A aposta vai ser em protestos fora da caixa, ideias criativas e que não roubem dias de salário aos professores. Apesar disso, é quase certo que será marcada uma manifestação nacional, que se espera de grande dimensão, e as greves, mesmo que sejam evitadas até ao final do 1.º período, deverão regressar às escolas, mais cedo ou mais tarde, se o Governo nada fizer para atender as exigências da classe docente.

“A solução dos problemas mais complexos nunca surge no Governo que os criou ou naquele que enfrentou as maiores lutas.” Mário Nogueira, secretário-geral da Fenprof, diz que a história ensinou isso aos professores: é preciso esperar por eleições para conseguir assinar acordos. Atualmente, Nogueira tem pouca (ou nenhuma) esperança de que a equipa de António Costa ceda às reivindicações dos professores, mas isso não significa que a classe vá desistir. Esta terça-feira, 17 de outubro, reúne-se a plataforma de nove estruturas sindicais que, depois de ter alinhado vários protestos para a semana internacional do professor, vai decidir novas formas de luta para os próximos tempos, já que a proposta do Orçamento do Estado para 2024 não apaziguou os docentes. As declarações recentes de António Costa e de Fernando Medina sobre os professores também não ajudaram.

As greves — que os sindicatos veem como o último recurso para pressionar um Governo — devem ficar de lado por enquanto, mas não desaparecem de vista. Durante o que falta do 1.º período, que se estende até à época do Natal, deverá haver protestos mais criativos, como explicou Mário Nogueira ao Observador. É mais provável que uma paralisação aconteça no início do 2.º período: o formato de greve distrital, que tem visibilidade durante mais dias, é a mais forte candidata.

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Depois do encontro desta terça-feira, que já estava agendado no seguimento da semana internacional do professor, as diferentes direções dos sindicatos deverão reunir-se para aprovar os protestos que fiquem alinhados. A plataforma inclui ASPL, Fenprof, FNE, Pró-Ordem, SEPLEU, SINAPE, SINDEP, SIPE e SPLIU.

Greves distritais, sim. Prolongadas no tempo, não

A Fenprof vai aliar-se à greve da Função Pública, convocada para 27 de outubro, e, por isso mesmo, Mário Nogueira considera que fazer uma nova paralisação no curto prazo é pouco provável — até porque isso obriga a descontar mais um dia de trabalho no salário de um professor que faça greve.

“Destes encontros saem sempre novas ideias, como aconteceu com a greve nacional de 6 de junho de 2023”, conta Mário Nogueira, que acredita que, por agora, deve apostar-se em protestos mais criativos. A data, 6.6.23, era irrepetível e correspondia ao tempo de serviço congelado dos professores e que está por devolver — 6 anos, 6 meses e 23 dias. Por coincidência, 6 de junho é também o aniversário de um dos dirigentes que estava presente e foi assim que surgiu a ideia.

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O que está fora de questão, defende o líder da Fenprof, é os professores fazerem greve durante 15 ou 20 dias seguidos. “Ninguém faz essas greves. O que conta não é a duração, mas a força que a greve tem”, defende Nogueira. Na sua opinião, as greves distritais — que são seguidas no tempo, mas em que cada distrito pára apenas num dia — são as mais eficazes.

“No ano letivo passado houve duas greves distritais, duas rondas distintas. Cada ciclo de greve durou 18 dias, ou seja, 36 dias com as duas rondas. Mas, para os alunos, só significou dois dias, no total, sem aulas”, explica o líder da Fenprof. Na altura, a adesão por distrito foi sempre elevada, acima dos 90%, segundo as contas dos sindicatos, e, por isso, poderá ser uma fórmula a repetir.

“Dá-nos visibilidade durante 18 dias, mas o esforço que cada professor tem de fazer é de apenas um dia”, detalha Mário Nogueira, já que só será descontado um dia de ordenado. Os alunos também saem menos prejudicados, acredita.

Entre os diferentes sindicatos, quando se fala de greve, há sempre um elemento a ter em atenção: o desgaste dos professores. Para o secretário-geral da FNE, Pedro Barreiros, procurar protestos mais criativos é também uma prioridade, principalmente se não implicarem custos para os docentes. Na calha da FNE está a edição de um livro de mensagens que será entregue ao ministro da Educação como presente de Natal. Por esta altura, a FNE tem andado a recolher depoimentos de professores, de pessoal não docente e de alunos, para juntar nesse livro que será oferecido ao ministro João Costa.

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“Não sei se o futuro passará por greves ou por outras formas de luta, mas a FNE estará ao lado de tudo o que fizer sentido”, esclarece Pedro Barreiros, em declarações ao Observador.

Para Júlia Azevedo, do SIPE, é importante que neste encontro, além do balanço, se perceba que tipo de protestos podem ser realizados com sucesso, lembrando que “os professores estão desgastados e já gastaram muito dinheiro em greves”. Além disso, a dirigente sindical recorda que a greve “é o fim da linha e causa muito impacto na sociedade” e nas famílias. No entanto, frisa que se nesta altura do ano letivo ainda há muitos alunos sem aulas não é devido a greves, mas antes devido à falta de professores, um problema que o Governo continua sem resolver.

No SPLIU, o presidente, Manuel Monteiro, garante que motivos para manter a pressão sobre o Governo não faltam. “Estamos prontos para tudo o que sair desta reunião e para fazer o que for necessário para dignificar e valorizar a profissão de professor.”

