Os socialistas sinalizaram o voto contra a comissão parlamentar de inquérito (CPI) à privatização da ANA proposta pelo PCP. Durante a discussão desta iniciativa, o deputado Hugo Costa defendeu que uma CPI não permitira um acompanhamento abrangente dos temas relacionados com a discussão do futuro aeroporto, considerando que a sua constituição seria dessa forma “extemporânea”. E considerou que a comissão de economia teria todas as condições para realizar as audições necessárias para a realização do escrutínio que, afirmou, deve ser dirigido a uma eventual renegociação do contrato de concessão da ANA, no quadro da decisão sobre o novo aeroporto.

A privatização da ANA foi realizada há mais de dez anos pelo Governo de Passos Coelho, mas a auditoria do Tribunal de Contas à operação só foi conhecida em janeiro deste ano, servindo as suas conclusões de pretexto para a iniciativa do Partido Comunista.

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No entanto, sem o voto a favor dos socialistas a CPI estaria condenada já que seria mais previsível o voto contra do PSD e do CDS, os dois partidos que apoiaram o Governo que privatizou a venda da concessionária dos aeroportos em 2012/2013. E mesmo que outros partidos à direita como o Chega e a Iniciativa Liberal tenham manifestado que não se oporiam ao escrutínio, ainda que não fossem a favor desta comissão parlamentar de inquérito na forma como foi fundamentada.

O pré-anunciado chumbo dos socialistas foi recebido com surpresa por alguns deputados, com Filipe Melo do Chega a lembrar as declarações muito negativas que o atual secretário-geral do PS fez sobre operação quando era ministro das Infraestruturas. Pedro Nuno Santos chegou a afirmar em 2020 que a privatização da ANA foi a “mais danosa para o interesse público”, tendo repetido críticas ao negócio durante a sua intervenção na CPI da TAP.

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A aparente contradição em relação à posição assumida no passado por Pedro Nuno Santos foi destacada  à esquerda e à direita.

“Não se entende toda a indignação do PS para depois votar contra”, afirmou Isabel Pires, do Bloco de Esquerda. A posição do Partido Socialista “não deixa de causar estranheza” a Filipe Melo que recordou as palavras de Pedro Nuno Santos a descrever esta privatização como o pior negócio da história. Parecem ter dois pesos e duas medidas e pergunta: “Porque não querem chegar aos contornos da venda?”  O Chega “não alinha na retórica do PCP de que tudo o que mexe e foi privatizado deve voltar para o Estado, mas “não obstacularizará, nem esta nem nenhuma CPI”.

Também Carlos Guimarães Pinto, da Iniciativa Liberal, manifestou as suas reservas ao fundamento da iniciativa comunista, mas considera que uma comissão de inquérito também pode servir de oportunidade para afastar suspeitas e para esclarecer. “Podemos achar que há outras prioridades para uma CPI, mas dificilmente nos iremos opor ao escrutínio”.

Para o deputado comunista, António Filipe, que defendeu a proposta, “não deixa de ser surpreendente este desfecho”. Não por causa do Chega que diz “sempre tudo e o seu contrário”, mas por causa da “convergência de votos entre PSD e PS para impedir uma comissão de inquérito”. Respondendo às críticas à direita, António Filipe afirma que “não estamos a discutir as privatizações, mas estamos a discutir as circunstancias da privatização da ANA à luz do que é apurado numa recente auditoria do Tribunal de Contas”.

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A votação desta comissão de inquérito será amanhã, mas da discussão realizada parece que só terá os votos a favor dos partidos à esquerda do PS, nomeadamente do PCP, do Bloco e do Livre.

O deputado Jorge Pinto do Livre foi um dos primeiros a intervir depois de Carlos Barbosa do Chega ter questionado a solidez do relatório do Tribunal de Contas sobre a operação. E fê-lo depois de alguns minutos em que parecia que mais ninguém tinha pedido para o fazer, estranhando o “silêncio e a falta de interesse sobre um tema tão importante” e para manifestar o apoio do partido à comissão de inquérito proposta pelos comunistas.

Em sentido contrário, o deputado do PSD, Gonçalo Laje manifestou perplexidade por não estar a ser proposta uma comissão de inquérito à nacionalização e privatização da Efacec (que teria avançado se a anterior legislatura não tivesse caído). “Faria mais sentido porque desapareceram 300 milhões de euros dos contribuintes”, acrescentando: “Estranho mundo este onde se dá prioridade aos casos em que foi criado valor para o contribuinte (numa referência ao encaixe de 3.000 milhões de euros da venda da ANA que o Tribunal de Contas disse que afinal foi um terço). Em vez de se focar nos casos em que o Estado perdeu dinheiro”.

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Para Paulo Núncio do CDS, a discussão sobre uma privatização com mais de dez anos é ideológica e que o verdadeiro objetivo dos comunistas é a renacionalização da ANA e de outras empresas privatizadas durante o período da troika e que custaria aos preços de mercado de hoje 30 mil milhões de euros.

As reservas ao contrato de concessão do ex-ministro das Infraestruturas foram reforçadas recentemente pelos recados da comissão técnica independente (CTI) que estudou o novo aeroporto sobre o poder da ANA e a necessidade de rever o contrato de concessão com o Estado. E pelas conclusões do Tribunal de Contas, numa auditoria que saiu em cima da campanha eleitoral, e cujas críticas foram, no entanto, desvalorizadas pelo facto de vários dos juízes terem feito declarações de voto contra as conclusões.

O deputado Hugo Costa do PS reconhece que o partido sempre criticou o negócio da ANA e qualificou de “demolidor” o relatório da auditoria do Tribunal de Contas, segundo o qual, o interesse público não foi acautelado.

Recordando a recomendação da CTI para a revisão urgente do contrato de concessão, o deputdao afirmou que o PS vai “acompanhar de muito perto a negociação do contrato e as suas implicações”, nomeadamente para a decisão do novo aeroporto. Mas em vez de uma comissão de inquérito à privatização, o partido está “disponível para aprovar todas as audições na comissão de economia”, numa estratégia que os socialistas já usaram quando chamaram em paralelo a esta comissão ordinária uma série de personalidades que seriam ouvidas na CPI da TAP.

Para os socialistas, a comissão de inquérito a uma privatização com mais de 10 anos é “extemporânea” e corria o risco de não abranger os temas relacionados com a decisão do novo aeroporto. Para além de que a reflexão interna feita pelo partido terá ponderado eventuais efeitos colaterais desta comissão caso fosse investigada a gestão socialista do contrato de concessão da ANA e a decisão de viabilizar a proposta do aeroporto do Montijo feita pela concessionária e depois chumbada.

Assim o PS vota contra, como já tinha votado a proposta de inquérito parlamentar à Global Media apresentada pelo Bloco de Esquerda.