Mais de dois anos depois de terem sido detidos pela Polícia Judiciária, começou esta quarta-feira o julgamento dos dois irmãos iraquianos, Ammar e Yasir Ameen, acusados dos crimes de guerra, de terrorismo e de adesão a organização terrorista. Para o Ministério Público, é claro que, no final destas sessões “resultará provada que os arguidos fazem ou fizeram parte do Estado Islâmico, com funções na polícia religiosa”. Mas para o advogado dos dois irmãos iraquianos, Vítor Carreto, “este processo é o símbolo da morte da Justiça”. Vítor Carreto acabou por renunciar e saiu da sala do tribunal de Lisboa.

Cinco minutos depois, uma advogada oficiosa entrou na sala, para ouvir um resumo deste caso, feito pela juíza Alexandra Veiga. Ainda que tenha sido chamada a defesa oficiosa, os arguidos podem escolher um novo mandatário no prazo de 20 dias. Como Vítor Carreto renunciou, os dois irmãos não foram ouvidos, apenas fizeram a sua identificação. No entanto, Ammar Ameen insistiu para falar, recusando a advogada que entrou na sala e, através da tradutora presente, disse não querer que a defensora tenha contacto com o seu processo. E anunciou que vai começar uma greve de fome assim que chegar à prisão de Monsanto.

“Os arguidos fugiram do Iraque, pela utilização de um percurso controlado pelas forças do Daesh. Entraram na Europa como refugiados, pretendendo, com versões contraditórias, esconder a sua vida no Iraque e as suas relações familiares”, disse logo no início da sessão — ainda antes de Vítor Carreto ter saído da sala — a procuradora Cláudia Porto.

Com dois elementos do Grupo de Intervenção dos Serviços Prisionais (GISP) atrás, os irmãos começaram por ver um “vídeo original do Estado Islâmico” mostrado pelo Ministério Público — em que nem Ammar, nem Yasir aparecem. Para a procuradora do MP, estas imagens “exemplificam de que forma eram tratados os infiéis”. “Queria chamar a atenção para a música: ‘Vocês vão ver o que vos vai acontecer. Em breve acontecerá algo inesperado com facas e com armas’”, acrescentou.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Entraram como refugiados e preparavam-se para sair do país. Irmãos terroristas viviam em Portugal há quatro anos

Os irmãos foram detidos pela Polícia Judiciária, no início de setembro de 2021, na casa onde viviam, mas a investigação começou já em 2017. As autoridades começaram a investigar Ammar e Yasir Ameen poucos meses depois de os dois terem chegado a Portugal, no âmbito do programa de reinstalação da União Europeia, infiltrados num grupo de requerentes de proteção humanitária.

“Nós não gostávamos de estar com ele [com Ammar]”

Apesar de os dois irmãos não terem falado em tribunal esta quarta-feira, foram ouvidas várias testemunhas. A primeira, técnica da Câmara Municipal de Oeiras, fez o acompanhamento dos dois irmãos, quando estes chegaram a Portugal e disse ter uma ideia muito diferente em relação a Ammar e a Yasir. “Não foi um processo fácil”, disse.

“Várias vezes nos questionou se nós não tínhamos medo de ir com ele [com Ammar] no carro. Fui com ele ao SEF de Cascais e ele vinha a dizer que quando era criança gostava de desmanchar carros e naquela tarde gostava de desmanchar uma mulher para ver como é que era por dentro”, disse a técnica sobre um dos irmãos.

Já Yasir, “foi sempre uma pessoa bastante cooperante e tentava, muitas vezes, desculpar o irmão”. “Integrou-se bem, arranjou emprego por meios próprios”, acrescentou.

Durante o período da tarde, já com uma nova advogada oficiosa, os dois irmãos voltaram a sentar-se na sala do tribunal de Lisboa para ouvir uma das testemunhas — a companheira de Ammar. A mulher, portuguesa, afirmou ter uma relação com este iraquiano desde 2020. “Conheci-os quando chegaram a Portugal. Conheci-os particularmente, num jantar organizado por e para refugiados”, explicou. Recusando ter sentido, alguma vez, medo de Ammar, esta testemunha disse ainda que o agora arguido parecia “uma pessoa muito triste, traumatizada, com feridas profundas”.