansioso. É outro teste, é bom competir com a melhor equipa da liga neste momento e estamos muito ansiosos porque estamos na direção certa, temos essa crença. Gostamos muito de jogos como o de domingo, dão-nos muita energia e queremos desafiá-los. Haaland? Eles têm vários jogadores bons, não é só um. Temos de fazer as coisas da maneira certa, temos de jogar como uma equipa. Temos de ter posse, é muito importante ser corajoso contra eles e acertar nas posições. Queremos ter a organização certa, a intensidade certa”, atirou o técnico neerlandês.

Ora, neste contexto, Guardiola surpreendia e deixava Rúben Dias no banco, apostando em Akanji e Aké enquanto dupla no eixo defensivo. No meio-campo, Gündoğan era titular face à lesão de Rodri, com João Cancelo e Bernardo a surgirem também num onze inicial que tinha Grealish e Foden no apoio a Haaland. Ten Hag deixava Cristiano Ronaldo no banco, sem surpresas, e mantinha a titularidade de Diogo Dalot e Bruno Fernandes com Sancho e Antony a juntarem-se ao português na retaguarda de Rashford.

A primeira parte teve um único nome: Manchester City. Haaland e Bernardo tiveram a primeira oportunidade do jogo logo nos instantes iniciais, com De Gea a evitar o golo (3′), e o mote estava lançado. A equipa de Guardiola abriu o marcador ainda dentro dos primeiros 10 minutos, com Foden a responder da melhor forma a uma assistência de Bernardo vinda da esquerda (8′), e o Manchester United teve pouca ou nenhuma capacidade para reagir. Gündoğan acertou no poste de livre direto (18′) e deixou claro que o pior, pelo menos para o conjunto de Ten Hag, ainda estava por vir.

Haaland aumentou a vantagem já depois da meia-hora, respondendo de cabeça a um pontapé de canto na esquerda (34′) — num lance em que Malacia ainda pareceu evitar o golo mas a bola atravessou mesmo a linha na totalidade –, e bisou logo de cabeça com um dos habituais movimentos acrobáticos para chegar a um cruzamento de De Bruyne após uma arrancada de Bernardo (37′). Antes do intervalo, Foden ainda teve tempo para bisar também, ao encostar após assistência do inevitável Haaland (44′), e o Manchester City foi para os balneários a golear o Manchester United.

Já depois de ter sido forçado a tirar Varane durante a primeira parte devido a lesão, Erik ten Hag voltou a mexer ao intervalo e trocou Malacia por Luke Shaw. O Manchester United regressou melhor, beneficiando também de uma clara gestão de esforço por parte do City e reduziu a desvantagem ainda nos minutos iniciais por intermédio de Antony. O brasileiro recebeu na direita, puxou para dentro e atirou um pontapé perfeito para bater Ederson (56′), deixando o Etihad em silêncio pela primeira vez desde o apito inicial.

Já perto da hora de jogo, Casemiro e Martial entraram para os lugares de McTominay e Rashford e foram mais do que a tempo de ver Haaland inscrever pela primeira vez o próprio nome na história dos dérbis de Manchester. Mais uma bela jogada de envolvimento ofensivo por parte dos citizens, De Bruyne abriu em Gómez na esquerda e o espanhol cruzou para a grande área, onde o avançado atirou de primeira para carimbar o hat-trick. A pouco menos de 20 minutos do fim, o escândalo adensou-se: Haaland recebeu de Grealish de costas para a baliza e fez mais uma assistência para Foden, que se juntou ao norueguês e também completou um hat-trick (72′).

Depois do sexto golo do Manchester City, Guardiola motivou a revolução e tirou Foden, De Bruyne, Grealish e Gündoğan para lançar Mahrez, Álvarez, Palmer e Laporte, sendo que Ten Hag trocou Sancho por Fred. Martial ainda fez dois golos já perto do fim, um numa recarga (84′) e outro de penálti (90+1′), mas já pouco aconteceu — e nem sequer chegou a entrar Cristiano Ronaldo. O City vulgarizou por completo o United (6-3), vincando de forma óbvia a distância e a diferença entre as duas equipas, e deu espaço para Haaland se afirmar como o novo dono da cidade de Manchester com três golos e duas assistências no seu primeiro dérbi.