Os investigadores do Hospital Pediátrico de Filadélfia, na Pensilvânia (Estados Unidos), procuram aprovação para realizarem ensaios clínicos com um ‘ventre artificial’ em humanos. A agência norte-americana do medicamento (FDA, Food and Drug Administration) convocou um painel de especialistas para auxiliar na decisão e nas condições a impor. As reuniões decorrem esta terça e quarta-feira, conforme a agenda da FDA.

Em abril de 2017, os investigadores do Hospital Pediátrico de Filadélfia apresentaram ao mundo um cordeiro prematuro dentro de um saco com líquido, que simulava o saco e líquido amniótico que envolve os embriões de mamíferos durante o desenvolvimento uterino. O cordeiro estava num estágio de desenvolvimento equivalente ao de um feto humano de 23 semanas e os investigadores conseguiram mantê-lo nestas condições durante quatro semanas, como reportaram num artigo científico publicado na Nature Communications. Os cordeiros foram eutanasiados ao fim desse tempo para se estudar o desenvolvimento dos órgãos.

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A prematuridade é a principal causa de morte e de incapacidade nas crianças com menos de cinco anos. E a probabilidade de morte será tanto maior quanto mais prematuro for o bebé: com menos de 22 semanas não se considera que o feto seja viável, mas mesmo para fetos com 22 a 28 semanas a probabilidade de sobrevivência é reduzida. Nos fetos com mais de 28 semanas, a probabilidade de sobrevivência é bem maior, mas requer, mesmo assim, um intenso suporte básico de vida.

No fundo, o que estes investigadores (e outras equipas nos Estados Unidos, Espanha, Países Baixos, Japão, Austrália e Singapura) pretendem é substituir a incubadora nos bebés muito prematuros — que nascem entre as 22 e 28 semanas — por um ‘ventre artificial’, que lhes garanta o normal desenvolvimento dos órgãos nos estágios finais da gravidez. A ideia não é substituir completamente o útero materno da conceção ao nascimento, mas aumentar a probabilidade de sobrevivência dos bebés muito prematuros, reporta a Nature. Assim, o ventilador mecânico, que pode causar lesões nos pulmões frágeis dos prematuros, seria substituído por uma forma de manter os pulmões cheios de líquido, como acontece na gravidez.

No sistema do Hospital Pediátrico de Filadélfia, os bebés seriam colocados dentro do ‘ventre artificial’ ou ‘biosaco’ que simula a proteção do saco amniótico e contém um fluído semelhante ao líquido amniótico. Os vasos sanguíneos do cordão umbilical seriam ligados a um oxigenador — que retira o dióxido de carbono do sangue e introduz oxigénio. O sangue seria bombeado pelo coração do bebé do corpo para o oxigenador e de volta ao corpo, através do cordão umbilical. E é aqui que reside uma das maiores dificuldades: após o nascimento (mesmo prematuro), os vasos sanguíneos do cordão umbilical começam a retrair-se — até secar, cair e formar o umbigo.

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Serão fetos, neonatos ou fetonatos?

Mas os desafios desta e das outras experiências em curso vão muito além da capacidade técnica dos cirurgiões ou da qualidade dos suportes criados, levantam-se também diversas questões éticas e legais. Que direitos terão estes pequenos humanos cujo estágio de vida não vem contemplado na lei — não são fetos porque já não se encontram na barriga das mães, mas também não são recém-nascidos (neonatos) porque a ideia é dar continuidade à gestação. Poderão vir a ser designados como fetonatos? Por enquanto é uma incógnita.

Mesmo antes de se chegar a essa decisão, Matthew Kemp, obstetra na Universidade Nacional de Singapura, questiona que hajam sequer dados suficientes para justificar os ensaios clínicos com humanos. Kemp também está a desenvolver um ‘ventre artificial’, mas considera que antes dos ensaios clínicos com humanos é preciso estudar em pormenor quais as consequências no desenvolvimento dos modelos animais, como os cordeiros ou primatas não humanos.

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Os custos da tecnologia são outro dos problemas identificados. Michael Harrison, cirurgião fetal na Universidade da Califórnia, em São Francisco, questiona se vale a pena investir tanto dinheiro e tecnologia a tentar salvar bebés com uma baixa probabilidade de sobrevivência ou se seria melhor investir no apoio durante a gravidez e na melhoria dos cuidados intensivos para bebés prematuros que já existem.

Aliado aos custos, surgem os interesses comerciais e os conflitos de interesse: parte da equipa envolvida no projeto do Hospital Pediátrico de Filadélfia juntou-se, em 2019, à startup Vitara Biomedical, que já angariou 100 milhões de dólares (940 mil euros) para desenvolver o ‘ventre artificial’ (Extend, na sigla em inglês para ambiente extrauterino para o desenvolvimento do recém-nascido).