Dickie Arbiter terá sido uma das poucas pessoas a ter o privilégio de ser convidado para almoçar pela Rainha Isabel II e depois vê-la lavar a loiça. Durante anos foi porta-voz da antiga soberana e do então príncipe de Gales, o atual Rei, quando este era casado com Diana, a princesa de Gales. Em 1981 foi comentador na rádio e organizou parte da cobertura do mediático casamento do herdeiro com a jovem aristocrata. Anos mais tarde, em 1997, seria um dos responsáveis por organizar o funeral da princesa de Gales que tanto abalou o mundo e a própria família real. Passou de jornalista para o gabinete de comunicação do Palácio de Buckingham em 1988 e assumiu a gestão dos meios de comunicação social em inúmeros eventos. Quando em 2000 deixou as funções reais regressou ao outro lado das câmaras, como comentador. Em qualquer uma das suas funções as gravatas coloridas sempre foram uma imagem de marca e em 2014 escreveu um livro de memórias que foi publicado em Portugal, “Ao serviço de Sua Majestade” (editora Vogais).

Numa altura em que a família real vive uma crise de comunicação com Kate, a atual princesa de Gales como protagonista, atendeu em Londres a chamada do Observador, preparado para falar sobre o tema. Rejeitou a ideia de uma crise de comunicação, acredita que as teorias da conspiração começam fora da Europa e acredita que Kate vai regressar à vida pública no próximo domingo de Páscoa. A princesa de Gales, que não é vista de forma concreta desde o passado dia de Natal por ter sido submetida a uma cirurgia ao abdómen tem sido, ao longo das últimas semanas, a protagonista de uma série de especulações e teorias sobre o seu estado de saúde. Horas antes da nossa conversa, o jornal The Sun publicava uma notícia segundo a qual Kate e o príncipe William tinham sido vistos no sábado numa zona comercial perto do local onde vivem. Não há imagens por uma questão de respeito, mas há relatos de que a princesa aparentava estar bem. Não sabemos se será o fim de um novelo de teorias que se vem desenrolando há semanas e já vai longo e criativo. Mas interessa responder a algumas questões sobe o funcionamento da comunicação da realeza e saber como será o futuro próximo.

Dickie Arbiter preparado para fazer comentário em frente ao Palácio de Buckingham © Imagem retirada do site do próprio

A situação à volta da princesa de Gales tornou-se internacional. Porque é que acha que chegámos a este ponto de haver quase uma busca por Kate?
Bom, eu acho que a sua história foi ultrapassada. Não sei se viu o jornal inglês The Sun esta manhã. O William e a Catherine foram às compras no sábado ao Windsor Farm Shop, que fica a cerca de uma milha de onde eles vivem, na propriedade de Windsor. O Windsor Farm Shop é um espaço comercial público. Eles foram vistos lá e as pessoas comentaram como estavam relaxados e quão bem a Catherine estava. Em deferência pelos sentimentos deles e pelos pedidos por privacidade, ninguém tirou fotografias. É assim que os britânicos se comportam. Se vir as últimas declarações sobre ela [a princesa de Gales], sobre quão doente ela está, se ainda está viva, se ela e o William ainda estão juntos, de onde é que isto vem? Vem das redes sociais e eu até apontaria o dedo e diria que não são as redes sociais no Reino Unido. É em outro local do mundo e não é na Europa continental. Por isso, fica para si adivinhar de onde poderá vir.

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Acha que esta notícia pode acabar com as teorias da conspiração?
As teorias da conspiração vão sempre existir, não importa o que se faça, o que se diga, como se faça, como se apresenta. Estamos em 2024 e continua a haver teorias da conspiração em relação ao assassinato do presidente Kennedy em 1963, isso diz tudo. Haverá sempre teorias da conspiração, em particular no que toca à família real e, refinando ainda mais, no que toca a William e Catherine, os príncipes de Gales. É óbvio que não são apreciados numa determinada parte e não vou entrar em pormenores sobre onde será, mas eles não são certamente apreciados e qualquer oportunidade para lançar uma teoria da conspiração será exposta para que toda a gente possa ver nas redes sociais. E quando digo redes sociais, eu não ando no Facebook, por isso não sei de onde aparece lá, certamente aparece no Twitter [atual rede social X], com menos propagação no Instagram, mas o Twitter parece ser a plataforma perfeita.

