Há sete anos, António Costa tomava posse pela primeira vez como primeiro-ministro num Governo apoiado pela esquerda no Parlamento que foi revalidado em 2019, caiu em 2021 e em 2022 o PS garantiu o poder sem essas amarras. Governa em maioria absoluta há oito meses, mas o líder do partido apareceu esta sexta-feira, em cima de um palco redondo e vermelho e com o PS reunido (incluindo o ex-ministro Eduardo Cabrita), para marcar os sete anos e as “marcas duradouras e estruturais” da sua governação. Foi o polícia bom do PS. Para Carlos César ficou a outra parte.

À distância e através de uma mensagem em vídeo, Carlos César avisou o partido que tem de “fazer mais” e ter “maior rigor nas condutas”. “Exigem-se, por isso, um mais apurado sentido de orientação e, simultaneamente, o maior entusiasmo e o maior rigor nas condutas e na concretização das tarefas que nos cabem na ação governativa”. Isto numa altura em que se multiplicam casos de justiça no partido, a envolver autarcas e até governantes (houve uma baixa recente e de peso, mesmo dentro do gabinete do primeiro-ministro). De Costa não se ouviu uma referência a nada disto, só uma mais genérica ao respeito que o PS tem pelos órgãos de soberania, entre os quais “o poder judicial”.

Na intervenção de César seguiram-se vários exemplos, para mostrar que, sim, “juntos” têm “conseguido”: “Mas temos de fazer mais”. E foi por aí fora, moderando a dose em cada um dos pontos onde de seguida, no palco montado na Estação Fluvial Sul e Sueste de Lisboa, António Costa havia de apontar o copo meio cheio.

Nessa metade generosa do copo, Costa colocou o registo do desemprego, logo à cabeça, e a queda da taxa de 12,4% em 2015 para 5,8% este ano. Comparou a saída do período de assistência financeira, ou seja, o fim de uma crise, com os primeiros tempos de uma crise. Depois falou nos rendimentos, destacou os aumentos do salário mínimo nacional, que, até ao final da legislatura, aumentará ao todo 78% (entre 2015 e 2026), segundo as contas que apresentou. E ainda o aumento das pensões, para dizer que a aplicação da fórmula de atualização automática (à inflação) nestes sete anos resultou num salto de 6% nas pensões — já os aumentos extraordinários (que garantiam um aumento das pensões mais baixas em pelo menos 10 euros), Costa diz que significou uma subida de 14%.

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Sobre estes mesmos dois pontos (emprego e rendimentos), César colocou o freio no excesso de ânimos. Por um lado, disse que o PS conseguiu “crescimentos históricos sucessivos no salário mínimo nacional” e “aumentos impressivos na quantidade e qualidade do emprego”, mas, por outro, lembrou que “importa ir mais além, convergindo com as médias europeias no peso da massa salarial face ao PIB”, exemplificou. E “continuando a assegurar, de forma concomitante, a sustentabilidade da segurança social e o aumento das pensões e das prestações sociais mais relevantes para a proteção das famílias”.

As pensões é um dos temas mais tenso do momento, com o Governo a ser atacado por não ter atualizado o valor das pensões em 2023 à inflação. Esta noite, Costa sublinhou antes a norma orçamental (fruto de uma alteração do PS) que permite a atualização à inflação real de 2022 e, neste capítulo, ainda referiu a norma no OE para o próximo ano que garante uma atualização ao valor real da inflação (e não ao que foi previsto para o final do ano em outubro, altura em que as medidas para as pensões foram anunciadas).

Em terceiro lugar, António Costa colocou as “contas certas”, um lema que adotou e que tem usado sobretudo neste Orçamento para justificar as cautelas nos aumentos salariais e nos apoios sociais. Aqui, o indicador que o PS mais tem referido é o da redução da dívida pública e Costa não faz diferente: compara os 131% (do PIB) de dívida em 2015 com os atuais 111%. A linha foi, disse antes do líder o presidente do partido, “condição indispensável para que Portugal saísse do procedimento por défice excessivo”, “todavia, temos de ser capazes de prosseguir esse caminho, associando-o ao provimento das carências sociais e infraestruturais que o país ainda detém, e, por exemplo, ao apoio que tantas pessoas hoje carecem com o surto inflacionário ou os encargos acrescidos dos créditos à habitação”.

