Cansaço, febre, problemas de sono, inflamação, ansiedade… Os sintomas da Covid-19 longa não acabam e o mesmo acontece com as dúvidas sobre como combatê-la. Mas os especialistas parecem ter chegado perto da resposta. E tem tudo a ver com a hormona da felicidade.
A serotonina não é apenas uma fonte de gargalhadas, como pode ser também a solução mais eficaz para atacar a doença que afeta mais de 330 mil portugueses, também chamada pós-Covid — reconhecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em outubro de 2021 —, caracterizada pela permanência dos sintomas provocados pelo vírus SARS CoV-2, mesmo após o final da infeção.
Um estudo publicado esta segunda-feira na revista Cell, por um grupo de investigadores da Universidade da Pensilvânia (EUA), revela que a redução de serotonina está diretamente ligada aos restos de vírus que permanecem no intestino — responsável por produzir 95% desta hormona. Tal perturba a comunicação entre as células nervosas do intestino e do cérebro, dando origem a outros problemas, como a perda de memória e decadência neurológica e cognitiva.
Esta descoberta foi alcançada após a análise ao sangue e às fezes de 58 pacientes com sintomas de Covid-19 durante três a 22 meses após a infeção, de 30 outros sem quaisquer sintomas pós-Covid e de 60 que estavam ainda na fase inicial da doença. Os especialistas chegaram à conclusão de que não só a serotonina como outros metabólicos foram alterados após a infeção, como também a dita hormona da felicidade foi a única que não voltou aos níveis iniciais.
Este vai ser, então, o caminho a seguir pelos investigadores: vão tentar perceber se a Covid longa deve ser combatida através de medicamentos que aumentem a serotonina, o que até pode levar à resolução de outros problemas, como restos persistentes do vírus, inflamação, aumento da coagulação do sangue e disfunção do sistema nervoso autónomo.
“Todas estas diferentes hipóteses podem estar ligadas através da via da serotonina”, disse Christoph Thaiss, um dos principais autores do estudo e professor assistente de microbiologia na Faculdade de Medicina Perelman da Universidade da Pensilvânia, ao The New York Times.
O estudo revela que, quando testaram este tipo de medicamentos em ratos de laboratório — com sintomas semelhantes à Covid longa — estes recuperaram a memória.
Uma outra investigação, que ainda não foi devidamente verificada pelos pares, realizada para o National COVID Cohort Collaborative (N3C), no National Institutes of Health, provou que os pacientes que fizeram este tipo de tratamento no início da sua infeção, tiveram menos 25% de probabilidades de desenvolver Covid longo.
“Começar a tomar medicamentos que aumentam a serotonina antes do diagnóstico de Covid-19 pode ser eficaz na redução do risco de Covid longa”, disse o biólogo Hythem Sidky, que liderou o estudo, à National Geographic.
Os cientistas preparam-se agora para dar o próximo passo para descobrir a cura da Covid longa. Um novo ensaio clínico permite não só testar estes fármacos, como ajudar a perceber quais são os biomarcadores da doença — as mudanças biológicas que podem ser mensuradas para ajudar a diagnosticar a condição. Segundo Christoph Thaiss, este estudo revela três: níveis baixos de serotonina, restos virais nas fezes e o aumento de interferões (tipo de proteínas produzidas a partir de células, após a infeção por vírus).
Se aumentarmos a serotonina ou impedirmos a degradação da mesma, talvez possamos melhorar a memória e a cognição e assim por diante”, indicou Maayan Levy, uma das autoras principais e professora assistente de microbiologia na Faculdade de Medicina Perelman.