O Ministério Público do Funchal já mandou a GNR de São Martinho do Porto notificar o antigo padre José Anastácio Alves da acusação de cinco crimes de abuso sexual de uma criança. Anastácio Alves tentou ser formalmente constituído arguido na Procuradoria-Geral da República, há cerca de uma semana, mas como tal lhe foi negado a sua defesa indicou uma morada em Portugal continental na última terça-feira.

Ao que o Observador apurou, o advogado Miguel Santos Pereira enviou uma procuração e um requerimento para o processo, que corre no Tribunal do Funchal, a pedir que o antigo padre fosse notificado numa morada em São Martinho do Porto, onde aliás estava a viver quando decidiu entregar-se às autoridades em Lisboa, depois de estar há mais de quatro anos em lugar incerto.

O requerimento foi enviado na última terça-feira e o Ministério Público já deu ordem à GNR para constituir formalmente arguido o antigo padre e notificá-lo da acusação de que foi alvo há já quase um ano. Até aqui, Anastácio Alves era representado por uma advogada oficiosa que, no início do ano, desistiu da representação. Foi então nomeado outro advogado, mas, com a procuração de Miguel Santos Pereira, a procuradora do Ministério Público considerou ser este agora o seu representante legal.

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A última morada conhecida de Anastácio Alves era a da paróquia de Gentilly, uma comunidade portuguesa perto de Paris de onde Anastácio terá saído em outubro de 2018, quando soube que havia um inquérito contra ele a correr no Funchal por suspeitas de abuso sexual de uma criança, neta de uma amiga que visitava quando ia de férias ao Funchal. O padre já tinha sido alvo de dois processos crime semelhantes que tinham sido arquivados. No primeiro, em 2005, foi mudado de paróquia no Funchal e, no segundo, dois anos depois, foi mandado para a Suíça.

Mesmo com uma terceira queixa, a Igreja nunca fez qualquer queixa às autoridades policiais e só o afastou de funções neste terceiro processo. Ainda assim, o padre madeirense antecipou-se a uma possível decisão canónica de Roma e entregou uma carta à diocese do Funchal em 2019 a pedir para ser dispensado do sacerdócio. Por esta altura já ninguém sabia do seu paradeiro.

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Ainda assim, e sabendo que desde 2018 que Anastácio não vivia mais em Gentilly, o Ministério Público do Funchal decidiu enviar uma carta rogatória às autoridades francesas para fazer aquilo que agora a GNR de São Martinho deverá fazer: constituir o padre formalmente arguido, fazendo-o assinar um Termo de Identidade e Residência (a medida de coação mais leve), notificá-lo da acusação e fazê-lo concordar com um possível julgamento na sua ausência e apenas na presença do seu advogado. Nunca foram emitidos mandados de detenção nacionais ou internacionais em nome do antigo sacerdote, razão pela qual o pároco nunca poderia ser detido.

Sem resposta das autoridades francesas, e quase um ano volvido desde que foi produzido o despacho de acusação, o processo acabaria por sofrer um volte face com Anastácio Alves a apresentar-se na Procuradoria-Geral da República para cumprir as suas obrigações e assumir as suas “responsabilidades”, como disse ao Observador na única declaração que a defesa o deixou fazer. A aparição aconteceu três dias depois de a Comissão Independente criada pela Conferência Episcopal Portuguesa apresentar o seu relatório final sobre abusos sexuais na Igreja em Portugal nas últimas décadas.

O advogado Miguel Santos Pereira e o seu consultor forense, João Sousa — um antigo inspetor da PJ ligado ao caso da Rosa Grilo, que está a ser investigado por manipulação de provas e que já apresentou queixa contra a própria PJ a alegar que foram eles, investigadores, que as forjaram —, terão sido contactados pela família do antigo padre para este ato concreto: a entrega de Anastácio Alves à Justiça.

Esta entrega, porém, não dará lugar a uma detenção, uma vez que o Ministério Público nunca emitiu qualquer mandado de detenção nacional ou internacional, determinando apenas que, ao ser localizado, José Anastácio Alves fosse formalmente constituído arguido e que, consequentemente, lhe fosse aplicado o termo de identidade e residência, além de ser notificado do despacho de acusação de que foi alvo. A ideia era ter uma morada do arguido, desaparecido há quase cinco anos.