O desinteresse pelas notícias “é maior entre os mais pobres e menos educados”, conclui o estudo do observatório Iberifier, e a saturação aumenta quando a cobertura assenta repetidamente até em tópicos importantes para a vida quotidiana.

Estas são algumas das conclusões do relatório “Análise do impacto da desinformação na política, economia, sociedade e questões de segurança, modelos de governança e boas práticas: o caso de Espanha e Portugal”, elaborado pelo Observatório Ibérico de Media Digitais e da Desinformação, Iberifier, do qual a Lusa é parceira, esta quarta-feira divulgado.

“O desinteresse pelas notícias é maior entre os mais pobres e os menos educados, comprometendo assim o acesso a uma esfera jornalística que poderia ajudar na compreensão de problemas sociais mais complexos”, refere o documento.

A saturação de notícias “parece aumentar nos momentos em que a cobertura se foca repetidamente em tópicos que são de extrema importância para a vida quotidiana”, como por exemplo a pandemia de Covid-19, eleições ou guerra.

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De acordo com o Reuters Digital News Report 2023 (Reuters DNR 2023) divulgado na semana passada, em que participam 46 países, “a proporção de consumidores de notícias que afirmam evitar notícias, frequentemente ou às vezes, permanece perto dos máximos de todos os tempos em 36% em todos os mercados”.

Segundo o estudo, aqueles que evitam notícias estão mais propensos a afirmar que estão mais interessados em conteúdos mais positivos do que em grandes histórias do dia.

Portugal segue a “tendência global” da subida de evitar notícias, sendo as da guerra da Ucrânia “as mais evitadas”.

Iberifier propõe indicadores para “medir” desinformação

Assim,  o observatório ibérico de media digitais propõe criar indicadores para analisar o impacto social da desinformação, medindo o número de vezes que uma falsa informação foi partilhada e se está a “poluir” o debate público.

O primeiro é a disseminação, um indicador baseado em métricas como o número de vezes que uma informação errada ou fake news é partilhada ou tem “gostos” no Twitter ou no Telegram, o número de contas que partilharam a publicação e o número de dias essa publicação é muito partilhada.

A transferibilidade pretende medir o efeito que uma informação ou notícia falsa noutros contextos, como a “poluição” na esfera pública ou a moldar a agenda dos media tradicionais.

O consórcio pretende ainda identificar e caracterizar disseminadores de desinformação, incluindo bots, ou programas informáticos que executam e repetem ações automatizadas.

Um outro indicador é sobre a sustentabilidade da desinformação, que pretende avaliar a evolução de uma determinada informação falsa, medindo os efeitos de ter sido “desmontada” por verificadores (fact checkers), se a desinformação continua a ser usada passado algum tempo e se se propagou para outros países e línguas.

Portugal está “menos exposto” a estratégias de destabilização

Por outro, Portugal tem características sociodemográficas, políticas e económicas que o tornam “menos exposto a estratégias de destabilização”. Isto, apesar da “agressividade na linguagem” de novos partidos, conclui o estudo.

Embora Portugal apresente“características sociodemográficas, económicas e políticas que o tornam menos exposto a estratégias de desestabilização”, o relatório afirma que há sinais de alerta.

Há “um surgimento de agressividade na linguagem pública dos novos partidos de extrema-direita (o Chega), com efeitos propagandísticos e de radicalização nos media e redes sociais”, embora o país mantenha “uma relativa estabilidade social na ausência de problemas socialmente fraturantes”.

O relatório adianta que a presença dos partidos nas redes sociais, nomeadamente no Facebook, “não coincide com a representação parlamentar” e que “os partidos menores e mais radicalizados liderança na atividade e partilha de publicações”.

O documento indica também que “foi detetada pouca pegada de desinformação da parte do Governo e da oposição durante a comunicação realizada nas campanhas eleitorais”.

Embora sem medir efeitos, um outro alerta é deixado pelos investigadores: o poder de influência das redes sociais nos media.

