A Comissão Europeia gerou esta segunda-feira mal-estar entre os Estados-membros por causa da suspensão, que afinal não era, dos programas de apoio à população palestiniana, e a confusão levou um comissário europeu a ser desautorizado por outro.

Pelas 12h00 locais (13h00 em Lisboa) os porta-vozes da Comissão rejeitavam qualquer suspensão dos programas de apoio económico-financeiro para a população e a Autoridades Palestiniana, assim como a possibilidade de o dinheiro da União Europeia (UE) poder estar a ser utilizado para o financiamento das atividades do Hamas, consideradas pelas 27 como terroristas, na sequência de um gigantesco bombardeamento do território israelita no fim de semana.

A UE não está a financiar, diretamente ou indiretamente, as atividades do Hamas”, referiu na altura o porta-voz Eric Mamer aos jornalistas durante uma conferência de imprensa, em Bruxelas.

Entretanto, a Comissão anunciou uma reunião extraordinária dos ministros dos Negócios Estrangeiros da UE, uns presencialmente, outros por videoconferência, para discutir o agravamento das tensões entre israelitas e palestinianos, o ataque do fim de semana do Hamas e a retaliação que do governo israelita que provocou centenas de mortos civis em Gaza.

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Cerca de duas horas depois, numa publicação na rede social X (antigamente Twitter) o comissário europeu para a Política de Vizinhança e o Alargamento, o húngaro Olivér Várhelyi, anunciou a “suspensão imediata” de todos os pagamentos que estavam previstos e a suspensão de todos os projetos, incluindo este ano, até ser feita uma revisão exaustiva de todo o dinheiro da UE canalizado para o território palestiniano.

Questionado sobre a contradição entre o que foi dito ao final da manhã e o que o comissário anunciou, entretanto, o serviço de porta-vozes da Comissão Europeia disse que valia o que Várhelyi tinha anunciado, sem responder às sucessivas questões colocadas pelos jornalistas, nomeadamente se os Estados-membros tinham sido consultados e se houve articulação com o todo o colégio de comissários.

Contudo, o comissário europeu para a Gestão de Crises, Janez Lenarcic, responsável pela coordenação da ajuda humanitária prestada pelos 27, veio desautorizar Várhelyi e anunciou que estava fora de questão o fim da ajuda humanitária e dos compromissos com os palestinianos, por muito que a UE repudie a violência dos ataques perpetrados pelo Hamas.

A confusão alastrou rapidamente às delegações, com os serviços diplomáticos da Irlanda, Espanha e Luxemburgo a insurgirem-se contra a decisão de um comissário e o dito por não dito, sempre através de uma rede social, sem Bruxelas se pronunciar oficialmente, exceto pelos porta-vozes.

Do lado espanhol veio a posição mais dura, uma vez que o ministro dos Negócios Estrangeiros do país que tem de momento a presidência rotativa do Conselho da UE, ligou ao comissário para a Política de Vizinhança e demonstrar o desagrado com o anúncio e, entretanto, falou com o alto-representante dos 27 para os Negócios Estrangeiros, Josep Borrell, para expor a sua posição e exigir que a questão seja abordada na reunião de terça-feira.

Em Portugal, o gabinete de João Gomes Cravinho, sem adiantar muito, questionou as bases legais que o comissário Várhelyi tinha para decidir suspender o apoio à população palestiniana.

Finalmente, ao início da noite, a Comissão Europeia emitiu um comunicado a esclarecer apenas a revisão de todos os programas de canalização de dinheiro europeu para os território palestiniano, para verificar se não houve desvios para a estrutura do Hamas que financiem as suas atividades e endureceu o tom, referindo que o agravamento da situação poderia levar a alterações no apoio económico-financeiro à população e aos compromissos com a Autoridade Palestiniana.

Mas em nenhum caso, referiu a Comissão, estava em causa o apoio humanitário à população palestiniana.

Em pouco mais de cinco horas, instalou-se um mal-estar entre os Estados-membros, entre os que questionam a legitimidade da decisão de suspender os apoios, a falta de informação e coordenação entre os 27 e mesmo dentro da própria Comissão, com dois elementos do colégio em oposição e uma decisão final em completo contraste com as certeza que a Bruxelas dizia ter quanto à utilização do dinheiro da EU.