O Papa Francisco assumiu esta segunda-feira que não se encontra “bem de saúde” e, durante uma audiência com rabinos de toda a Europa, optou por não ler o discurso que tinha preparado para a ocasião.

De acordo com a Rádio Renascença, o Papa Francisco chegou esta manhã à audiência e limitou-se a dizer: “Agradeço a vossa visita, que me agrada tanto, mas acontece que eu não estou bem de saúde e, por isso, prefiro não ler o discurso, entrego-o a vós para que o levem.”

Segundo aquela estação radiofónica, Francisco disse estas palavras “com uma voz cansada”, acabando por não acrescentar qualquer comentário adicional.

Esta manhã, o Vaticano divulgou na sua página da internet o discurso integral que Francisco deveria ter lido perante uma delegação da Conferência dos Rabinos Europeus que visitou Roma esta segunda-feira.

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Numa breve nota citada pelo jornal italiano Corriere della Sera, o porta-voz do Vaticano, Matteo Bruni, explicou apenas que “o Papa Francisco tem uma pequena constipação e um longo dia de audiências”.

Bruni sublinhou também que o pontífice “tinha o desejo de cumprimentar individualmente os rabinos europeus, motivo pelo qual entregou o discurso”. “O resto das atividades do Papa prosseguem regularmente”, sublinhou o porta-voz do Vaticano.

Não houve, assim, qualquer alteração à agenda do Papa, que esta tarde, pelas 15h30, inclui um encontro com cerca de 7 mil crianças crianças de 84 países, em oração pela paz.

Discurso que o Papa não leu tinha apelo à “arte do diálogo”

No discurso que trazia preparado para ler perante a delegação da Conferência dos Rabinos Europeus, e que acabou por ser divulgado no site do Vaticano, o Papa Francisco faz um apelo à paz e ao diálogo.

“A minha primeira oração e o meu pensamento vão, antes de mais, para tudo o que aconteceu nas últimas semanas. Novamente, a violência e a guerra irromperam na terra abençoada pelo altíssimo, que parece continuamente assaltada pela vileza do ódio e pelo choque mortal das armas”, escreveu o Papa.

“A disseminação de manifestações antissemitas, que condeno fortemente, é também razão para grande preocupação”, acrescenta.

Recorrendo exclusivamente a citações do Antigo Testamento, especialmente dos profetas e dos salmos — textos que a tradição cristã partilha com a tradição judaica —, Francisco lembra que, “na escuridão do conflito”, os crentes no Deus único “olham para aquele a que o profeta Isaías chama ‘juiz entre as nações e árbitro para muitos povos'”.

“Ele acrescenta, quase como consequência do seu juízo, uma maravilhosa profecia da paz: ‘Das suas espadas forjarão relhas de arado e das suas lanças farão foices. Um povo não levantará a espada contra outro povo e não mais aprenderão a fazer guerra.’ Num tempo em que estamos a testemunhar violência e destruição, nós, os crentes, somos chamados a construir a fraternidade e a abrir caminhos de reconciliação para todos”, destaca o discurso do Papa.

“Não são as armas, não é o terrorismo, não é a guerra. É a compaixão, a justiça e o diálogo que são os meios adequados para construir a paz”, sustenta Francisco, vincando a importância da “arte do diálogo”.

“Os seres humanos, que têm uma natureza social e que vivem em contacto com os outros, encontram a sua realização pessoal na teia das relações pessoais. Neste sentido, a humanidade não é apenas capaz do diálogo, mas é ela própria diálogo. Situada entre o céu e a terra, é apenas no diálogo com o transcendente e com os irmãos e irmãs que nos acompanham que podemos compreender e amadurecer”, lê-se no discurso, que propõe um caminho de “busca pelo próximo, de aceitação e de paciência”, em vez de uma “paixão brusca pela vingança e a loucura do ódio amargo”.

Francisco com longo historial de problemas de saúde

Ao longo dos últimos meses, o estado de saúde do Papa Francisco tem sido notícia com frequência. Em março deste ano, esteve alguns dias internado no hospital depois de lhe ter sido diagnosticada uma bronquiolite viral. Três meses depois, em junho, voltou a ser notícia uma ida de Francisco ao hospital, para realizar exames.

Essa ida ao hospital resultou na necessidade de o Papa Francisco ser operado a uma hérnia intestinal, que o obrigou a cancelar a agenda durante cerca de duas semanas. No início do verão, chegou mesmo a especular-se: estaria a Jornada Mundial da Juventude de Lisboa em risco devido ao agravamento da saúde de Francisco?

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Na verdade, as fragilidades de saúde de Francisco já vêm de longe. Ainda durante a infância, no segundo ano letivo no seminário de Buenos Aires, Jorge Mario Bergoglio teve uma grave pleurisia — uma inflamação da pleura, que é a membrana que reveste os pulmões — que o deixou muito tempo num doloroso internamento hospitalar, incluindo cinco dias numa tenda de oxigénio. Nessa altura, teve ser operado aos pulmões: tiraram-lhe três quistos e uma parte do pulmão direito, o que deixou marcas em Bergoglio, ofegante ao mínimo esforço durante o resto da vida.

Bergoglio teria múltiplos problemas de saúde ao longo da vida, incluindo um estreitamento de uma artéria que causou problemas cardíacos, uma diverticulite que o levou a ser operado aos intestinos em 2021, dor ciática permanente e ainda uma osteoartrite no joelho que o tem levado a surgir várias vezes em público de cadeira de rodas.

Quando esteve em Lisboa em agosto deste ano, para a Jornada Mundial da Juventude, Francisco também protagonizou um momento em que não conseguiu ler um discurso até ao fim. Nessa ocasião, o Vaticano justificou a interrupção do discurso com “um problema de iluminação que lhe fazia reflexo nos óculos”.