Na relação externa, Carlos César ainda avisou que é importante “defender os interesses nos planos europeu e internacional, mas, na turbulência e cruzamento de interesses que vivemos, que prenuncia um novo ciclo, essa é uma tarefa crescentemente exigente e insuscetível de ser negligenciada”.

Em matéria de qualificações, António Costa repetiu uma das bandeiras que o PS mais tem hasteado nesta matéria, o abandono escolar que passou de 13,7% para 5,9%. Mas soma ainda o número de alunos inscritos no Ensino Superior que passou de cerca de 348 mil para 433 mil. Já Carlos César reconheceu estas conquistas, bem como o aumento da “frequência no ensino superior”, mas também aqui deixou um alerta: “Resta um importante percurso a fazer na qualificação dos jovens, dos trabalhadores e até dos gestores portugueses”.

Depois, Costa seguiu para o SNS, onde falou no aumento de “56% da dotação orçamental anual o SNS” em sete anos, mas também nos “mais 20%” de profissionais e no aumento de 3,8 milhões de consultas. Antes dele, Carlos César tinha já avisado que o Governo tinha conseguido “responder à pandemia com um SNS à altura do desafio, mas [importava], sem dúvida, melhorar o seu desempenho em geral na ótica da prestação de cuidados e da sua melhor administração”.

E mesmo no combate às alterações climáticas, Costa destacou os 4,5 mil milhões investidos em transportes públicos e na ferrovia, os 59% de energia produzida a partir de renováveis e a identificação de 58% do território que estava por cadastrar (a identificação das terras sem dono foi um dos objetivos que o PS traçou depois dos incêndios de 2017). Já César falou na necessidade de continuar a “aproximação” na convergência à média europeia, fazendo um caminho de apoio a “investidores privados”, “promovendo a modernização, a transição energética e a digital em geral, bem como a produtividade nas empresas e na administração pública”.

A última e sétima marca referida por Costa foi a reforma do Estado, apontando a redução de “603.433 pendências das ações executivas cíveis nos tribunais judiciais de 1ª instância” e o aumento do investimento em forças segurança, que diz ter saltado de 61 milhões para 340 milhões de euros.

Em poucos meses o líder foi forçado a substituir a ministra da Saúde e também um recém nomeado secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro por questões judicias (que ainda não substituiu), já para não falar da desautorização de Pedro Nuno Santos. E é neste cenário de fragilidade que António Costa veio tentar não só fazer prova de vida como acalmar as hostes — mais impacientes face à incapacidade do Governo em ocupar o espaço mediático e mostrar reformas –, com a divulgação de “sete marcas da sua governação”.

PS nervoso com incapacidade do Governo de marcar agenda e quer perfil transparente na coordenação

Costa quer o PS como “partido da concórdia”

Nesta sessão comemorativa socialista também houve espaço para atirar à oposição, embora não tanto pela voz do secretário-geral, que preferiu ir pelo lado do diálogo com os novos parceiros parlamentares, Livre e PAN. Elogiou-os e disse mesmo que “os partidos não se medem pelo número de deputados, mas pela capacidade de diálogo”.

Para a restante oposição, atirou uma única bala, ao dizer que o PS — apelidado de “rolo compressor” na votação do Orçamento na especialidade, por não aprovar proposta da oposição — “aprovou mais propostas do que a anterior maioria em quatro anos”. Mas além desse diálogo parlamentar, Costa quis também sublinhar a necessidade de “aprofundar o diálogo social”, recuperando uma máxima soarista que colocava o PS como “o partido da concórdia nacional”.

E avisou que os quatro anos que vêm pela frente “vão ser duros e muito exigentes, onde ano após ano” o PS tem de “prestar contas, porque os portugueses não passaram um cheque em branco” ao partido.

Os tiros mais certeiros à oposição vieram do primeiro discurso da noite, o de Duarte Cordeiro. Hoje ministro e há um ano diretor de campanha nas legislativas da maioria, o socialista atirou à direita e aos “casos que aponta” para “evitar discussões profundas sobre alternativas e ideias”. “Por mais que nos tentem distrair ou provocar, toda a nossa energia e atenção está em melhorar a vida dos portugueses todos os dias”, rematou.

Artigo corrigido: sobre o salário mínimo, o líder do PS disse que aumentará 78%, entre 2015 e 2026, e não entre 2015 e 2022.