Com o Programa de Estabilidade e o Programa Nacional de Reformas em debate do Parlamento, a bancada do Governo acabou preenchida pelos três ministros que centralizaram a polémica do parecer sobre o despedimento da presidente da comissão executiva da TAP, Christine Ourmières-Widener, e do presidente do conselho de administração da TAP, Manuel Beja. “Uma coincidência fantástica”, notou logo o PSD. A oportunidade não foi desperdiçada pela oposição, que se repetiu na pergunta aos governantes presentes: “Afinal, quem mentiu?”
A resposta foi dada por Fernando Medina — com Mariana Vieira da Silva e Ana Catarina Mendes sentadas ali ao lado — que começou por recorrer à indignação para defender o Governo: “Considero deplorável a adjetivação que ouvi nos últimos dias sobre o envio de documentos à comissão” de inquérito. De seguida, depois de ter dito que a ministra da Presidência “esclareceu tudo”, assumiu que nesta mesma quarta-feira seguiram para a comissão parlamentar de inquérito “todos os documentos, os que solicitou da primeira vez e os que não solicitou, que são a espinha dorsal da demissão dos administradores da TAP.”
“Enviamos a totalidade dos documentos para que possam avaliar e fazer mais uma tentativa de descobrirem mais uma falha na defesa do interesse público. Falharam da primeira vez e vão falhar na segunda“, desafiou o ministro das Finanças.
Mas nem por isso o capítulo estava fechado, com vários deputados, desde o BE ao PSD, a apontarem a fragilidade do Governo, nomeadamente do ministro Fernando Medina, neste momento, tentando com isso criar dúvidas sobre a credibilidade das previsões macroeconómicas que o responsável pelas Finanças ali defendia.
Os dois partidos recorreram precisamente a elementos que os representam na comissão de inquérito à TAP, Mariana Mortágua (BE) e Hugo Carneiro (PSD), para questionarem Medina na audição parlamentar — aliás, a deputada bloquista até teve de correr entre o plenário e a sala da comissão, onde decorria uma audição aos sindicatos da TAP, para conseguir estar nas duas frentes (o que levou Medina a esquivar-se num primeiro momento de resposta a Mortágua, levando a queixas de Catarina Martins que ouviu Santos Silva a argumentar que os deputados sabem dos calendários de audições e que o Bloco “tem três senhoras deputadas presentes que podiam ter feito a pergunta”). Tanto BE como PSD fizeram questão de perguntar sobre as versões diferentes sobre a existência de um parecer a sustentar as demissões na TAP.
Por outro lado, André Ventura usou deputados socialistas, como Sérgio Sousa Pinto e Alexandra Leitão, para atacar Medina, citando ambos quando assumem que houve contradição e falta de coesão e solidariedade no Governo. “É um deputado do seu Governo que o diz. Isto não é a República das bananas. Não é cada um diz o que quer. Mentir ao parlamento é uma coisa grave. E mentir quando são chamados a prestar esclarecimentos é uma coisa grave”, vincou o deputado do Chega.
Há duas semanas, as ministras da Presidência e dos Assuntos Parlamentares vieram recusar a divulgação de um parecer, alegando a falta de interesse público, que o ministro das Finanças disse, no dia seguinte, que nem sequer existia. Em causa está a possibilidade de o despedimento da CEO da TAP obrigar a uma elevada indemnização do Estado por irregularidades.
Na audição desta tarde, o ministro não explicou as contradições, fixando-se apenas no que enviou ao Parlamento — não detalhando o que está entre a documentação, nomeadamente o registo das comunicações com organismos do Estado que sustentaram a decisão sobre a saída de Christine Ourmières-Widener. Quando Medina a demitiu invocou justa causa, negando o direito a qualquer indemnização — o que está a ser contestado pela ex-CEO.
Santos Silva vs. Ventura. E o outro debate
O debate sobre o Programa de Estabilidade estava contaminado à partida, tendo em conta o trio sentado na bancada do Governo, mas houve ainda um elemento adicional a desviar o debate dos resultados que Medina queria sublinhar: a picardia que vai crescendo entre André Ventura e Augusto Santos Silva — intensificada pelo momento na sessão solene do 25 de Abril. Depois das queixas de várias bancadas sobre as não-respostas de Medina, Ventura pediu a palavra para comentar que Santos Silva costuma dizer-lhe que os ministros respondem ao que querem. O presidente da Assembleia da República cortou-lhe a palavra: “Ainda não nomeei porta-voz e não preciso.” A tensão entre os dois sente-se no ar e tinha acabado de conhecer mais um capítulo, na conferência de líderes.
