A maioria dos partidos rejeita iniciar o processo no Parlamento que permita que Marcelo Rebelo de Sousa seja investigado no caso do alegado favorecimento das gémeas tratadas no Hospital de Santa Maria. Nos últimos dias, vários constitucionalistas alertaram que, após a dissolução do Parlamento, prevista para 15 de janeiro, os deputados vão deixar de ter condições para suscitar a ação que permite ao Supremo Tribunal de Justiça iniciar um processo de investigação ao Presidente da República. Mas, de qualquer forma, não haveria uma maioria — e muito menos de dois terços — para o fazer.

Após a Rádio Observador contactar todos os partidos com assento parlamentar, PS, PSD, IL, PCP e Livre afastaram a possibilidade de solicitar ao Supremo Tribunal de Justiça que investigue o alegado favorecimento do Presidente. Mesmo o Chega rejeita essa solução enquanto decorrer o processo na Inspeção Geral das Atividades em Saúde. Só o PAN e o Bloco de Esquerda não responderam ao Observador, mas esses partidos — mesmo que quisessem — não teriam força para suscitar o processo e muito menos para o aprovar (têm, juntos, apenas cinco deputados).

De acordo com a Constituição, no seu artigo 130.º, por “crimes praticados no exercício das suas funções, o Presidente da República responde perante o Supremo Tribunal de Justiça”. No entanto, no segundo ponto desse artigo, fica claro que “a iniciativa do processo cabe à Assembleia da República, mediante proposta de um quinto e deliberação aprovada por maioria de dois terços dos deputados em efetividade de funções.” Ou seja, seriam necessários 46 deputados para formular a proposta e 154 para a aprovar. O que, de acordo com o que os partidos responderam ao Observador, está muito longo de acontecer.

Para que haja uma maioria de dois terços é necessário um acordo, desde logo, entre PS e PSD, que, juntos, têm 197 dos 230 deputados. Ao Observador, fonte da bancada do PS foi clara a afastar essa possibilidade: “Nós não somos o Ministério Público e, por isso, não nos queremos sobrepor à justiça”. A mesma fonte, confrontada com o facto de só o Parlamento poder suscitar o processo, respondeu de forma clara. “Isso está fora de questão

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Também Miguel Santos, vice-presidente da bancada do PSD, considerou no programa Direto ao Assunto, da Rádio Observador, que o “Presidente prestou todos os esclarecimentos sobre a intervenção que teve dentro da solicitação que respondeu e o encaminhamento que fez para o Governo”. E acrescenta, tirando o foco do Presidente: “Neste momento, os esclarecimentos por parte do Governo é que são pouco claros e pouco transparentes.”

Caso gémeas. “PSD não pondera pedido ao Supremo”

Mesmo o Chega, que é o partido mais crítico da ação do Presidente (neste e noutros casos), afasta a hipótese de o Presidente ser investigado “pelo menos para já, enquanto decorre o inquérito da IGAS”. A Iniciativa Liberal também não está disponível para suscitar um processo contra o chefe de Estado no Parlamento. Em entrevista ao programa Vichyssoise, da Rádio Observador, o líder parlamentar da IL considera que “o Presidente da República ou o cidadão Marcelo Rebelo de Sousa, porque chamou a imprensa para dar aquela declaração num espaço inusitado, deu os seus esclarecimentos.” Questionado sobre se ficou satisfeito com essas justificações, Rodrigo Saraiva respondeu: “Como alguém disse ontem, temos que acreditar na palavra da pessoa que está Presidente da República”.

“Há muitas pessoas que não votariam na IL se fosse coligada com o PSD”

Rodrigo Saraiva afirmou ainda que, “independentemente daquilo que o Presidente da República disse, houve uma interferência, houve uma interferência de alguém superior, de alguém político, e é isso que é preciso esclarecer — por isso é que nós fizemos este requerimento, o PS chumbou, fizemos um potestativo.” E acrescentou: “A confiança dos portugueses nas instituições ficou abalada. Qual é a única forma de recuperar, de restituir, de recuperar a confiança dos portugueses nas instituições? É com esclarecimentos, com transparência.”

Já fonte da bancada do PCP também disse ao Observador que não se ia “meter em questões de decorrem na justiça, menos ainda que digam respeito ao Presidente”. O Livre, através do deputado único Rui Tavares, também afastou a hipótese: “Nós confiamos na justiça e no inquérito que está a decorrer e por isso não vou entrar por aí.

Até 15 de janeiro, e depois de o Parlamento tomar posse já com a composição que decorrer das eleições de 10 de março, a Assembleia da República pode iniciar o processo relativo ao Presidente da República. Apesar de haver condições legais neste período, não há vontade política. Marcelo está, assim, a salvo de um processo judicial. Pelo menos enquanto a atual composição parlamentar se mantiver.