Mais uma vez a pergunta voltou à comissão de inquérito parlamentar à TAP. “Como foram calculados os 55 milhões pagos a David Neeleman?”. A pergunta, dirigida por Bruno Dias do PCP, mereceu uma resposta de João Nuno Mendes, secretário de Estado das Finanças que à data desempenhava a mesma função: “Não tive qualquer intervenção nesse processo, não tenho nenhuma informação objetiva a prestar sobre essa matéria. Conhecia a dificuldade que existia em concretizar o auxílio em face das dificuldades que havia com acionistas privados”. E reafirma: “Não tive qualquer intervenção no processo, não tenho informação”, ainda que diga saber ter havido uma autorização dada num decreto Lei de meados de junho 2020. Mas de resto: “Não consigo elucidar”.

Bruno Dias insiste até porque João Nuno Mendes era secretário de Estado das Finanças. “Se fosse secretário de Estado da Agricultura não perguntava, como era das Finanças perguntei”, remata o deputado comunista.

João Nuno Mendes justifica-se, dizendo que no Ministério das Finanças “temos áreas de responsabilidade distintas. Por isso, temos conversas [entre os vários elementos], mas há um grande foco na área de responsabilidade” e recapitula os tempos em que se vivia em 2020: o PIB estava a descer 8%, o sistema financeiro estava “suspenso” com moratórias, havia uma larga necessidade de ajudas de Estado para empresas, a implementação do SURE (fundos europeus de apoio ao emprego), a dívida pública estava a crescer. “Se contextualizarmos verá que tinha muito em que me concentrar”, remate o governante.

João Nuno Mendes, que não fez intervenção inicial, acabou por, na primeira resposta, dar conta que acabou por passar pouco tempo pelo dossier TAP. Primeiro, e antes de ir para o Governo, esteve no grupo de trabalho para estudar a modalidade de auxílio de Estado em 2020 para a TAP que resultou num auxílio de emergência anunciado a 10 de junho de 2020, tendo iniciado o grupo em maio, num prazo que caracterizou de apertado. Depois assumiu a secretaria de Estado das Finanças onde “não tive responsabilidade em assuntos relativamente à TAP”. Volta a ter responsabilidade na TAP entre abril 2022 e novembro de 2022, oito meses, enquanto secretário de Estado do Tesouro. Ou seja, concluiu, “neste conjunto de três anos em que exerço funções governativas nas Finanças” acabou por ter a TAP diretamente em oito meses, ainda que assume que teve em reuniões “esporádicas”.

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Agora tem alguma responsabilidade sobre o processo de privatização, porque é um dossier que lhe foi atribuído depois de novembro de 2022. “Como se perspetiva a privatização, tenho responsabilidade, mas não de tutela da empresa”.

“Não faço trabalho com pré-encomendas”. Privados não “iriam acompanhar” esforço do Estado

João Nuno Mendes coordenou o grupo de trabalho para a ajuda à TAP em maio de 2020, que foi aprovada em Bruxelas a 10 de junho desse ano. Garante que os contactos com os acionistas privados foram breves. “Em mês e meio não há muitos contactos”, mas garantiu que nesse curso “ficou claro que os acionistas não iriam acompanhar nenhum esforço do Estado. Não havia perspetivas económicas do setor aéreo” e os acionistas privados, referiu, sabiam que “a capitalização pelo Estado conduziria à sua diluição”.

Queriam um auxílio temporário e um subsídio, mas a dimensão do que acabou por ser necessário não o permitiu e teve de se avançar com um auxílio mais permanente que implicou o plano de reestruturação.

O grupo de trabalho foi criado para encontrar a modalidade de auxílio de Estado “mais adequada à circunstância da empresa”, e concluiu que o mais adequado era o auxílio de emergência por seis meses que se não fosse reembolsado (como não foi) conduziria a um plano de reestruturação. Recorda que a “quando começa o grupo de trabalho a tesouraria da empresa vinha a cair desde março”, e já havia atrasos nos pagamentos, eram 300 milhões em dívida a fornecedores, que arrastavam a economia que já vivia a pandemia. “Não se pode desligar o caso TAP do país que tínhamos na altura”, e conduzia a um “efeito dominó em muitos fornecedores.” Os capitais próprios, especificou, eram “muito precários”.

Ainda que o grupo de trabalho não tivesse em cima da mesa o plano de reestruturação, era já visto como inevitável. “Sem plano reestruturação, não tem forma de aprovar a capitalização empresa que salvou a companhia de bandeira”, sustenta. Foi uma capitalização de 3,2 mil milhões de euros.

TAP não está sobrecapitalizada, garante secretário de Estado das Finanças

Mas Pedro Filipe Soares, do Bloco de Esquerda, quis saber se o grupo de trabalho já não tinha em mente o plano de reestruturação. “Quem me conhece sabe que não faço trabalho com pré-encomendas, aquilo que foi a proposta resultava da nossa convicção, nunca houve nenhuma encomenda para que a proposta de grupo trabalho tivesse determinado formato. Nunca houve nenhum tipo de pressão. O governo queria uma solução. O governo não tinha apenas o problema da TAP” e diz que tem “segurança nas conclusões do grupo trabalho”.

João Nuno Mendes reafirmou “muita confiança no grupo de trabalho”, ao que Pedro Filipe Soares realçou que muita confiança não é absoluta confiança. “Avançamos determinadamente para termos uma solução, um auxílio de emergência que se compaginasse com processo que fosse entendível em Bruxelas que permitisse manter a sustentabilidade da empresa”, resume João Nuno Mendes.

“A realidade a posteriori era a de que a empresa precisava de uma capitalização de larga escala”.

Questionado, mais tarde, por Bernardo Blanco sobre se já leu o plano de reestruturação — numa alusão a declarações de João Galamba que assumiu não ter ainda lido todo o plano — João Nuno Mendes respondeu: “sim, sim”, para concretizar: “Uma parte muito substancial, sei guiar-me nestes planos e ler as partes fundamentais. Conheço substancialmente” o plano.

O documento, esclareceu, tem dimensão confidencial, com uma parte pública e uma não pública. Nas Finanças “temos acesso àquilo que é plano, tenho e, como membro governo, automaticamente credenciado”. E quando é preciso as pessoas do Ministério também. “O plano é consultável no Ministério das Finanças pelas pessoas que têm de fazer trabalho sobre ele. Têm acesso à versão confidencial, mas não é numa lógica de o terem no computador”.