Frente a frente, André Ventura e Mariana Mortágua usaram todos os temas do debate para se digladiarem num tom muitas vezes aceso e assente em interrupções constantes. A coordenadora do Bloco de Esquerda explicou a história da avó, trouxe para a discussão os financiadores do Chega e André Ventura respondeu com uma acusação sobre o Bloco ter (tido) terroristas nas suas listas, o que serviu como efeito ricochete.
Sem qualquer ponto de acordo em todo o debate, as investidas começaram logo no tema dos vistos gold, quando Mortágua acusou Ventura de querer reintroduzir o mecanismo que descreveu como uma “porta aberta para a corrupção”. Mas não se ficou por ali e assegurou que há “interesses imobiliários” e que acionistas privados da TAP financiam o Chega e que, por essa razão, “as propostas do Chega vão ao encontro desses interesses”.
André Ventura não negou a questão dos financiadores, sublinhou que estes são públicos, mas devolveu com acusações de “hipocrisia e cara de pau” a Mortágua, recordando o caso de Ricardo Robles (“não fui eu que tive um vereador que vendia casas ao triplo dos preços”) e mais tarde o de Catarina Martins, ex-coordenadora do Bloco de Esquerda, por ser dona de um alojamento local.
Ainda no tema da habitação, Mariana Mortágua insistia que as propostas do Chega “defendem milionários e especulação” e André Ventura assegurava que tem apoiantes de todas as claques e que é um “disparate comunista” o partido querer atacar a economia através do alojamento local. Por um lado, Ventura ainda relembrou que o Bloco de Esquerda votou contra medidas do Chega para aumentar as penas dos crimes de corrupção e Mortágua retribuiu para dizer que “a palavra offshore aparece zero vezes no programa do Chega” e que “o problema não são as penas”, mas a capacidade de encontrar o dinheiro habitualmente escondido em paraísos fiscais.
O debate subiu de tom quando a líder bloquista apontou o dedo ao adversário por ter nas listas “como número 2 um dirigente da principal organização terrorista em Portugal, que fez 600 atentados e foi responsável pela morte do Padre Max”. Foi o próprio André Ventura que esclareceu que Mortágua se estava a referir a Diogo Pacheco Amorim, da direção de Ventura e número dois pelo Porto, e assegurou que “nunca foi condenado”. Num primeiro momento, o presidente do Chega pediu que Mortágua se acalmasse, mas voltou ao ataque para dizer que se “orgulhava de não ter terroristas nas listas” e acusou o Bloco de Esquerda de ter “dois candidatos que foram condenados por terrorismo, foram assassinos”. Não deu pormenores, dizendo não ter ali os nomes — alvitrando apenas o nome de Abílio Neto — afirmou que pertenciam às FP-25. Poderia estar a referir-se a nomes que estiveram associados ao Bloco no passado, como Gobern Lopes, ex-dirigente das FP-25, que foi 7.º do Bloco de Esquerda a freguesia do Barreiro nas últimas eleições autárquicas, ou a José Ramos dos Santos, que chegou a ser dirigente do Bloco de Esquerda, mas que se desfiliou entretanto. Mariana Mortágua desmentiu: “Isso é falso. Não tenho nenhum candidato condenado por terrorismo.”
Seguiu-se o tema da imigração, com Ventura a reiterar que esta precisa de ser “regulada e controlada” e com acusações ao Bloco, desde logo por ter levado a que o Governo extinguisse o SEF e depois por ter colaborado com os vistos da CPLP. Defendendo quotas com base naquilo que as empresas precisam, Ventura sugeriu que a imigração pensada pelo Bloco de Esquerda existe porque “Mariana Mortágua quer criar país da estação do Oriente“, proporcionando que os imigrantes cheguem sem condições.
A coordenadora do Bloco de Esquerda assegurou que a única imigração descontrolada é a clandestina e defendeu que a política que o Chega pretende “significa o caos em Portugal, na agricultura, nas pescas, nos lares, na construção”, já que “há imigrantes porque há necessidade de trabalho imigrante”. E provocou André Ventura: “Alguém defende que uma grávida que trabalhe em Portugal vá a um hospital? Essa é a política do ódio e da violência, um incentivo à imigração descontrolada” — que viria a dizer que não se deve fechar a porta do hospital, mas que também não se deve permitir a toda a gente que “venha a Portugal ter filhos”.
O líder do Chega acusou Mortágua de pertencer “à esquerda queque e fina” que é “malta que vive no Príncipe Real” e acha que “as pessoas dos subúrbios é que têm de lidar” com a imigração e usou o tema da imigração para uma provocação: “A imigração é como a história do despejo da sua avó que não podia ter sido despejada” — uma referência à história que Mariana Mortágua contou sobre a avó, que disse ter estado em sobressalto por causa da lei Cristas e da sua casa arrendada.
