Ainda não era meia-noite nem os resultados eleitorais estavam todos contados, já o palco da CDU e as colunas que amplificaram o discurso de Paulo Raimundo estavam a ser desmontados. Sobravam cadeiras, que se esvaziaram numa questão de minutos, logo a seguir ao discurso de derrota do secretário-geral comunista. Uma metáfora para a noite eleitoral.
Raimundo tinha prometido ser a “surpresa da noite eleitoral”, ainda o sol não tinha nascido por cima dos estaleiros da Lisnave, no dia em que o Partido Comunista Português soprava as velas para assinalar os 103 anos de História. Mas a surpresa não veio.
As primeiras projeções conhecidas, ainda ao início da noite, davam a CDU a eleger pelo menos um deputado (e no máximo cinco). O salão do Sana Metropolitan, a poucas dezenas de metros da sede nacional do PCP, na rua Soeiro Pereira Gomes, reagiu gelado e apreensivo. As contas eram feitas em voz alta, os olhos estavam colados aos telemóveis para acompanhar a contagem de votos, ou de um caderno para o outro que serviam para alguns jovens discutirem os melhores e os piores cenários eleitorais.
Ao Observador, Rui Fernandes, membro da Comissão Política do Comité Central, dava o mote que acabaria por ser seguido em todas as intervenções. Apesar da redução do número de deputados e da perda de (mais) um bastião historicamente comunista – Beja, os resultados eram lidos de outra forma, vistos como um sinal de que “a CDU resiste”, apesar de ter sido tratada como “uma força que desaparece, que definha e que morre ou vai para outro planeta”. Mas já aí, o membro do Comité Central admitia: “Há uma conclusão coletiva que terá de ser tirada”.
A noite chegou a trazer consigo uma declaração surpresa de Vasco Cardoso, outro membro da Comissão Política do Comité Central aos militantes comunistas, que soltou o primeiro sinal de vida da plateia. À medida que se desenhava uma vitória da Aliança Democrática, a CDU afinava a estratégia para “enfrentar a direita”.
Mas os aplausos duraram pouco. “Não elegemos em Beja? Já acabaram de contar?” eram alguns dos comentários trocados em surdina por jovens perto da fila da frente. “O Chega” é outra das palavras que mais está na ponta da língua dos militantes comunistas, o partido de André Ventura elegeu em Évora e em Beja.
O copo meio cheio no discurso de Raimundo: “a CDU resiste”
O silêncio da sala no Sana Metropolitan foi interrompido apenas uma vez. Quando Paulo Raimundo entrou na sala. Foi aplaudido de pé por todos os comunistas presentes, sem exceção. Comparada, até a entrada de Jerónimo de Sousa passou despercebida, quando o antigo secretário-geral do PCP entrou por uma outra porta para tomar um lugar que, ao contrário de todos os outros, não estava identificado.
Frente a caras conhecidas, como Jerónimo de Sousa, João Ferreira e Heloísa Apolónia, Paulo Raimundo admitiu o óbvio: que a queda do número de deputados era “um resultado negativo” e foi rápido a encontrar uma justificação: a “hostilidade e uma prolongada falsificação” dos seus posicionamentos. E sem nunca referir a guerra na Ucrânia, o líder comunista acusa a opinião pública de ter ficado a discutir “durante meses, uma posição que o PCP nunca teve sobre esta ou aquela matéria”.
“Olhos nos olhos, como tenho dito. O PCP e a CDU não abdicarão nem um minuto, nem um centímetro na intransigência da defesa da paz.” Esta foi uma das frases de Raimundo que mereceu um dos maiores aplausos da noite e por gritos de: “Paz sim! Guerra não! Paz sim! Guerra não!”.
A guerra na Ucrânia nunca foi presença nos discursos de Raimundo durante a campanha eleitoral, mas acabou por entrar no da noite eleitoral. Ainda assim, nos últimos dias e a dramatizar o apelo ao voto, o secretário-geral do PCP pediu a confiança daqueles que “não concordam connosco em tudo”, garantindo que “o que nos une é muito mais forte que o que nos separa“.
