Especialistas em bem-estar das crianças na internet alertaram esta quinta-feira para a “falsa sensação de segurança” que as famílias portuguesas têm em relação aos perigos dos filhos se envolverem em cibercrimes ou terem comportamentos desviantes online.
“Existe uma falsa sensação de segurança” de que os casos graves envolvendo crianças ou jovens na internet “não acontecem aqui” em Portugal, alertou Cristiane Miranda.
A especialista em parentalidade digital baseia o seu conhecimento nos encontros que a associação “Agarrados à net” faz há vários anos nas escolas com pais, alunos e professores.
Até há pouco tempo, os casos mediáticos de cibercrime aconteciam no estrangeiro, mas Cristiane Miranda lembra que “a internet não é aqui nem ali, é em todo o lado, é global”.
O recente caso do português de 17 anos suspeito de conseguir convencer, através de uma plataforma online, outros jovens a cometer crimes violentos mostrou que não existem fronteiras.
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A isto soma-se um estudo europeu que mostra que o cibercrime e os comportamentos de risco na internet são bastante usuais entre os adolescentes: quase metade dos oito mil jovens entrevistados, com idades entre os 16 e os 19 anos, admitiu ter estado envolvido em, pelo menos, um crime online e quase 70% reconheceu ter cometido atos criminosos online ou ter participado em atividades perigosas.
Os portugueses não entraram no estudo, mas o especialista em segurança online, Tito de Morais, acredita que a realidade nacional será semelhante, até porque há poucas diferenças entre os jovens dos nove países do estudo.
Também não são raros os relatos que Cristiane Miranda e Tito de Morais ouvem quando vão às escolas. Em todas as sessões, é normal aparecer pelo menos uma mãe preocupada. Quase nunca são casos que configuram um cibercrime, mas nem por isso deixam de preocupar os dois representantes da “Agarrados à Net”.
“O caso mais recente foi de uma menina de 13 anos que estava a ser alvo de extorsão sexual por um rapaz mais velho”, recordou Tito de Morais, que em 2003 criou a primeira associação em Portugal preocupada com a forma como crianças e jovens estavam a usar a internet.
Raparigas de 12 e 13 anos a enviar nudes sem perceber a gravidade do ato e casos de rapazes viciados em jogos online são outras das histórias que conhecem.
Tito de Morais acrescenta que “muitas vezes, os jovens não têm noção de estarem a cometer atos e condutas criminais”, nem sabem que podem incorrer em penas pesadas.
O especialista sublinha que estes casos “não acontecem da noite para o dia” e que os pais devem estar atentos quando as crianças começam a usar os dispositivos.
“Cada vez mais cedo, os miúdos são entregues às tecnologias online e ficam sozinhos, sem qualquer acompanhamento”, lamenta, alertando as famílias para a importância de estarem presentes quando as crianças “começam a despertar para a internet”.
Nas sessões nas escolas, Tito de Morais já teve crianças de oito anos a quererem saber “o que era a darkweb ou o que era o Tor”, um navegador da darkweb que garante o anonimato.
“É quando andam na escola que começam a entrar neste mundo”, lembra o especialista, explicando que as motivações vão desde querer ganhar fama entre os colegas até querer “entrar nos sistemas das escolas para alterar as notas”.
Uns são autodidatas, outros aprendem com os colegas. Todos correm riscos “quando começam a entrar na darkweb e na darknet“, alertou Tito de Morais.
Há mais de duas décadas que alerta para os perigos do uso da internet, tendo criado em 2003 o projeto “MiudosSegurosNa.Net” para ajudar famílias, escolas e comunidades a promover uma utilização responsável e segura.
O fundador do Projeto MiudosSegurosNa.Net lamenta a pouca investigação sobre a cibercriminalidade juvenil e lembra que os grandes temas do inicio do século se mantêm atuais.
A grande revolução nos últimos 20 anos foi o aparecimento de dispositivos táteis, que vieram permitir o seu uso a qualquer pessoa, mesmo sem saber ler. A evolução da tecnologia fez descer a idade de utilização de forma drástica: “hoje temos crianças de meses a usar smartphones“, lamentou.