Acha que alguma coisa falhou na estratégia de comunicação do Palácio de Kensington?
Não creio que alguma coisa tenha falhado. No que diz respeito à operação de Catherine, eles foram muito claros logo no início. Anunciaram no dia a seguir a ela ter sido submetida à operação, a qual foi planeada, que iria passar um período no hospital, que iria passar um período em casa a recuperar e que só vai aparecer depois da Páscoa. Isso deveria ser suficiente. Creio que no que toca a pormenores do que é a operação, isso tem de permanecer privado. Basta uma pesquisa no Google por operações abdominais para ver uma tabela que mostra qual o tempo de recuperação. As teorias da conspiração vão existir sempre. A família real costuma ir à igreja no domingo de Páscoa. É uma ótima oportunidade para fotografias e, pessoalmente, creio que ficaria surpreendido se o William e a Catherine não estivessem lá com o resto da família na igreja na Capela de St. George, em Windsor.

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Pensei que o anúncio do regresso depois da Páscoa seria precisamente porque não estaria nesse encontro de família.
Bom, ela esteve na Windsor Farm Shop no sábado, por isso está de pé e tem mobilidade. Está obviamente com bom aspeto, por causa dos relatos das pessoas que os viram. Demora a recuperar de uma operação abdominal. Há pessoas que não aceitam isso, mas essas pessoas são totalmente irrelevantes. Não têm nada melhor para fazer com as suas vidas, o que é muito triste.

O que ajuda a tornar esta questão ainda maior é o facto de a princesa de Gales estar a ser tão discreta em relação ao seu estado de saúde, enquanto o Rei, por seu lado, estar a ser muito aberto em relação ao seu.
Há uma boa razão para isso. O Rei é chefe de estado. Foi para o hospital para ser tratado a uma próstata aumentada. A próstata é um grande problema entre os homens e o Palácio de Buckingham foi muito sábio em anunciar isso porque há relutância nos homens, no Reino Unido há de certeza e creio que no resto do mundo também, em ir ao médico quando se acha que tem um problema. Obviamente quando trataram a próstata aumentada encontraram o cancro.

Anunciar que o Rei tem um cancro foi a medida certa a tomar porque o Rei tem três papéis. É chefe de Estado, chefe da nação e chefe da Commonwealth. Como chefe de estado tem deveres constitucionais e serei muito breve sobre eles. Os deveres constitucionais envolvem as caixas vermelhas do governo, documentos do governo e dos estados do reino onde ele ainda é chefe de estado e com os quais só ele pode lidar. Ele faz isso diariamente e, por vezes, recebe duas caixas vermelhas. Também tem audiências presenciais, por exemplo com o primeiro-ministro Rishi Sunak, com novos embaixadores e altos comissários e também está a atender às reuniões do Privy Council. O que ele não está a fazer é o seu papel de chefe da nação que é andar pelo país a encontrar-se com pessoas e comunidades. Isto é frustrante para ele porque sente que é parte do seu trabalho de chefe de estado. Era grande parte do seu trabalho como príncipe de Gales e ele gostava de estar com as pessoas. Mas, segundo conselhos médicos, ele não deve ir para grandes multidões porque há o risco de infeções.

Enquanto chefe da Commonwealth ele está em contacto com a Commonwealth constantemente. Há cerca de uma semana o primeiro-ministro australiano, Anthony Albanese, sugeriu que está prevista uma visita à Austrália para o final do ano. À Austrália pode-se adicionar a Nova Zelândia, porque não se vai a um sem o outro. Isto foi falado antes dele ir ao encontro de chefes de Governo da Commonwealth, que será em Samoa [um outro país na Oceânia], por isso é tudo na mesma área e faz sentido ir à Austrália e à Nova Zelândia antes de Samoa. Mas isso será para outubro e é possível que esteja bem depois dos seus tratamentos. Por isso era imperativo que anunciassem que [o Rei] tem cancro, porque não seria visto ao vivo pelo país. As pessoas no Reino Unido aceitaram isso, percebem o que é cancro. As pessoas já tiveram amigos ou familiares com um cancro. Hoje falamos disto de forma muito aberta, há 20 anos não era assim. É essa a diferença entre o cancro do Rei e a operação abdominal de Catherine, é muito privada.

