O comissário europeu para Gestão de Crises, Janez Lenarcic, admite que as alterações climáticas vão “ser cada vez mais uma causa de crise humanitária” em África, nomeadamente em territórios com conflitos, como a província moçambicana de Cabo Delgado.

“As maiores crises em África são bem conhecidas: o Sudão, o Sahel, a República Democrática do Congo no leste do país, Moçambique no norte, especialmente na região de Cabo Delgado, a Somália ou o Corno de África. A maioria destas crises devem-se a conflitos, mas alguns dos conflitos são também alimentados pelas alterações climáticas”, afirmou Janez Lenarcic, em entrevista à agência Lusa e a outros meios europeus em Bruxelas.

Antecipando o Fórum Humanitário Europeu, que decorre em Bruxelas na segunda-feira e terça-feira para arrecadar doações para ajuda humanitária, o responsável precisou que “as alterações climáticas são um fator agravante e multiplicador de crise, que se junta à fragilidade dos países e das comunidades e agrava a situação humanitária”.

“Este é o caso de Cabo Delgado, em Moçambique. Nos últimos anos, Moçambique tem sido afetado por repetidos ciclones tropicais, algo que não acontecia com tanta frequência no passado e que aponta claramente para uma possível ligação com as alterações climáticas, por isso acreditamos que as alterações climáticas vão aumentar e ser cada vez mais uma causa de crise humanitária”, declarou Janez Lenarcic, em resposta a uma questão da Lusa.

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Precisamos de paz em Cabo Delgado“, acrescentou o responsável, apontando que, apesar de a União Europeia (UE) avançar com ajuda humanitária para alimentos, água e cuidados de saúde, só a estabilidade permitirá atenuar os efeitos climáticos.

Quando se estima que quase 300 milhões de pessoas em todo o mundo necessitem de assistência humanitária, a UE adotou um orçamento humanitário anual de mais de 1,8 mil milhões de euros para 2024, com mais de metade destas verbas a serem destinadas a África.

“África continua a ser o continente com a maior parte das crises humanitárias com que lidamos”, reconheceu Janez Lenarcic.

Do “bolo” total, a Comissão Europeia destina cerca de 346 milhões de euros para as populações da África Oriental e Austral afetadas por conflitos de longa duração na região dos Grandes Lagos, bem como as pessoas deslocadas devido a fenómenos meteorológicos extremos e a conflitos armados no Sudão, Sudão do Sul, Uganda, Madagáscar, Moçambique e Corno de África (Jibuti, Etiópia, Quénia e Somália).

Além disso, a instituição aloca perto de 200 milhões de euros da UE para fazer face às consequências das deslocações forçadas, da insegurança alimentar, da subnutrição aguda e crónica, dos riscos naturais e das epidemias recorrentes no Sahel (Burquina Faso, Mali, Mauritânia e Níger), na República Centro-Africana e na bacia do Lago Chade (Chade, Camarões e Nigéria), que são alimentadas por conflitos, insegurança e alterações climáticas.

Moçambique é considerado um dos países mais severamente afetados pelas alterações climáticas no mundo, enfrentando ciclicamente cheias e tempestades tropicais durante a época chuvosa, que decorre entre outubro e abril.

A esta situação soma-se a insegurança, já que a província de Cabo Delgado enfrenta há sete anos uma insurgência armada com alguns ataques reclamados pelo grupo extremista Estado Islâmico.

Depois de uma ligeira acalmia em 2023, estes ataques multiplicaram-se nas últimas semanas.

Também nos últimos meses, registaram-se fenómenos climáticos extremos, que levaram dezenas de milhares de pessoas a abandonarem as suas casas.

No final do ano passado, as Nações Unidas apelaram à comunidade internacional para doar 413 milhões de dólares (cerca de 380 milhões de euros) para as necessidades humanitárias de Moçambique em 2024, mas até agora o país só recebeu 6% desses fundos dos doadores.