O ministro das Finanças acabou por decidir responder ao que tinha deixado em branco, num debate onde apareceu apostado em repetir as medidas e previsões que apresentou há uma semana, quando divulgou o Programa de Estabilidade e o primeiro-ministro, no mesmo dia, anunciou novo aumento de pensões. Neste tema, atirou-se ao PCP (normalmente mais poupado pelos socialistas). Tinha ouvido Paula Santos perguntar-lhe sobre os aumentos aos pensionistas e ripostou: “Pode não ter gostado das respostas mas eu respondi: o Governo fez cumprimento escrupuloso da fórmula das pensões. Aliás, foi para lá do que é a fórmula”.
Os comunistas mantêm a pressão neste tema, alegando que o aumento a subida do valor das pensões “não compensa o aumento do preço dos bens alimentares, já que nesses produtos o aumento foi de 20% ou 30%.”
Também à esquerda, o Bloco atirou, pela voz de Mariana Mortágua, à meta do défice. Foi a pergunta de partida da deputada que confrontou Medina com o valor de 2022, 1,9%, e como era considerado “necessário e adequado” e que para este ano esse mesmo “necessário e adequado” é um défice de 0,4%. A “redução acelerada” foi também apontada por Duarte Alves, do PCP, e Medina garantiu que o Governo até optou pela “estabilização do défice orçamental” e que se mantivesse “a ambição do plano anterior, o país teria superavit de 0,6%” este ano.
Palavras que não convenciam a oposição que entrou neste debate como Mortágua descreveu: “Não vemos nenhuma razão para levar a sério qualquer conta que nos apresente.” Rui Tavares, do Livre, saltou do défice para o excedente, perguntando se o Governo está disponível para fazer um programa de equidade e de investimento caso a partir do terceiro trimestre apresente um saldo orçamental positivo. “Termos discussão de quem chamou a troika e que parecer qual parecer” é, na ótica, do deputado único secundário.
À direita, sobretudo no PSD, o ataque foi direito à falta de investimento público, com Hugo Carneiro a perguntar a Medina “quando é que vai apresentar uma estratégia de crescimento. Nós não vemos nenhuma. Crescer em termos médios 1,9% é poucochinho. Acabou a borla da pandemia que alimentava o argumentário do Governo”, atacou. Miranda Sarmento havia de acrescentar mais adiante que o programa de Estabilidade tem “resultados medíocres” na crescimento e que o PRR, a que Costa já se referiu como “bazuca”, “se transformou num tirinho de chumbo e o próprio Programa de Estabilidade reconhece isso”.
No Governo, a resposta a este capítulo veio da ministra da Presidência que sublinhou “a total e completa ausência de uma estratégia alternativa à do governo”. E apontou mais em particular para o PSD: “Nada dizem sobre os investimentos que viemos apresentar, nada. Nada dizem sobre estratégia de valorização do salário mínimo, porque sabem como reage quando dizem o que pensam sobre salário mínimo, ou porque vai causar desemprego. Nada dizem o que fariam das pensões, quando disseram era um corte de 600 milhões de euros, e nada dizem sobre estratégia de apoio às empresas, levando ao crescimento das exportações”.
Sobre a baixa de IRS que o ministro Medina prometeu — e de que continua a falar sem detalhar — foi uma frente atacada pelo Chega que passou o debate a apontar para as receitas fiscais elevadas este ano, com o aumento dos preços, com o Governo a distribuir “migalhas aos portugueses”. Ventura até disse a Medina que prometer uma redução em 2027 vai para lá do seu mandato: “Se Deus quiser e estiver no comando o senhor já não será ministro em 2027”. Considerou “absurdo” que o Governo prometa “melhoria fiscal para 2027” — na verdade, o que o Governo previu, sem detalhar, o IRS reduza em dois mil milhões de euros não em 2027, mas no conjunto dos anos até 2027.