Raimundo: “O que nos une é muito mais forte que o que nos separa”
E apesar de voltar a perder (quase) meio grupo parlamentar – a noite eleitoral da CDU foi dada como terminada ainda antes de a coligação saber que tinha eleito Alfredo Maia pelo Porto e António Filipe por Lisboa — Paulo Raimundo encontrou forma de avaliar o resultado como um copo meio cheio. Lembrou várias vezes as sondagens que passavam “a ideia de que a CDU ia desaparecer” e uma campanha “onde nos procuraram sempre mandar para baixo“, para concluir que afinal o “povo respondeu” e disse que a CDU “faz falta” na Assembleia da República. Ou seja, a permanência no Parlamento é uma vitória por si só.
A CDU tem perdido representação em todas as eleições desde a geringonça. Mas não vai mudar de estratégia. Pelo menos não é essa a intenção do secretário-geral do PCP que encontra como única solução “fazer o que faz todos os dias”, ou mais precisamente reforçar o que faz todos os dias. “Em vez de chegar a uma empresa, temos de chegar a três. Em vez de chegar a um centro de saúde, temos de chegar a quatro”. O PCP reconhece que precisa de “fazer melhor”, mas sem mudar nada.
Estamos disponíveis, já amanhã. Lá estaremos. Em melhores ou piores condições para continuar a luta. Gostaríamos de estar em melhores condições, mas são as (condições em que) estamos”.
Em noite de vitória da Aliança Democrática, Paulo Raimundo disparou também à direita. O secretário-geral do PCP prevê que as discussões de eventuais entendimentos entre a AD, a IL e o Chega vão “preencher o debate mediático”, mas alerta que essa discussão “nada deve iludir o que o projeto da AD constitui por si só“, um projeto de “agravamento da vida do povo e de degradação de serviços públicos”. E culpa o PS pela emergência da direita. “A confirmar-se, o resultado da AD é inseparável das opções de governação do PS.” Paulo Raimundo acusa o Partido Socialista de gerar “legítimo descontentamento” durante os anos de maioria absoluta, que “favoreceu o discurso demagógico, nomeadamente do Chega”.
O Chega, de resto, foi quase um não-tema para o secretário-geral. Apesar de em Beja, a CDU ter sido ultrapassada por dois partidos de direita, a AD e o Chega, Paulo Raimundo rejeita que haja transferência de votos do PCP para o Chega. “Afirmei e volto a afirmar: não há nenhuma possibilidade de haver transferência dos nossos votos para o Chega.” Em Beja, para o secretário-geral, a CDU “aguentou fundamentalmente” os seus votos, mas houve outras forças que cresceram.
Em duas eleições seguidas, a CDU perde boa parte do grupo parlamentar
Em 2022, António Filipe (que em 2024 concorreu por Lisboa e foi eleito) foi a cara de uma das maiores derrotas da CDU — no ano da maioria absoluta do PS, os comunistas não conseguiram eleger qualquer deputado por Santarém. Em 2022, João Oliveira, apesar de ser líder da bancada parlamentar comunista, também falhou a eleição em Évora, onde a CDU voltou a não eleger nestas eleições.
Em 2024, a CDU acrescenta Beja (e ficou muito longe, apesar das apostas em Bernardino Soares e Alma Rivera de recuperar qualquer um dos bastiões perdidos há dois anos) e João Dias à lista dos apagões. O deputado comunista foi a cara de uma das maiores derrotas dos comunistas nestas eleições. Em Beja, a CDU ficou atrás do PS, do PSD e também do Chega, e pela primeira vez desde o 25 de abril ficou de fora dos mandatos, num distrito em que foi a principal força política até 1995.
Até a eleição de Paula Santos (número 1 por Setúbal) e a de Paulo Raimundo (número 1 por Lisboa) passaram despercebidos. O otimismo que o secretário-geral comunista tentou imprimir na campanha não se traduziu em votos. Paulo Raimundo nunca comentou sondagens (que colocavam o PCP em risco de ficar fora do Parlamento) por “condicionarem muito e acertarem pouco”, mas, contados os votos, todas as metas que o secretário-geral traçou falharam: recuperar os deputados que foram perdidos em 2022, voltar a colocar o PEV no Parlamento e recuperar bastiões como Évora e Santarém.
Em 2022, a coligação que junta o PCP ao PEV conseguiu seis deputados e 238 mil votos. Foi uma derrota histórica, perdeu bastiões, metade do grupo parlamentar e quase cem mil votos. Em 2024, a CDU ficou-se por quatro deputados e por pouco ultrapassou os 200 mil votos. Paulo Raimundo e António Filipe por Lisboa, Paula Santos por Setúbal e Alfredo Maia pelo Porto foram os únicos eleitos. Voltou a perder um terço do grupo parlamentar.