(Em atualização)
Rita Lee, a irreverente rainha do rock brasileiro, morreu esta terça feira aos 75 anos. A confirmação da notícia foi publicada no Instagram oficial da cantora e compositora.
Lee esteve internada durante vários dias no Hospital Albert Einstein, em São Paulo, a mesma instituição onde Pelé morreu em dezembro passado. No dia a seguir ao internamento, o marido da artista, Roberto de Carvalho, escreveu nas redes sociais que Rita Lee estava “bem” e a recuperar, sem adiantar o motivo concreto da entrada no hospital.
“Sabe-se que sempre existirão exames de monitoramento e terapias a serem realizados, que resultarão eventualmente em internações, uma vez que se tem que lidar com a doença e os efeitos colaterais dos tratamentos”, afirmou Carvalho, agradecendo “o tsunami de amor, carinho e positividade”. Dias depois, a cantora haveria de ter alta e regressar a casa.
A cantora, compositora e ativista pelos direitos dos animais foi diagnosticada com cancro do pulmão em maio de 2021. Em abril do ano passado, um dos filhos, Beto Lee, anunciou que a mãe estava curada, elogiando a forma como “manteve a cabeça erguida, com vontade de lutar e encarou tudo com seu bom humor habitual, tanto que apelidou o tumor de ‘Jair'”.
Segundo o G1, existem vários casos de cancro na família de Lee, o que levou a artista a realizar uma mastectomia preventiva em 2010. Dois anos depois, Lee anunciou que se ia reformar dos palcos, “mas da música nunca”, por problemas de saúde. Deu, no entanto, alguns concertos desde então, incluindo o que foi organizado para comemorar os 459 anos da cidade de São Paulo, onde vivia.
Cantora brasileira Rita Lee internada de urgência em hospital de São Paulo
Rita Lee Jones de Carvalho nasceu a 31 de dezembro de 1947, em São Paulo, no seio de uma família com origens italianas e norte-americanas. Apesar de ter estudado piano na infância, foi só na adolescência que o seu amor pela música despertou, numa altura em que os seus artistas favoritos eram bandas de rock como The Beatles e Rolling Stones.
Em 1968, Lee entrou no curso de Comunicação Social na Universidade de São Paulo, que abandonou pouco depois para perseguir uma carreira musical. Por essa altura, integrava já a banda de rock psicadélico Os Mutantes, o seu primeiro projeto musical sério. A banda estrou-se na televisão em 1966 e, no ano seguinte, foi escolhida para servir como banda de abertura de Gilberto Gil, no Terceiro Festival da Record.
O primeiro álbum dos Mutantes, com título homónimo, foi editado em 1968. Era profundamente influenciado pelos britânicos Beatles. Foi ainda nos Mutantes que a artista gravou o primeiro álbum a solo, Build Up (1970), que tem algumas músicas compostas em parceria com Arnaldo Baptista, o seu primeiro marido e co-fundador dos Mutantes.
Rita Lee: “Pensei que ninguém fosse interessar na minha vida besta”
Em 1972, após o fim do casamento com Baptista, Rita Lee foi expulsa da banda pelo ainda marido (o divórcio só foi assinado em 1977) por não estar de acordo com o rumo que Os Mutantes estavam a tomar. Um ano depois, fundou com a amiga Lúcia Turnbull os Tutti Frutti, com os quais lançou alguns dos seus maiores sucessos rock, como “Esse Tal de Roque Enrow” e “Ovelha Negra”. O segundo disco da banda, Fruto Proibido, vendeu na altura mais de 200 mil cópias, e Lee ganhou a alcunha de “rainha do rock brasileiro”.
Nas décadas seguintes, Lee continuou a somar sucessos e, a partir de 1979, em conjunto com Roberto de Carvalho, parceiro criativo e companheiro para o resto da vida, com quem teve três filhos: Beto, que é também músico, Antônio e João. Em 2012, data em que se despediu dos palcos, lançou o último álbum de originais, Reza, que chegou ao número um do iTunes no Brasil. Ao longo da sua carreira, Lee vendeu mais de 55 milhões de discos.
Rita Lee foi também autora de vários livros infantis e de duas autobiografias, Rita Lee: uma autobiografia (2016) e FavoRita (2018). A primeira foi publicada em Portugal pela Contraponto. Foi a propósito da publicação que o Observador falou com a cantora em compositora, em 2017. Em março deste ano, a cantora anunciou o lançamento de Outra Autobiografia, que deve chegar às livrarias em maio – a edição portuguesa está, de novo, nas mãos da Contraponto.