Desta vez, Mortágua quis repor a verdade, já depois de ter sido questionada sobre o tema e de ter optado por não particularizar. “Eu não minto“, garantiu, explicando que a avó “tinha 80 anos quando ficou a saber que aos 85 a renda podia saltar”. Ventura assegurava que era impossível, a não ser que houvesse um fenómeno “sobrenatural”, a avó de Mortágua ter menos de 65 anos, acusando-a de contar uma história que é uma “uma grande treta”.
O tema da ideologia de género viria a debate, com Ventura a fazer uma distinção entre ideologia e igualdade de género e a referir que houve uma junção “propositada” por parte do Governo e com Mortágua a acusar o adversário de estar “sempre com truques” e de na verdade querer acabar com apoios a mulheres vítimas de violência doméstica, incluídos no pacote que diz ser destinado à “ideologia de género”. “O Chega é uma ameaça a toda a política que quer proteger as mulheres vítimas de violência”, atirou, com Ventura a responder que é uma ameaça aos interesses do Bloco de Esquerda. E Mortágua aproveitou o balanço para acusar Ventura de ter propostas que implicam o despedimento de 67 mil professores, informação que o líder do Chega assegurou ser “falsa”.
Já no final do debate, questionados sobre cenários de governação, Mariana Mortágua esclareceu que o Bloco de Esquerda pretende “determinar a governação”, e “determinar soluções” e contribuir para um “país sem medo, onde as pessoas se respeitam, que quer e sabe acolher pessoas” contra um país em que acusa Ventura de querer “incutir medo e ódio“. Aliás, pouco antes já Mortágua tinha dito que está mais próxima de determinar uma próxima governação do que Ventura de “fazer um acordo com alguém a quem chama prostituta política”. “Ninguém se quer sentar ao seu lado por causa das suas posições xenófobas e racistas, nomeadamente sobre imigração”, afirmou. O líder do Chega, já mesmo a terminar, aproveitou a deixa da governação para acusar o Bloco de Esquerda de ser a “muleta do PS”.
O diálogo mais revelador
André Ventura: Há uma coisa de que me orgulho: é termos apoiantes ricos, pobres, de todas as classes. Sei que o Bloco tem poucos. Eu se fosse a Mariana não falava de especulação imobiliária. Não fui eu que tive um vereador que estava a vender casas da Segurança Social ao triplo do preço. Foi a Mariana, que estava ao lado dele e disse assim: “Ricardo Robles já explicou tudo o que tinha a explicar. Defende a sua posição”. Ó Mariana Mortágua, um bocadinho de vergonha. Chama-se não trazer assuntos que podem voltar para trás. (…) Chama-se a isso hipocrisia e cara de pau. Mas já que quer falar sobre isso vamos até ao fim. A lista de financiadores do Chega é pública. Mas há um orgulho que temos: não temos terroristas nas nossas listas. Isso orgulho-me muito de não ter, terroristas apoiados e aprovados pelas listas do Bloco de Esquerda. E também me orgulho de não ter candidatos que andavam a ser vereadores da CML a comprar casas à Segurança Social e a vendê-las cinco vezes o preço. (…).
Mariana Mortágua: Eu conheço bem os seus truques. Eles não desviam é o debate do essencial: o Chega tem propostas que defendem a especulação imobiliária e recebe dinheiro de especuladores imobiliários que ganham dinheiro com a venda de vistos Gold. E é por isso que apoia os vistos Gold e benefícios fiscais à especulação, que são portas abertas à corrupção. (…) Mas já que me fala em terrorismo, não é o meu partido, é o seu, que tem como número dois um dirigente da principal organização terrorista em Portugal…
André Ventura: Isso é falso.
Mariana Mortágua: O MDLP, que fez 600 atentados, matou o Padre Max e matou uma jovem.
André Ventura – Diogo Pacheco de Amorim fez 600 atentados?
Mariana Mortágua: Para falar de terrorismo convém saber.
André Ventura: Tenha vergonha.
Mariana Mortágua:Acalme-se. Não pode ser acusar as outras pessoas e não gostar de ouvir a resposta. Tem como número dois um homem que pertenceu à principal organização terrorista em Portugal, responsável pelo assassinato do Padre Max, e tem de assumir essa responsabilidade. Tal como tem de assumir a responsabilidade sobre as suas propostas para a banca. (…)
André Ventura: O Diogo Pacheco Amorim nunca foi condenado por terrorismo, os seus candidatos foram.
Mariana Mortágua: Isso é falso. Não tenho nenhum candidato condenado por terrorismo.
André Ventura: Tem tem, tem de ver notícias, pelo menos dois candidatos foram condenados, eram das FP-25. Não tenho os números aqui agora, mas vá ver. (…) Sei que um deles se chamava Abílio Neto, foram seus candidatos.
Mariana Mortágua: Falso.
André Ventura: Eram assassinos, vocês dão-se bem com essa gente. Da próxima vez que quiser falar disso leia um bocadinho. Os seus foram condenados em tribunal. O Diogo Pacheco Amorim nunca foi condenado em tribunal nenhum.
Mariana Mortágua: Pertencia a uma organização terrorista. Matou um padre.