A atualização dos escalões do IRS em 5,1% no próximo ano, sinalizada pelo Governo na proposta de acordo de rendimentos entregue aos parceiros sociais, assegura a neutralidade fiscal no cenário em que os aumentos salariais serão até à mesma percentagem.
No entanto, alerta a Deloitte numa simulação feita para o Observador, para garantir mesmo que os impostos não comem uma fatia dos aumentos salariais previstos, face à escalada da inflação, não basta mexer nos escalões. É preciso atualizar o limite das deduções fiscais na mesma ordem de grandeza, assinala ao Observador o fiscalista Ricardo Reis.
Sem uma atualização equivalente em dimensão da dedução específica ao rendimento do trabalho e das deduções à coleta do IRS, o limite de despesas que pode ser deduzido para baixar o imposto não permite que o valor dos gastos a deduzir cresça em proporção com o salário bruto. O que pode vir a resultar num aumento da carga fiscal.
Ricardo Reis refere ainda a possibilidade, teórica para já, de os contribuintes puderem vir a deduzir novas despesas no IRS, como o caso de uma parte dos juros da prestação da habitação. A solução já existiu no passado e tem sido admitida como uma das medidas que pode ser introduzida para aliviar o esforço financeiro das famílias com a subida das taxas de juro. Mas se o limite geral de deduções ao IRS não for também revisto para acomodar mais essa despesa, então o efeito nos rendimentos pode não ser positivo.
As simulações feitas pela consultora a pedido do Observador mostram ainda que atualização de escalões seria necessária, caso o Governo decidisse usar o IRS para fazer política salarial ou de rendimentos, nomeadamente no setor privado.
O aumento salarial previsto pelo Executivo para 2023 vai até aos 5,1%, mas esta atualização fica aquém da inflação prevista para este ano, o que implicará perda de rendimentos face ao aumento de preços verificado em 2022. Se os aumentos salariais não fossem suficientes para cobrir a perda de poder de compra, como antecipa o pressuposto do Governo, a revisão dos escalões poderia ajudar a acomodar esse impacto ao libertar mais rendimento do pagamento de IRS.
A Deloitte fez as contas a uma inflação de 7,2% no final deste ano e conclui que, para cobrir a diferença face aos 5,1% de aumento salarial, os escalões teriam de ser aumentados na casa dos 18%.
“Assumindo uma inflação esperada para 2022 na vizinhança dos 7,2% e um aumento da remuneração bruta de 5,1%, a taxa de atualização dos escalões de taxa do IRS que permitiria um aumento da remuneração líquida aproximada ao aumentos dos preços situar-se-ia na vizinhança de 18%”.
As simulações da consultora foram realizadas para um contribuinte solteiro, sem dependentes, com remuneração exclusiva proveniente do trabalho e totalmente sujeita a contribuições para a segurança social de acordo com o regime geral. Não foram consideradas outras deduções à coleta para além da dedução “por sujeito passivo” (250 euros em 2022). Para além da atualização dos escalões de taxa do IRS, foi efetuada a atualização da dedução específica ao rendimento do trabalho e da dedução à coleta por sujeito
passivo, à mesma taxa de atualização.
As contas consideram que o mínimo de existência terá o mesmo acréscimo de 200 euros verificado em 2022 e uma atualização do salário mínimo para 760 euros, de acordo com a proposta apresentada pelo Governo para o próximo ano.
Os diferentes cenários de valores de rendimentos correspondem a uma estimativa da remuneração que posiciona o individual na vizinhança do topo de cada escalão do IRS com referência a 2022 (total de 11 escalões com inclusão da taxa adicional de solidariedade).