O ex-vice-governador do BCE Vítor Constâncio prevê que a zona euro está próxima de uma recessão e alerta para o risco de uma estagflação, considerando que colocaria a instituição liderada por Christine Lagarde em dificuldades.
“Penso que a área do euro está muito perto duma recessão que, apesar de não ser muito marcada, criará uma situação de estagflação (inflação mais recessão) que é a situação mais difícil com que a política macroeconómica pode ser confrontada”, afirmou em entrevista por escrito à agência Lusa, o antigo governador do Banco de Portugal (BdP) e ex-vice do Banco Central Europeu (BCE).
Vítor Constâncio recorda que “uma situação de estagflação nunca existiu desde a criação do euro”, considerando que ela “porá o BCE em dificuldade”.
O antigo vice-governador do BCE adverte que a eventualidade de uma estagflação na zona euro levanta desafios acrescidos para a política monetária, dado “o Tratado impor uma prioridade absoluta ao combate à inflação, ao contrário do que acontece nos EUA, onde o banco central tem um mandato duplo em relação à inflação e ao emprego”.
Assinala ainda que a desaceleração nas maiores economias europeias tem vindo a acentuar-se, apontando que “no primeiro semestre, oito países tiveram crescimento negativo em relação a 2022 e nove, comparando com o primeiro trimestre”.
Para Vítor Constâncio, tendo em vista os últimos dados macroeconómicos conhecidos da zona euro, o BCE deveria optar por uma pausa na subida das taxas de juro na reunião do Conselho de Governadores da próxima quinta-feira.
“Penso que não seria necessária nova subida, mas creio que a probabilidade de vir a acontecer é superior a 50%”, disse.
De acordo com as intervenções públicas dos responsáveis do BCE e as atas da última reunião, a decisão da próxima reunião está dependente dos dados económicos, que permitam medir o pulso à economia e à redução da inflação.
Constâncio defende que banca beneficia com soluções de reajustamento de créditos
Vítor Constâncio defende ainda ser do interesse dos bancos oferecer soluções para famílias em dificuldades, como o aumento da maturidade dos créditos, ou a alteração do perfil temporal do pagamento de juro.
Em entrevista escrita à agência Lusa, o ex-governador do Banco de Portugal (BdP) e ex-vice do BCE considerou que a banca deve evitar uma subida do malparado, daí o interesse em oferecer hipóteses de resolução dos problemas a famílias em dificuldades económicas neste período.
“É do interesse dos bancos oferecerem soluções de reajustamento daquelas prestações, sem redução do crédito devido, seja aumentando a maturidade dos créditos e/ou alterando o perfil temporal do pagamento de juros, para os clientes em maiores dificuldades e para manter os seus compromissos nesta fase”, afirmou.
Vítor Constâncio recordou que estas soluções têm “acontecido em maior grau em vários países europeus”.
O antigo responsável do BCE e do BdP salientou que “os níveis de capitalização dos bancos são muito mais elevados do que antigamente em todos países Europeus e também em Portugal”, mas alertou que “é necessário que os bancos não deixem subir muito o crédito malparado que pode resultar dos enormes aumentos dos pagamentos das prestações do crédito à habitação, dada a subida das taxas de juro pela política monetária”.
“Apesar da robustez da posição de capital, uma subida do crédito malparado poderia afetar os ratings dos bancos”, adverte.
Questionado sobre qual deverá ser a melhor estratégia para a gestão da dívida pública perante a atual conjuntura, defendeu que “o essencial é que a dívida pública continue a diminuir significativamente e possa brevemente situar-se abaixo dos 100% do PIB”, uma vez que “Portugal continua a ser o terceiro país mais endividado da área do euro e o elevado endividamento tem um efeito negativo no crescimento a médio e longo prazos”.
Vítor Constâncio prevê ainda que “depois de um crescimento superior a 2% este ano”, o Produto Interno Bruto (PIB) português irá crescer cerca de 1,5% em 2024.
O ex-vice do BCE revela ainda confiança de que há sinais de a inflação começar a estar controlada, argumentando que os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) apontam para que a inflação nacional se aproxime mais rapidamente do objetivo de 2% de inflação, o que é encorajador”.
“Por outro lado, os números do INE indicam que as remunerações médias por trabalhador subiram de janeiro a junho 7,2%. Após a perda de salários ajustados à inflação no ano passado, este ano as remunerações reais estão a aumentar, o que é também muito positivo”, acrescentou.