História
Foi cinco minutos antes de o Observador que Shalom Iloz chegou. Não havia sinais de mar mas foi de lá que veio. Como é costume, o israelita foi surfar pela manhã — às 7h00, confessou — antes de rumar depois para Lisboa. É esta a sua rotina desde que veio para Portugal, já lá vão seis anos. Foram as ondas da Ericeira que o trouxeram até cá e que o convenceram a ficar. Depois de “três, quatro, seis vezes” a mergulhar nas nossas águas por lazer, decidiu recomeçar cá a sua vida, onde o mar é mais azul, junto da sua família. “Eu disse ‘oh meu Deus! A vibe, tudo é tão bom. O tempo é como em Israel. Temos tudo aqui. Vamos fazer uma mudança’. Então eu fiz a mudança”, lembrou Shalom, em conversa com o Observador, acrescentando acreditar que esta deve ser feita “em alguma altura das nossas vidas”.
E, para Shalom e Karin Iloz, esta foi a altura. Em 2020, o casal abriu um primeiro restaurante de comida israelita em Lisboa, mesmo atrás do Jardim Zoológico, que, apesar do sucesso inicial, não sobreviveu à pandemia de Covid-19. Como tantos outros, Taim Li — aquele que seria o primeiro Kosher de Portugal — fechou portas e a família Iloz teve de se adaptar. Inauguraram um serviço de catering, o King David Portugal, e começaram a levar os sabores israelitas para fora da cozinha. Mas não era suficiente. A vontade de ter um restaurante — como sempre tiveram nas suas passadas vidas em Telavive — onde pudessem receber tanto a comunidade judaica de Portugal, como turistas e nacionais, falou mais alto. O espaço já o tinham mas, no entanto, não foi para lá que seguiram. Quanto à Ericeira, também estava fora da equação: “Pertence aos pescadores.”
“Nós estávamos à procura de um sitio onde os judeus pudessem vir. Um sítio perto para virem depois de aterrarem no aeroporto. E um sítio que a comunidade aqui à volta também pudesse conhecer”, explicou o proprietário. E assim foi. A 12 de março de 2024 o Genesis juntou-se aos vários restaurantes da zona do Campo Pequeno, mesmo de caras para a Praça de Touros. Mas há algo que o distingue dos outros: é o único restaurante Kosher em Portugal. O certificado chegou uma semana antes da inauguração, depois de três rabinos — um de Lisboa, de Cascais e da Europa — terem visitado o estabelecimento, supervisionado a produção, o processamento e a preparação dos alimentos e garantido que tudo estava de acordo com os princípios do judaísmo.
“A comida portuguesa é a melhor. Mas nós somos diferentes. Por isso, trazemos algo diferente para a comunidade”, constatou Shalom, afirmando — e sem querer “entrar na política” — que, apesar do conflito em que o seu país atualmente se vê envolvido, os portugueses se têm mostrado bastante abertos a conhecer a sua cultura gastronómica e que “gostam mesmo muito”. “Eu espero poder vir a servir também comida a pessoas muçulmanas e espero que um dia estejamos todos em paz, como o meu nome. O meu nome é paz. O meu nome é Shalom. Em hebraico significa paz”, confessou.
Quanto à comunidade judaica e israelita, o Genesis parece ser o novo ponto de encontro na capital, tendo até já mesas reservadas e umas quantas ocupadas.
Espaço
É o nome do primeiro livro da Bíblia e é também o que primeiro se vê ao entrar neste restaurante Kosher. “Genesis”, escrito em letras grandes e luminosas na parede da entrada, transporta mais do que uma carga religiosa: representa para Shalom e Karin a esperança de que “a linda vida e as lindas coisas que temos para partilhar” se mantenham, sem guerras. “Genesis é o primeiro dia em que nascemos. Em hebraico dizemos Bereshit”, explicou.
