O bispo de Leiria-Fátima, José Ornelas, afirmou, esta terça-feira, que é contra as cunhas, mas se salvarem vidas, “não fazem mal a ninguém”, referindo-se às duas gémeas luso-brasileiras tratadas no Hospital de Santa Maria, havendo suspeitas de favorecimento.

“Sou totalmente contra as cunhas, mas cunhas que salvam crianças, não fazem mal a ninguém. Não é por aí que enferma o SNS [Serviço Nacional de Saúde], não é por aí que enferma a corrupção. Antes fosse”, disse em conferência de imprensa de apresentação da sua mensagem de Natal.

José Ornelas abordou esta caso dizendo que gostaria de ver “neste Natal contada a história bonita” do salvamento das duas crianças. “Da parte dos comentários que tenho ouvido, são poucos os comentadores que têm falado das duas meninas. No Natal, é uma história bonita para contar”, disse.

José Ornelas prosseguiu: “Eu gostava de contá-la assim: Havia duas meninas que estavam a ponto de morrer, não tinham salvação. Então, ouviram dizer que havia médicos e havia um tratamento que podia salvá-las. E o que é que eles fizeram? Foram a tudo. No Serviço Nacional de Saúde, marcavam lhe consulta para daqui a um ano. Mas houve gente que se apressou. Fosse quem fosse, não interessa. Se isso é ser corrupto, aqueles que ajudaram, então eu também quero ser corrupto“. Sublinhou, ainda, que “estas meninas desapareceram das notícias para ficar tudo aquilo que foi à volta, como se isso fosse o mais importante”.

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O caso duas crianças gémeas residentes no Brasil que entretanto adquiriram nacionalidade portuguesa e vieram a Portugal em 2019 receber o medicamento Zolgensma para a atrofia muscular espinhal, com um custo total de quatro milhões de euros, foi divulgado pela TVI, em novembro. O assunto está a ser investigado pela Procuradoria-Geral da República (PGR), pela Inspeção-Geral das Atividades em Saúde (IGAS) e é objeto de uma auditoria interna no Hospital de Santa Maria. Marcelo Rebelo de Sousa, que já entregou documentação à PGR sobre o assunto e confirmou que o seu filho o contactou sobre a necessidade de tratamento das crianças, negou ter tido qualquer intervenção no processo.

Bispo avisa para risco de apatia quando se exige “capacidade crítica” contra manipulação

O bispo de Leiria-Fátima manifestou-se também preocupado para o risco de apatia na sociedade, numa altura em que se exige “uma capacidade crítica, fundamental para desconstruir as manipulações”. Na sua mensagem de Natal, José Ornelas alertou para a “corrupção e a manipulação de informação e de poder, levando ao descrédito das instituições públicas”, fazendo com que seja “muito fácil cair na resignação e na apatia individualista, bem como no radicalismo da violência armada ou do desvario manipulador e populista de ocasião”.

Esta situação leva, segundo o prelado, ao abstencionismo, pelo que apela: “Se nós estamos num processo de discernimento político a nível nacional, precisamos muito da participação de todos, da participação lúcida, e também do direito das pessoas serem corretamente informadas pelos programas [partidários] e propostas de futuro, para que se possa escolher”.

Para José Ornelas, é imperioso que os cristãos votem nas próximas eleições legislativas. “Acho que o povo português tem manifestado maturidade muito grande também em termos eleitorais. O que mais me preocupa é a abstenção. E tenho repetido muitas vezes: um cristão não se abstém. Pode cometer erros, mas abster-se é que não. A abstenção é deixar que outros pensem por nós”, disse o também presidente da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP).

“Não tenho um país ideal, mas tenho um país de que gosto e cujo futuro me preocupa. E é por isso mesmo que estou lá [nas urnas, no dia das eleições], na medida em que tenho de participar. Nem que fosse pôr meu voto em branco, mas eu ia lá. Ia dizer, eu estive aqui e não encontrei espaço. Mas venho cá para dizer que estou cá. E isto é muito importante”, acrescentou.

Na conferência de imprensa de apresentação da sua mensagem de Natal, o bispo de Leiria-Fátima comentou, também, a decisão anunciada na segunda-feira pelo Vaticano, de autorizar a bênção de casais de pessoas do mesmo sexo, mantendo a oposição ao casamento.

Para José Ornelas, o que foi dito “não foi nada de novo”, pois a “missão da Igreja é, precisamente, abençoar”. O próprio Jesus “veio a mundo para salvar e não condenar”, disse o bispo, acrescentando que “oferecer a bênção de Deus é para todos” e que “ninguém pode ser discriminado”.

Lembrou, também, que o Vaticano explicitou que a bênção não é um casamento e deu a orientação de que os padres “não façam [a bênção] como se estivessem a fazer um casamento, procurem tirar toda a conotação [de casamento]”.

Ornelas apela à mudança de mentalidades que possa gerar justiça e paz

José Ornelas alertou igualmente para a necessidade de mudança de mentalidades que “gere atitudes transformadoras e geradoras de um futuro diferente” de mais justiça e paz.

Durante a mensagem de Natal, José Ornelas comparou o que se passava na Palestina no tempo do Profeta Isaías (cerca de 700 anos antes de Cristo) com a situação atual no território, com o ambiente de guerra a dominar. “Apenas difere no monstruoso incremento do poder destruidor da indústria letal da guerra de que dispõe o mundo” na atualidade, considera o também presidente da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), que chamou também a atenção para “a devastação da Ucrânia, do Iémen, do Sudão e a de tantas outras guerras, discriminações e injustiças”.

Este panorama agrava, segundo José Ornelas, “a situação de pessoas e famílias (…), que sofrem as consequências destes e de outros conflitos e desmandos”.

Também “a corrupção e a manipulação de informação e de poder, levando ao descrédito das instituições públicas”, fazendo com que seja fácil “cair na resignação e na apatia individualista, bem como no radicalismo da violência armada ou do desvario manipulador e populista de ocasião”, preocupam o bispo de Leiria-Fátima.

Neste capítulo, o prelado considera que neste Natal é tempo de “acender a luz da esperança possível, de vencer os desertos da incredulidade e da comodidade, de participar ativamente na construção de um mundo mais humano, mais justo e em paz, mesmo a custo das distâncias a percorrer, das dificuldades e medos a vencer, das manipulações e derrotismos a superar”.