Após anos de especulação e debate, a lei que proíbe o sexo fora do casamento na Indonésia tornou-se uma realidade e está a preocupar o setor do turismo. É que de acordo com o documento aprovado na terça-feira, as relações sexuais extra matrimónio passam a ser puníveis com um ano de prisão; a coabitação acarreta uma pena de seis meses. E isto é válido tanto para nacionais como para turistas.

Indonésia aprova lei que pune com pena de prisão sexo fora do casamento

A lei em questão prevê que os casos de sexo fora do casamento só possam ser denunciados por pessoas com ligação direta aos infratores, como pais, filhos ou irmãos. E esse tem sido um dos argumentos usados pelo governo para tentar acalmar os alarmes que rapidamente soaram naquela que é uma indústria fundamental para a economia indonésia.

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Um porta-voz do Ministério da Justiça afirmou ao site australiano WAToday.com que as alterações pretendem apenas alcançar um equilíbrio entre “o respeito pela instituição do casamento e a privacidade de cada um”.

“O direito à privacidade [conjugal] não pode ser infringido por uma terceira parte que não esteja relacionada”. Por outras palavras, as restrições sobre quem pode, efetivamente, denunciar casos de sexo fora do casamento, fará com que os delatores sejam, na maioria dos casos, cidadãos indonésios, o que, na prática, faz com que seja impossível denunciar casais estrangeiros. “Significa que [turistas] australianos não têm com que se preocupar”, garantiu.

Mas nem por isso os visitantes poderão estar completamente descansados. Andreas Harsono, investigador sénior da Human Rights Watch propõe à BBC o seguinte cenário: “Digamos que um turista (…) tem um namorado ou namorada local. Aí, os pais desse ou dessa pessoa indonésia, ou um irmão ou irmã, denunciam o turista às autoridades. Vai ser um problema”, sublinhou.

As explicações do governo da Indonésia também não têm feito muito para amenizar as preocupações de trabalhadores do turismo, um dos mais importantes polos económicos da economia local. “Estou muito, muito preocupado, dependo completamente do turismo”, disse à BBC Yoman, guia turística da ilha de Bali, um dos principais destinos turísticos num país que, ao longo dos anos, tem sido fustigado por uma série de desafios. “A guerra do Golfo, os bombardeamentos em Bali, erupções vulcânicas no Monte Semeru e no Monte Rinjani e, depois, a Covid-19. O turismo em Bali é facilmente afetado”, explicou.

A pandemia, em particular, tem afetado a recuperação do setor. Em 2021, cerca de 1.56 milhões de turistas visitaram a Indonésia, uma quebra de mais de 90% face a 2019. O governo local tem tentado reavivar a indústria com iniciativas que visem atrair cidadãos estrangeiros a visitar o país — a mais recente aconteceu há poucas semanas, com a aprovação de uma nova opção de visto de residência que permitirá a estrangeiros viver na Indonésia durante 10 anos.

As medidas têm surtido algum efeito, mas a recuperação é gradual, e profissionais do setor, como Yoman, veem nas novas leis uma ameaça a esse progresso, cujo impacto pode ser “muito severo”.

Putu Winastra, presidente da Associação de Agências de Viagem da Indonésia (ASITA) na ilha de Bali, disse à CNN estar convicto de que as alterações ao código penal “farão estrangeiros pensar duas vezes” sobre visitar o país. “Do nosso ponto de vista, como representantes do setor do turismo, esta lei traz sérios problemas”.

Winastra manifestou também preocupação sobre de que forma uma lei desta natureza poderá sequer ser fiscalizada. “Devemos perguntar a casais estrangeiros se são marido e mulher? Os turistas vão agora ter de provar que são casados?“, questionou.

Com efeito, na sequência da aprovação da lei, várias pessoas manifestaram a sua preocupação nas redes sociais. Em páginas de Facebook dedicadas ao turismo na Indonésia, utilizadores tentaram obter esclarecimentos sobre de que forma as novas regras os poderão afetar. Alguns afirmaram que começarão a viajar com os certificados de casamento, ao passo que outros declararam que vão simplesmente viajar para outro país se as leis de coabitação significarem que não podem partilhar um quarto de hotel com os seus parceiros.

São preocupações que refletem as de Winastra, que vê a legislação como “contraproducente” ao objetivo de atrair mais turistas até à Indonésia. “Se estas leis forem mesmo implementadas mas tarde, os turistas podem ser sujeitos a pena de prisão, o que irá concerteza afetar o setor”, concluiu.