A acompanhar o nome está, numa parede mais à frente, uma outra frase. É em voz alta e em hebraico que Shalom a lê, explicando logo de seguida que “Deus fez o céu e depois o mundo” e que “agora começa com as pessoas, com os animais, com tudo”. São estas que fazem o Genesis. Portuguesas, israelitas, judaicas. Todas enchem este restaurante, das 11h00 às 23h00, com conversas, perguntas e curiosidades sobre os pratos que compõem a ementa.
Há espaço para 50 e, podemos dizer, poucos sobram. Se numa quarta-feira ao final do dia o Genesis está cheio — e com mesas reservadas — como será no resto da semana? “Estamos abertos de domingo a sexta-feira. Aos sábados estamos fechados, é o nosso dia. Estamos abertos das 11h00 às 23h00, sem pausa. As pessoas podem vir cá a qualquer altura do dia”, explicou Shalom, acrescentando que, apesar de ser difícil manter um restaurante a funcionar todo o dia, durante as suas viagens por Portugal sentiu que haviam poucos espaços que o fizessem: “Nós decidimos fazer o contrário. Ficar pelas pessoas. E estamos cheios.”
É nesta linha que nasce o bar, que recebe os clientes logo à entrada. Com vista para as torneiras de cerveja — são quatro e vêm diretamente da Ericeira, da Mean Sardine —, este balcão pretende dar uma good vibe ao Genesis, diz Shalom, e dar a oportunidade aos clientes de petiscarem de imperial na mão, a qualquer altura do dia, com amigos: “Em Israel há sempre restaurantes com o bar e com música. À noite, o ambiente muda e chega um DJ.”
Comida
O que é, afinal, Kosher? É o termo que faz referência a um tipo de alimentação que os judeus devem seguir: esta tem como base um conjunto de leis descritas na Torá, o livro sagrado dos judeus, e que indicam tudo o que é adequado para o consumo — desde o produto até à forma como é confecionado — visando a procura por uma alimentação mais “pura”. Assim, no Genesis, não se consome carne de porco nem de coelho, não se mistura carne e leite, não se confecionam frutas, legumes e vegetais sem que antes sejam devidamente examinados e lavados — uma vez que a ingestão de insetos é proibida — e apenas se serve carne que seja proveniente de animais saudáveis e que tenham sido mortos e drenados segundo as leis da Torá.
Então, o que se come? Tudo, praticamente. São três os menus disponíveis, todos com o mesmo conteúdo, mas com línguas diferentes: português, inglês e hebraico. “Qual escolhe?”, perguntou Shalom. Depois de uma rápida vista de olhos pelo hebraico, o português foi o escolhido, e explorado. A começar logo de início, apresenta-se como uma verdadeira festa de sabores e de convívio: sharing is caring (15€) chega à mesa para dominá-la com seis saladas da casa — há de abacate, beterraba, cenoura, couve, pickle e beringela em pasta com tahine —, servidas com pão pita, que quase não deixam espaço para o hummus (11€) de grão com cogumelos e a falafel (6€), crocante e servida com o mesmo molho que compôs a salada de beringela.
Completa e colorida, desta mesa o pita faz-se rei. Chega quente, acabadinho de sair do forno, para completar todos os pratos que já cá estavam. Lá dentro, tudo vai bem, como o shawarma israelita (17€) que desfiado se aconchega, mais uma vez, com tahine.
Por fim, e “para ir para o Bairro Alto a noite toda”, como diz Shalom, o café preto israelita (2€) chega forte e bem acompanhado: com o nome do restaurante, Genesis (6€) dá uso à definição de bomba de chocolate, com fudge de chocolate regado com chocolate quente e servido com morangos. Também estes, bem vermelhos, marcam presença no Lotus Secret (7€) para equilibrar — junto de um fino pedaço de chocolate negro — o doce do creme de baunilha com bolacha e creme de Lotus caramelizado.
“Cuidado, está quente” é uma rubrica do Observador onde se dão a conhecer novos (e renovados) restaurantes e cartas.