A negociação é primordial, defende o sindicalista, mas se através dela não se chegar ao essencial é preciso avançar para protestos. “A pacificação das escolas poderia começar neste momento com a recuperação faseada, sublinho faseada, ao longo dos anos, do tempo da carreira que esteve congelado. Essa recuperação é essencial, mas há muito além disso: as ilegalidade nos horários, as vagas do 5.º e do 7.º escalão, as quotas na avaliação, a necessidade de um regime de aposentação…”, argumenta Manuel Monteiro.

O Orçamento do Estado, tal como está desenhado na proposta do Governo, não resolve nenhum dos problemas das escolas, defendem os quatro sindicalistas ouvidos pelo Observador.

Uma grande manifestação (ou duas, divididas por Lisboa e Porto)

Se sobre a necessidade de novas greves Pedro Barreiros ainda tem algumas dúvidas, não as tem sobre outros protestos. “Vai haver certamente necessidade de se marcar uma grande manifestação de professores, ou mais, por ocasião do Orçamento do Estado. Penso que não vai haver escapatória”, diz o líder da FNE, considerando que a proposta para o OE2024 não responde às necessidades do sistema educativo, “nem dos alunos, nem dos assistentes operacionais, nem dos professores”.

Mário Nogueira lembra que a 13 de novembro os professores estarão numa ação de rua em frente ao Parlamento, já que nesse dia o ministro da Educação vai apresentar o orçamento para o sector. Mas essa será uma ação mais pequena do que a grande manifestação de que fala Pedro Barreiros.

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“Vamos ver o quanto conseguimos pressionar o ministro para haver mudanças. Mas uma grande manifestação, ainda em dezembro ou no início do 2.º período, é também uma possibilidade”, defende o secretário-geral da Fenprof. Na opinião de Mário Nogueira, há duas soluções possíveis: uma manifestação em Lisboa ou duas manifestações, em dois lugares em simultâneo, como já foi feito no passado. “O conjunto de duas manifestações acaba por ter maior adesão do que sendo só uma em Lisboa, até porque há professores no Norte que preferem ir até ao Porto. Por outro lado, é um protesto que não prejudica as aulas porque normalmente acontece a um sábado”, ou, em alternativa, num dia em que esteja agendada uma greve, refere o professor.

Mesmo sem grandes expectativas, pressão sobre o Governo vai continuar

Em nenhuma das quatro estruturas ouvidas pelo Observador há grande esperança sobre o que o Governo de António Costa possa vir a fazer em relação às reivindicações dos professores. O mesmo não é sinónimo de dizer que este será um ano letivo sem protestos.

“O primeiro-ministro está a fazer uma birra com os professores”, diz Júlia Azevedo e, por isso, acredita que é importante “passar um cartão vermelho” ao Governo e “à cisma” de António Costa com os docentes.

Mário Nogueira também fala da importância de se manter a pressão, mesmo que a história de reivindicações passadas lhe tenha mostrado que, o mais provável, é só se conseguir chegar a acordo com o Governo que suceder ao de António Costa. “Há uma obstinação do primeiro-ministro em relação aos problemas dos professores”, diz o sindicalista, recordando que a única vez que Costa ameaçou demitir-se em oito anos de governação foi quando o tempo congelado esteve quase a ser devolvido aos professores graças a uma coligação negativa na Assembleia da República.

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“Não acreditamos que seja possível recuperar o tempo com este Governo, a não ser que houvesse muita pressão, não só dos professores”, acrescenta Nogueira, mas também da opinião pública e de outros partidos políticos. Nesse caso, talvez António Costa cedesse e os professores recuperassem os 6 anos, 6 meses e 23 dias.

Quando olha para o Orçamento, Pedro Barreiros vê a ausência de uma linha sobre as carreiras como uma “desconsideração” em relação aos esforços de Marcelo Rebelo de Sousa, que tentou que o Governo mantivesse em aberto a hipótese de negociar esta questão. “As declarações do primeiro-ministro fecharam as janelas que o Presidente da República tentou deixar abertas”, acrescenta o líder da FNE, recordando que o tempo congelado não é o único assunto a discutir e há outros “tão importantes quanto este para se poder garantir que os alunos têm todas as aulas e que as têm com qualidade”.

Sobre o Orçamento do Estado, tanto Mário Nogueira como Pedro Barreiros lembram que a fatia que vai para a Educação continua a estar abaixo dos 6% do PIB, valor que é visto como aceitável pelas diretrizes internacionais para o setor. De resto, nem a medida que foi vista como mais favorável para os professores — os apoios para pagar rendas de casa, mediante uma série de condições — é vista como suficiente.

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“Está muito por explicar sobre essa medida e não queremos apoios deste tipo. O único apoio que queremos são salários que permitam aos professores fazer face às despesas que têm, que lhes permitam pagar uma casa, combustível, o que for”, defende Pedro Barreiros.

Já Mário Nogueira lembra que está cansado de ver “ideias” em Orçamentos de Estado e ouvir promessas que nunca se concretizam, como o regime especial para educadores e professores de 1.º ciclo prometido por António Costa em 2018 e que até hoje não avançou. Ou como quando o primeiro-ministro, no arranque das obras de requalificação do IP3, sugeriu que para avançar com aquela obra não haveria dinheiro para investir em carreiras — e nem a primeira foi concluída, nem as carreiras foram recuperadas.

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“Não tínhamos expectativas, mas olhamos para o OE e não tem investimento para as escolas. A despesa com pessoal é a que menos sobe entre todos os ministérios, 3,5%. Portanto, o Governo não está apostado em valorizar a profissão, nem resolver a falta de professores nas escolas. Só que este é um problema que já não é só dos professores, é de todas as pessoas, e de quem tem filhos sem professores. A única opção é manter a pressão sobre o Governo”, conclui Mário Nogueira.