A Renault, decidida a que os veículos eléctricos são o futuro, sejam eles alimentados por baterias ou por células de combustível a hidrogénio, está na disposição de vender a maioria do capital da sua recém-criada divisão de motores a gasolina e a gasóleo aos chineses da Geely e aos sauditas da Aramco. Os franceses mantêm 40% do negócio, com os chineses a passarem a controlar outro tanto, ficando a petrolífera árabe com os restantes 20%. Mas agora a Nissan, parceira dos franceses na Aliança a quem foi proposto o mesmo negócio e recusou, vem a público contestar a venda, por não querer que a tecnologia, que afirma ser também sua, vá parar às mãos dos chineses.

A divisão de motores de combustão da Renault, denominada “Cheval” (por oposição à especializada em sistemas eléctricos, por isso mesmo apelidada Ampère) é constituída como uma empresa autónoma, mas integrada no grupo, empregando mais de 10.000 funcionários, tantos quantos os empregados da Ampère. A Cheval possui fábricas na América Latina e na Europa, nomeadamente em Espanha, Roménia e Turquia, além das instalações portuguesas da Renault em Cacia, dedicada sobretudo à fabricação de peças para motores de combustão e caixas de velocidade.

Chineses da Geely e Aramco querem a maioria do negócio de combustão da Renault

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Mas assim que a Renault anunciou a intenção de vender 40% da Cheval à Geely, logo a Nissan, parceira dos franceses na Aliança Renault-Nissan-Mitsubishi, se opôs ao negócio. Alegam os japoneses que os motores possuem tecnologias que também lhes pertence, uma vez que as desenvolveram em colaboração com os franceses e não gostariam de as ver nas mãos dos chineses da Geely Automobile. Contudo, a Nissan não especificou a que tecnologias se refere.

Alguns analistas pensam que a questão da tecnologia é apenas a mais recente desculpa para a Nissan se tentar livrar do controlo da Renault, um pouco à semelhança do que aconteceu com a prisão de Carlos Ghosn, o então chairman da Nissan e do Grupo Renault (que inclui a Alpine, a Dacia e a Samsung Motors). A prova disso foi que, logo após esta crítica à anunciada venda à Geely, a Nissan voltou a abordar a Renault no sentido desta afrouxar o controlo sobre a marca japonesa, que sob a direcção de Ghosn foi salva da falência em 1999 de forma tão surpreendente que levou o então CEO da marca nipónica a ser integrado na cultura popular japonesa, surgindo em diversas bandas desenhadas. Em 2018, Ghosn viria a ser acusado e preso por alegadamente ter recebido pagamentos não declarados – o que se veio depois a apurar que era prática comum para os quadros de topo, uma vez que até o seu sucessor, o CEO Hiroto Saikawa, usufruía das mesmas benesses –, para depois fugir do país de forma polémica.

Renault e Geely formam parceria para híbridos plug-in

Propõe a Nissan que a Renault abra mão dos 43,4% que detém na marca japonesa, o que lhe dá o controlo, enquanto os japoneses possuem apenas 15% da Renault e sem direito a voto, o que deixa a Nissan numa posição mais fragilizada, o que é normal uma vez que foi salva pelo investimento de 5000 milhões de euros franceses. E toda esta confusão não teria lugar não fora uma proposta de Macron em 2015, quando era ministro da Economia, ter fragilizado o controlo da Renault (que também tem o Estado como pequeno accionista, com 15%) sobre a Nissan (veja aqui a história contada pela Reuters).

Se agora está em causa a venda à Geely de 40% da divisão dos motores de combustão, esta não é a primeira vez que estes franceses e chineses fazem negócios. Em Maio, a Renault vendeu 34% da sul-coreana Samsung Motores à Geely de Li Shufu, que é o maior acionista da Mercedes, detendo ainda uma elevada percentagem da Aston Martin, além de ser dona da Volvo, Polestar, Lotus, Lynk&Co, Smart (50%) e a London EV Company, a empresa que produz os táxis britânicos. Está igualmente em discussão a Geely passar a conceber e produzir carros eléctricos para a Renault na China, destinados ao mercado local.