Da política à música. As reações à morte de Rita Lee
A ministra da Cultura brasileira, Margareth Menezes, estava numa audiência pública no Senado quando soube da morte da cantora. “A Rita Lee não é nem uma questão direta de amizade, apesar do reconhecimento, eu estive em alguns poucos momentos com ela. Mas é pelo que ela simboliza para o Brasil, para a música popular brasileira, como uma mulher revolucionária”, disse após alguns minutos de silêncio, visivelmente emocionada.
Já o Presidente do Brasil Lula da Silva usou o Twitter para lamentar a morte de “um dos maiores e mais geniais nomes da música brasileira”. “Cantora, compositora, atriz e multiinstrumentista. Uma artista a frente do seu tempo. Julgava inapropriado o título de rainha do rock, mas o apelido faz jus a sua trajetória. Rita ajudou a transformar a música brasileira com sua criatividade e ousadia. Não poupava nada nem ninguém com o seu humor e eloquência. Enfrentou o machismo na vida e na música e inspirou gerações de mulheres no rock e na arte. Jamais será esquecida e deixa na música e em livros seu legado para milhões de fãs no mundo inteiro”, escreveu.
Rita Lee Jones é um dos maiores e mais geniais nomes da música brasileira. Cantora, compositora, atriz e multiinstrumentista. Uma artista a frente do seu tempo. Julgava inapropriado o título de rainha do rock, mas o apelido faz jus a sua trajetória.
Rita ajudou a transformar a…
— Lula (@LulaOficial) May 9, 2023
No panorama musical brasileiro multiplicam-se as homenagens. “Comadre Rita, Anibal, cabrinha, caprichosa capricorniana, amiga… Descansa, minha irmã. Amo você”, escreveu o cantor Gilberto Gil no Instagram. Júlia Mestre, da banda Bala Desejo, também quis lembrar “a maior compositora que o Brasil já conheceu”: “Todos nós temos um pouco de Rita dentro de si, ela realmente inspirou muitas gerações e seguirá eterna com sua obra, suas canções”, comentou na sua página. “Eu que sou aprendiz e uma eterna discípula de sua criação, só agradeço. Ela plantou sementes em muitas mulheres e fez florescer muitas artistas que se inspiravam nela”, acrescentou. “Confesso que quase todas as canções que escrevi tinha um pouco dela ali, minha deusa inebriante”.
A cantora Céu agradeceu a “inspiração, traquinagem e doçura” de Rita Lee. “Ela que foi nossa mais perfeita tradução, como definiu Caetano, onde o rock foi tropical, a psicodelia foi pop e as mulheres, libertas; Rita na verdade abriu janelas e portas, pra todos: reescreveu a história”, escreveu numa publicação na mesma rede social.
João e Beto Lee, filhos da cantora, não deixaram de lamentar a morte da mãe nas redes sociais. “To sem chão. Arrasado. Devastado. Coração partido. Te amo pra sempre”, escreveu João Lee. Já Beto comentou:”Love you forever”.
Por cá, Rui Reininho lembrou “uma das criaturas mais mágicas e transgressoras”. À Rádio Observador, o vocalista dos GNR, que escreveu o prefácio de Rita Lee – Uma autobiografia (2017, Contraponto), recorda “uma mulher muito forte”, cujas atitudes a levaram “até à prisão estando grávida”. “A mina, a Rita, atuou ao lado de gente como David Bowie, Rolling Stones. Apercebi-me lendo a sua autobiografia que havia uma certa rejeição, antipatia de algumas das nossas vedetas conhecidíssimas das MTVs, os Chicos, os Cateanos, as Simones ou as Gais. Ela estava noutra corrente. Quando há um movimento muito forte torna-se muitas vezes snob em relação a uma coisa que é o pessoal do rock, que continua a ser considerado sub ou contra cultura”, frisou. Lee “amou como um monstro, viveu como um monstro”, disse, aludindo ao passado turbulento da cantora que “fez tanta gente feliz com as suas músicas, com os seus banhos de espuma”.
Também a escritora Anabela Mota Ribeiro partilhou a sua memória com a artista: “Rita Lee é a minha infância. É cantar aos gritos “se a Débora quer que o Gregory peque”, é aprender tudo o que há saber sobre sexo nesta passagem: “me aqueça, me vira de ponta cabeça, me faz de gato e sapato, e me deixa de quatro no ato, me enche de amor”, é sentir o sangue de: “venha me beijar, meu doce vampiro”, é vestir como ela um vestido e cantar “Jou Jou Balangandans”com João Gilberto, é querer ser a mais rebelde, a mais louca, a mais cool. Se Deus quiser, Rita virou semente”, escreveu na sua página no Instagram.