Apesar de os “media convencionais não estarem necessariamente a ser a origem da desinformação, a porosidade de fronteiras” põe “a questão de a desinformação estar a influenciar a agenda noticiosa”.

Crise nos media em Portugal é fator preocupante na desinformação

A perceção da desinformação em Portugal como “ameaça externa aos equilíbrios políticos e socioeconómicos internos não é tão consistente”, uma vez que “nas esferas política e de segurança cibernética não houve alarmismos até agora”, continua o relatório.

Aliás, as recomendações adotadas pelos “órgãos institucionais encarregados de prevenir e monitorizar a desinformação são tecnicamente coerentes com as recomendações europeias, mas sem, no entanto, se registar um cenário considerado alarmante”, lê-se no estudo.

Contudo, “a preocupação com a desinformação é mais justificada” se for considerada “a situação financeira e a vulnerabilidade do ecossistema mediático português”.

O setor português dos media “é frágil em termos económicos e profissionais, e do estatuto do valor jornalístico, notícias como património coletivo, em particular” o económico, os profissionais e as audiências e a sua relação com o conteúdo noticioso.

No que respeita à questão económica, existe uma “crise prolongada”, que teve início em 2008-2011, “acentuada pela pandemia” de Covid-19, desde 2020.

Neste âmbito, “os dilemas económicos dos media em Portugal” explicam-se com fatores externos, como “a crise económica, pandemia”, e internos, “fraca adaptação ao digital ambiente, tentativa mal sucedida de adaptar o analógico para distribuição de modelos que não favorecem a estabilidade dos conteúdos, dependência excessiva dos modelos de financiamento no caso da imprensa”, referem os investigadores nas conclusões.

Os media “começaram tarde a lutar por um lugar na economia digital, streaming, e tudo o resto parece mais importante do que a económica relação das audiências com o jornalismo”.

O estudo aponta que a crise do jornalismo e a perda de credibilidade dos profissionais resulta “tanto do desinvestimento público” como do “desinvestimento do setor em profissionais, uma crescente politização do debate mediático por parte dos comentadores (que não são jornalistas, mas são usados pelos media para criar um clima de permanente disputa)”.

Acresce ainda “a visão mais negativa que emerge na opinião pública sobre os profissionais, induzidos quer por uma incipiente onda populista, acusando o sistema jornalístico, ou pela perceção de que os profissionais falham em monitorar cuidadosamente os desenvolvimentos no setor”.

Além disso, há outros fatores a serem considerados, nomeadamente a “hiperaceleração do ciclo do noticiário de 24 horas, a saturação do público com conteúdo específico e o aumento de uma economia de atenção que penaliza fortemente aqueles que dependem da produção de conteúdo”.

De acordo com o estudo, estas tendências de aceleração “têm impacto negativo sobre uma esfera na produção cujo trabalho é difícil e caro de automatizar e fazer com qualidade em ambientes digitais algorítmicos ou não algorítmicos”.

Por outro lado, “os dados muito positivos sobre a confiança nas notícias são contrabalançados por vários sinais de saturação de conteúdos noticiosos, crescente desinteresse de notícias, evitação ativa de notícias e acesso crescente ao conteúdo de notícias indiretamente em ambientes digitais”.

O Iberifier é um projeto que visa combater a desinformação e integra 23 centros de investigação e universidades ibéricas, as agências noticiosas portuguesa, Lusa, e espanhola, EFE, e fact checkers como o Polígrafo e Prova dos Factos – Público, de Portugal, e Maldita.es e Efe Verifica, de Espanha.

O consórcio é um dos 14 observatórios multinacionais de meios digitais e desinformação promovido pela Comissão Europeia, tem como coordenador Ramón Salaverría, da Universidade de Navarra, e inclui, entre outras, a Universidade Carlos III, de Santiago de Compostela, de Espanha, e ISCTE — Instituto Universitário de Lisboa e Universidade de Aveiro, de Portugal.