A morte de Luís Silva aos 91 anos foi dada pelo Diário de Notícias, um dos jornais de que foi proprietário nos anos de 1990 do século XX. O empresário que era tratado por coronel, pela sua passagem como piloto da Força Aérea, terá sido um dos últimos investidores a ganhar dinheiro em Portugal com a exploração e venda de jornais, ao encaixar centenas de milhões de euros na alienação da Lusomundo à antiga Portugal Telecom. O negócio rendeu-lhe a entrada na lista dos mais ricos de Portugal onde chegou a ocupar o 10.º lugar (no ranking da revista Exame para 2012) e investimentos financeiros em algumas das maiores empresas portuguesas.

À data da venda, a Lusomundo era o maior grupo de imprensa em Portugal, dono dos diários Jornal de Notícias, Diário de Notícias, 24 Horas, várias revistas e da TSF e do principal grupo de distribuição e exibição de cinema que hoje está incorporado na Nos.

Luís Silva adquiriu os jornais JN e DN nas privatizações levadas a cabo pelo Governo de Cavaco Silva no início dos anos de 1990. Numa década de grande ebulição no mundo da imprensa e que viu nascer a televisão privada, o empresário fez parte do lote de investidores iniciais da SIC, como parceiro de Francisco Pinto Balsemão, mas saiu do projeto antes deste arrancar por divergências de estratégia. Nas suas memórias, o fundador da Impresa conta que pouco depois Luís Silva lhe passou à frente na tentativa de compra da TSF, então a rádio com mais receitas de publicidade. A aquisição foi intermediada pelo diretor e acionista da estação, Emídio Rangel, que pouco depois seria contratado por Balsemão como o primeiro diretor da SIC.

Conseguiu a rádio, mas falhou a televisão. Ainda chegou a aliar-se à Sonae para tentar controlar a TVI e foi durante este período que a estação de Queluz contratou José Eduardo Moniz à RTP, mas acabou por perder a estação para a Media Capital de Paes do Amaral.

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O negócio que juntou e afastou Luís Silva, Berardo, Jacques Rodrigues e Paulo Fernandes

Atraído pelo sucesso comercial e financeiro da SIC, a Lusomundo voltou a tentar e fez um acordo com Joe Berardo para comprar a participação que este tinha na Investec. O principal ativo da Investec era precisamente uma fatia de 25% na estação televisiva, para além de ser dona do jornal Record e da revista feminina Máxima. A Lusomundo fechou um preço para a compra de 40%, uma posição grande mas minoritária, de Berardo na empresa e fez um pacto com o segundo maior acionista para garantir a maioria, a Impala. A empresa de Jacques Rodrigues, que na semana passada foi detido por fraude, era dona de 10%, um posição que se tornou crucial para conseguir o controlo da Investec.

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A Lusomundo lançou uma oferta pública de aquisição para comprar as ações da Investec cotadas na bolsa. Só que antes da OPA chegar ao mercado, a Cofina meteu-se no meio e lança uma OPA concorrente. O empresário Paulo Fernandes estava a apostar forte no setor dos media e queria aumentar o seu portefólio, tendo-se aliado ao BPI. Seguem-se uma sucessão de ofertas concorrentes entre os dois interessados — inédita na bolsa portuguesa — e que vai elevando o preço do negócio. E esta valorização levou a Impala de Jacques Rodrigues a romper o acordo que tinha com Luís Silva e a juntar-se à Cofina que ganhou a batalha pela sociedade dona da SIC. A Lusomundo acabou por vender as ações ao concorrente.

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Apesar de serem as guerras nos media a darem mais visibilidade à Lusomundo, uma parte crescente das receitas do grupo vinha das salas de cinema onde o grupo ia ganhando músculo com a abertura dos sistemas multiplex (várias salas) e à custa do rival mais fraco, a Castelo Lopes. E é nos filmes que surge um novo negócio que alimenta as receitas da Lusomundo, a venda de pipocas.

Sem conseguir meter o pé na televisão — que estava a roubar receitas de publicidade aos jornais de papel em que a Lusomundo era forte — e com a chegada da internet que alimentou o apetite das empresas de telecomunicações por conteúdos, que estavam a investir a pensar nas telemóveis do futuro (que demoraram ainda uns anos a vingar), o empresário cede uma parte importante do seu grupo à Portugal Telecom. A aliança feita na viragem do milénio com a PT juntou os ativos da Lusomundo à televisão por cabo, então dominada pela TV Cabo num negócio de 180 milhões de euros em que Luís Silva deixou a ver navios o par EDP/BCP (que formou uma empresa de telecomunicações que pretendia ser concorrente da PT), apesar de ser acionista de referência do banco privado.

[Ouça aqui o primeiro episódio da série de podcast “O Sargento na Cela 7”.  A história de António Lobato, o português que mais tempo esteve preso na guerra em África.]

Esta opção pela PT surpreendeu o mercado, e Luís Silva, que como outros empresários portugueses dos media era pouco dado a falar com os mesmos, surge citado numa notícia do Público a explicar a “decisão pragmática” ao então todo poderoso presidente do BCP, Jardim Gonçalves.

O jackpot viria no final de 2000 quando a PT Multimédia faz um acordo com a Cinveste, a holding pessoal de Luís Silva, para comprar por 267 milhões de euros os 58% do capital da nova holding, passando a ser o único detentor da Lusomundo. Com esta venda, Luís Silva passa de empresário a investidor. E é nessa qualidade que surge no capital de grandes empresas, a começar pela qual lhe comprou o grupo, a PT, e a sua irmã mais nova a PT Multimédia, que ficou com a Lusomundo.

A Cinveste era acionista da PT Multimédia quando em 2004, e por pressão política após suspeitas de intervenção nos media, a PT a coloca à venda a Lusomundo Media. Foi uma operação disputada pela Cofina e pelo gigante espanhol Prisa, mas para surpresa de alguns foi parar à Controlinveste de Joaquim Oliveira. O empresário, que tinha lançado em parceria com a PT a bem sucedida Sport TV, pagou 300 milhões de euros em 2005, um preço que viria a revelar-se incomportável com a evolução do mercado dos media, em particular da imprensa.

Luís Silva continuou a investir em bolsa e em empresas boas pagadoras de dividendos, como a Brisa que alienou em 2008 e a Cimpor onde vendeu a participação em 2010 durante a disputa entre duas empresas brasileiras pelo controlo. A Cinveste chegou a ter mais de 5% da PT Multimédia, empresa da qual o filho do coronel foi administrador, mas acaba por vender em 2012 quando a empresa já se chamava Zon a Isabel dos Santos, e que hoje é parte da Nos. O empresário terá feito dinheiro nas três transações.

[Ouça aqui o segundo episódio da série em podcast “O Sargento na Cela 7”. Uma história de guerra, de amor e de uma operação secreta.]

É mais ou menos por essa altura que a família Bordalo da Silva (o coronel e a mulher) surgem na lista dos 10 mais ricos da revista Exame, com uma fortuna avaliada em mais de 500 milhões de euros. Com a saída do capital das empresas mais mediáticas, o nome de Luís Silva sai do top dos milionários. E deixou de apareceu nas notícias. Com 91 anos, Luís Silva morreu, no sábado, 25 de março.