Violar em grupo, obrigar mulheres a permanecerem nuas ou eletrocutar os genitais dos homens são algumas das “armas” usadas pelos russos para aterrorizar a população ucraniana. Só esta semana, dois militares russos foram acusados do abuso sexual de uma menor de quatro anos, assim como da violação da mãe da menina, tudo enquanto o pai era obrigado a assistir.
“Vamos fazer dela uma mulher“, foi a frase utilizada por um dos soldados antes de abusar da criança. Mas não se trata de caso único: são vários os relatos de vítimas de crimes de guerra por parte dos soldados russos, tendo sido reportados casos de violação em regiões como Kiev, Chernihiv, Kharkiv, Donetsk e Kherson. Até agora, 171 vítimas aceitaram iniciar os procedimentos legais para tentar julgar os abusadores, embora os investigadores acreditem que o número é muito superior ao registado. Entre as 171 vítimas, estão 39 são homens e 13 são crianças, com a idade a variar entre os quatro e os 82 anos.
A condenação, contudo, é difícil – é a primeira vez que se tenta documentar, em tempo real, os crimes cometidos num país ainda em guerra. Os procuradores responsáveis pelos casos, assim como os investigadores e analistas militares, passam meses a reunir os detalhes de cada caso, tentando saber quem são os violadores através de pequenas informações como um primeiro nome, uma tatuagem específica ou uma descrição física.
Ucrânia acusa militares russos de abuso sexual de criança de quatro anos e de violação da mãe
“Os soldados tentam esconder a sua informação”, explicou ao The Telegraph Iryna Didenko, a procuradora principal de uma unidade responsável pela documentação de crimes de guerra. “Mas pedimos às pessoas para descreverem as suas características, os seus sotaques e os uniformes“. As informações recolhidas, como as insígnias dos soldados, são depois cruzadas com os dados recolhidos pelas agências de informação militar, nomeadamente quais as unidades e soldados russos que estiveram presentes na região onde o crime aconteceu. Em alguns casos, o ADN do agressor pode ter ficado acessível, seja na roupa das vítimas, numa lâmina ou num conjunto de lençóis.
Os procuradores e investigadores tentam depois recriar a ocupação do local pelos russsos através de entrevistas a testemunhos locais. O objetivo é encontrar pontos que liguem os casos aos abusadores, como uma testemunha que poderá ter visto a vítima ou um soldado a sair de um determinado edifício. Além disso, é utilizada informação recolhida com a ajuda da internet e através de imagens satélite. No entanto, câmaras de segurança são um dos principais alvos dos soldados russos quando ocupam uma localidade, pelo que gravações do que aconteceu ou dos movimentos das tropas russas são raras de obter.
A importância da acusação
A procuradora não tem dúvidas: estas violações não se tratam de atos isolados. “Existe um padrão. Nos primeiros dois dias os ocupantes estabelecem os locais onde vão residir, contam as pessoas existentes e apreendem-lhes os telemóveis. No terceiro dia, violam-nas“, acusou. “Temos provas de comandantes a ordenar as violações.”
Noutros casos, esclareceu Iryna Didenko, o padrão passa por mulheres que são forçadas a ter sexo para que lhes seja permitido passarem em postos de controlo, algumas das vezes em frente aos próprios filhos. Outras são despidas até ficarem nuas, com soldados russos a tiraram fotos dos seus corpos.
Apenas sete homens foram formalmente identificados e somente num dos casos o abusador foi considerado culpado in absentia. Em movimentações com os seus batalhões ou em segurança dentro de território russo, os violadores estão muitas vezes em parte incerta. Porém, as acusações por parte do Ministério Público da Ucrânia podem significar uma pequena sensação de segurança da vítima, uma vez que um abusador acusado não pode sair da Rússia sem ser detido.
De acordo com a procuradora, já foram reportados casos de nudez forçada, violações, tortura sexual e até casos de crianças forçadas a assistir às violações dos seus familiares ou a praticar sexo oral nos soldados russos. Algumas das mulheres ouviram a frase “diz olá ao teu marido por mim” enquanto eram violadas.
As marcas físicas e psicológicas de quem foi violado pelos soldados russos
Natalyia Potseluyeva, uma psicóloga que trabalha na região de Kiev com 17 vítimas de violência sexual, contou ao The Telegraph o modo como as agressões impactaram os seus pacientes — a vítima mais nova desta psicóloga tem cinco anos. Insónias, flashbacks, ataques de pânico e dificuldade em reverem-se nos seus próprios corpos são alguns dos sintomas de quem foi agredido sexualmente.
Trabalho com uma mãe e uma rapariga de 13 anos que foram violadas por três soldados, e uma menina de cinco anos que foi violada em frente ao seu pai”, explicou a psicóloga. “Eles [soldados russos] apontaram uma metralhadora à cabeça de um homem de 20 anos e forçaram-no a colocar-se de joelhos, depois violaram a noiva e a mãe dele.”
“Os soldados estavam bêbedos e estavam a sorrir”, acrescentou. “Um deles disse ao homem cuja mãe violaram: ‘olha o que é que a tua mãe está a fazer‘.”
Não são apenas as mulheres as vítimas de violação à mercê dos soldados russos. Segundo a psicóloga, num centro de tortura em Kherson, um homem de 24 anos foi espancado, torturado e violado. No caso dos homens, costumam ser ainda usados paus e tacos de madeira. “Um homem idoso não conseguiu sobreviver a estas torturas e cortou o próprio pescoço“, contou.
Em novembro, um outro homem de 56 anos esteve detido no centro de tortura de Kherson durante oito dias. “Enquanto me espancavam, um deles bateu-me nos genitais”, contou ao mesmo jornal. “Disse que me podiam matar mas que não lhes era permitido bater-me nos genitais. Sou um homem!” Os soldados decidiram então despir a vítima e eletrocutaram-lhe os genitais. “Fiquei inconsciente e urinei-me. Fizeram-no para me humilhar e mostrar que eu não era nada.”
Uma sobrevivente de um caso de violação, Marina — nome fictício da mulher de 47 anos — descreveu ao The Telegraph o dia em que foi violada por soldados russos. Em março do ano passado, ao fim de um mês a tentar viver em território ocupado, Marina foi mandada parar por três soldados, a apenas cinco portas da casa dos pais. Agarrada pelos cabelos, foi arrastada até uma casa vazia de um vizinho.
Forçaram-me a despir até ficar nua”, explicou. “Pedi-lhes que não me tocassem, mas eles disseram: ‘os vossos soldados ucranianos estão a matar-nos’. Estavam a disparar as suas armas a centímetros da minha cabeça, por isso não me conseguia mexer ou correr. Depois, violaram-me.”