O presidente do PSD elege Cavaco como “referência política maior” e diz ter com Passos Coelho “uma grande relação de trabalho”, num livro em que se aponta a eutanásia como “a gota de água” que distanciou Montenegro do ex-primeiro-ministro.
“Tenho uma amizade muito antiga com o Dr. Marques Mendes (…) Tenho uma grande relação de trabalho político com Pedro Passos Coelho. Acompanhei e apoiei de perto Durão Barroso e o próprio Pedro Santana Lopes; mas a minha referência política maior é mesmo o professor Aníbal Cavaco Silva“, afirma Luís Montenegro, no livro da autoria do jornalista do Observador Miguel Santos Carrapatoso.
Na obra “Na cabeça de Montenegro“, o autor considera que a transição do presidente do PSD de “ponta de lança do passismo para símbolo no neocavaquismo” foi consumada no último Congresso extraordinário do PSD, em que Cavaco Silva foi o convidado-surpresa.
“Foi aquele que me despertou mais para a vida política, foi aquele que me impôs mais pensamento, mais reflexão. Acho que o projeto dele foi o único, verdadeiramente, que teve um principio, um meio e um fim”, refere Montenegro.
Montenegro irrita passistas. “Vai comer o pão que o diabo amassou”
No livro, que faz parte de uma trilogia editada pela Zigurate — com títulos também sobre o secretário-geral do PS, Pedro Nuno Santos, e o presidente do Chega, André Ventura, nas livrarias no início de fevereiro — analisa-se o processo de distanciamento do atual líder em relação ao antigo primeiro-ministro Pedro Passos Coelho.
“O afastamento foi progressivo, mas houve um momento definidor”, refere o autor, que relata que até foi Passos Coelho quem se disponibilizou para ir à primeira Festa do Pontal da era Montenegro, depois de ter recusado aparecer no congresso da entronização, no verão de 2022.
Os dois continuaram a “falar com regularidade” e encontravam-se em eventos públicos e privados, mas “tudo começou a mudar em 8 de dezembro de 2022”, quando Passos escreve um artigo no Observador sobre a despenalização da eutanásia.
Nesse texto, pressiona a direção do PSD a ter “uma posição clara sobre o tema” e lamenta que não se assuma a revogação da despenalização da eutanásia como uma prioridade de uma futura maioria de direita.
Montenegro assumiria em público “discordar completamente” do seu antecessor, uma reação que, segundo o livro, “deixou transtornado” Passos Coelho.
“O facto de Luís Montenegro ter aproveitado uma discordância (legítima) para fazer, aos olhos de Passos, uma prova de vida enquanto líder do PSD, um meio para matar o pai político, ofendeu-o profundamente. Foi a gota de água. Dali em diante, a relação entre os dois jamais seria a mesma”, conta-se.
Outra discordância apontada no livro entre ambos foi a estratégia de Montenegro de traçar um cordão sanitário à volta do Chega, o que Passos considera ser “uma cedência à agenda da esquerda”, que alienará “eleitores essenciais para o partido e pode conduzir o PSD à total irrelevância política”.
Sobre este partido, refere-se no livro que Montenegro nunca contou com o Chega para alianças e “tem a profunda convicção de que André Ventura nunca ousará impedir um governo social-democrata de tomar posse, mesmo ficando fora dele”, porque seria penalizado na eleição seguinte.
Num capítulo intitulado “A sombra”, o jornalista Miguel Carrapatoso relata que, no outono passado, muito antes de se pensar em legislativas antecipadas, Montenegro desconfiava de “um plano deliberado” para o desgastar, encabeçado por Miguel Relvas, a partir do seu comentário na CNN.
“A sombra de Passos Coelho estava tornar-se insuportável. Até que Montenegro decidiu agir”, refere o autor, que recorda a entrevista do líder do PSD à TVI/CNN, em outubro, em que anuncia que será recandidato à liderança do PSD após as europeias, independentemente do resultado.
A obra conta que, por três vezes, Montenegro recusou ir para o Governo (com Santana Lopes e duas com Passos Coelho) por razões familiares e, sobre a sua relação com o Presidente da República, diz-se que “têm uma ligação muito mais próxima do que se poderia imaginar” depois de Marcelo Rebelo de Sousa ter apontado por várias vezes a falta de alternativa ao Governo de António Costa.
Na altura mais crítica da coabitação, o líder do PSD terá mesmo dado ordens internas para que “os ataques cessassem” a Belém.
No livro, relata-se o percurso político de Luís Montenegro desde a liderança da JSD de Espinho até ao momento atual, passando pela sua liderança parlamentar e a tentativa falhada de derrubar Rui Rio logo em 2019, que Montenegro assume agora que foi “um grande erro” e uma ingenuidade.
A amizade e o afastamento com Joaquim Pinto Moreira — que teve como sócio no escritório de advogados em Espinho o atual líder da IL Rui Rocha —, as polémicas sobre a ligação à Maçonaria (mantém que nunca foi membro formal) ou a abertura do inquérito do Ministério Público aos benefícios fiscais da sua casa são outras etapas do percurso de Montenegro abordados na obra, que fecha com “o risco” maior para o político social-democrata.
“Talvez nenhuma outra decisão tenha sido tão arriscada como quando disse que só seria primeiro-ministro se ganhasse as eleições”, refere o autor, que acrescenta que na direção mais restrita do PSD “lamenta-se profundamente que o tenha dito”.
Ainda assim, os mais próximos de Luís Montenegro asseguram que “o líder social-democrata nunca voltará atrás com a palavra dada”.