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Dickie Arbiter com Diana, a princesa de Gales

Acha que esta foi uma grande crise de comunicação para a família real? 
Não acho que tenha sido uma crise de comunicação. É a nossa família real. Quando a antiga Rainha morreu, o Presidente Macron disse: “Para nós é a Rainha, para os britânicos é a vossa Rainha”. É um respeito saudável. Mas em certos locais, não há esse respeito. Não há um respeito de autoridade, se andarmos por alguns países vão mostrar-se contra a autoridade e o chefe de estado. Já o vimos no Reino Unido e em outros locais do mundo. Por isso acho que a comunicação foi correta. Não vai satisfazer toda a gente, mas eu acredito firmemente que com o decorrer do tempo vamos saber de que operação se tratou, porque Catherine, a princesa de Gales, vai provavelmente falar disso quando for a um evento. Não vai haver um anúncio de Clarence House a dizer o que ela teve para toda a gente publicar. Mas por agora, ela está a recuperar e quer manter as coisas assim, pessoais e privadas.

Qual acha que é a fronteira entre o que o público tem o direito de saber e o que os membros da realeza têm direito a manter privado?
Há uma escola de pensamento que diz: “Nós pagamos a vida deles, por isso temos o direito de saber”. Eu não acredito que tenham o direito de saber se alguma coisa é pessoal e privada, como uma operação, um assunto de saúde, se é uma ameaça à vida. Em 1948/49, quando George VI teve operações relacionadas com um cancro no pulmão, ninguém soube do que se tratava. Sabia-se que ele foi operado, mas o que era ninguém soube. Há uma atitude diferente em relação aos chefes de estado e aos monarcas hoje em dia. Evoluímos. Temos comunicação 24 horas, notícias 24 horas, notícias ao segundo e redes sociais. Mas indiretamente nós não pagamos a vida deles. O príncipe e a princesa de Gales são financiados pelo ducado da Cornualha que é uma organização comercial. Não é um salário, mas a forma de gerirem a sua fundação, Prince and Princess of Wales, PLC Incorporated.

O dinheiro do Rei vem da Sovereign’s Grant [que se pode traduzir por Subvenção do Soberano] que é uma questão complexa. Não temos agora, mas basicamente, os bens da Coroa [que se refere em inglês a Crown Estate]pertence ao soberano. No reinado de George III, em 1760, o governo estava constantemente a pedir dinheiro ao Rei e este fez um acordo com o governo, cedendo os bens da coroa, recebendo em troca dinheiro para gerir o seu gabinete. Assim ficou. Em 2012 os bens da coroa  davam dinheiro ao soberano através do Tesouro, 15% dos lucros. [A coroa] é uma organização multi-milionária no setor comercial. Estes 15% dos lucros vão para o soberano gerir o seu negócio. Não é um salário. É para manter os palácios, todos estes edifícios têm de ser mantidos. Em 2017 ou 2019 houve uma soma adicional para remodelar o Palácio de Buckingham, que não tinha manutenção há 60 anos. Vai custar 390 milhões de libras e é um programa de 10 anos. Todos os anos há um relatório anual publicado pelo Palácio de Buckingham que lista todas as despesas. E no Palácio de Kensington também, que lista as despesas do ducado da Cornualha. Não há segredos. Quem quiser saber como é que o dinheiro é gasto só tem de ir online. Está lá, preto no branco.

Talvez a anterior Rainha nos tenha habituado mal, porque nunca estava doente e, mesmo no final do seu reinado e com Covid, esteve sempre no ativo para nós a vermos.
Chegou a haver uma sugestão de um dos médicos dela na Escócia de que ela teve um cancro. Não é inusual. Vivemos numa altura em que cada vez mais pessoas descobrem que têm cancro. Que a princesa de Gales tenha passado por uma operação abdominal, acontece. O corpo é um mecanismo e algumas partes estragam-se, certo? E têm de ser reparadas. A antiga Rainha manteve-se firme, mas no final da vida teve problemas. Mas, Deus a abençoe, continuou até ao fim, como prometeu.

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