O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, considerou esta quinta-feira que os grupos parlamentares são órgãos dos partidos e do parlamento, referindo que estudou esta matéria no plano jurídico.
Segundo o chefe de Estado: “Por um lado, são órgãos do parlamento, que funcionam dentro do parlamento e contribuem para a formação da vontade do parlamento”, mas “por outro lado, são órgãos dos partidos“.
“Eu até fui ver hoje os estatutos do PSD e do PS e confirmei que lá vêm: estatutos, órgãos do partido, grupo parlamentar“, acrescentou Marcelo Rebelo de Sousa, em resposta aos jornalistas, à saída do Centro Ismaili, em Lisboa. O Presidente da República falava após ser questionado sobre a operação judicial que levou à realização de buscas na residência do anterior presidente do PSD, Rui Rio, e na sede nacional deste partido, na quarta-feira, por suspeitas de peculato e abuso de poderes na utilização de fundos de natureza pública em contexto político-partidário, segundo a Polícia Judiciária (PJ).
Recusando comentar diretamente esta operação judicial, Marcelo Rebelo de Sousa abordou a questão da natureza dos grupos parlamentares, que podem constituir gabinetes com verbas atribuídas consoante o respetivo número de deputados, a propósito da dúvida sobre se podem ou não incluir pessoal em funções para o partido fora do parlamento
“Este é um tema que eu estudei, na minha tese de doutoramento. A minha tese de doutoramento de 1995 foi sobre os partidos políticos no direto constitucional português. E uma das questões mais interessantes é saber qual é a natureza jurídica dos grupos parlamentares, isto é, eles são órgãos do partido ou são órgãos do parlamento, ou são as duas coisas”, referiu.
“E eu cheguei à conclusão de que eram as duas coisas — que é, aliás, a conclusão a que também já chegou o Tribunal Constitucional, pelo menos num acórdão que eu conheço antigo”, disse o Presidente da República.
Marcelo Rebelo de Sousa citou a norma do Lei do Financiamento dos Partidos e das Campanhas Eleitorais que estabelece a atribuição de uma subvenção anual a cada grupo parlamentar, deputado único ou não inscrito, a ser paga mensalmente, “para encargos de assessoria aos deputados, para a atividade política e partidária em que participem e para outras despesas de funcionamento”, de valor variável consoante o número de deputados.
No seu entender, esta norma deixa “uma zona cinzenta” que se poderá “talvez clarificar em termos de funcionamento e de financiamento como é que é, o que pode ser e o que não pode ser”, com “expressões que porventura serão clarificadas no futuro”.
“Cabe aí ou não a assessoria política e partidária, em que termos e, portanto, cabe aí ou não utilizar esse dinheiro também para isso”, especificou.
Segundo o Presidente da República, “esta é uma reflexão que para o futuro vale a pena fazer-se, porque não é muito fácil definir as fronteiras, não é — o próprio Tribunal Constitucional dizia isso — entre o grupo parlamentar órgão do partido e o grupo parlamentar órgão do parlamento”.
Interrogado se na sua opinião não há ilegalidade nos pagamentos a funcionários que trabalham para o partido fora do parlamento, Marcelo Rebelo de Sousa respondeu que não iria comentar a investigação em curso.
“O que eu digo é: chamei a atenção para a natureza própria dos grupos parlamentares, que é mista, e daí estar na zona se querem dizer cinzenta ou na linha de divisão entre uma coisa e outra”, resumiu.
“A conclusão para o futuro é que os estatutos partidários parecem querer dizer que os grupos parlamentares além de órgãos do parlamento são órgãos do partido”, reiterou.
Sobre a mediatização desta operação judicial — que mobilizou cerca de 100 inspetores da PJ e peritos e teve buscas acompanhadas em direto pela CNN no exterior da residência de Rui Rio e na sede nacional do PSD –, Marcelo Rebelo de Sousa sustentou que “a comunicação social faz o que tem de fazer”.
“Eu também já tive ocasião de dizer que de facto muitas vezes há julgamentos na opinião pública que derivam de uma primeira leitura dos acontecimentos antes de haver julgamentos no sistema de justiça”, acrescentou.
O Presidente da República ressalvou que não queria pronunciar-se sobre a atividade do Ministério Público nem sobre esta operação em concreto: “Eu ficaria sempre com um peso na consciência por se poder considerar que eu estava de alguma maneira a invadir, a violar a separação de poderes”.