O saldo orçamental “deverá deteriorar-se nos próximos anos“, diz o Banco de Portugal. O supervisor projeta que “o excedente de 1,2% do PIB em 2023 (1,6% sem medidas extraordinárias) recue para 1% em 2024, 0,8% em 2025 e 0,6% em 2026“, afirma o supervisor, avisando que há medidas recentemente anunciadas que não entram nestes cálculos. Com essas medidas, o Banco de Portugal diz, mesmo, que “é expectável o retorno a uma situação de défice, colocando em risco a trajetória desejável para a despesa pública no âmbito nas novas regras orçamentais europeias”.

Sobre o saldo orçamental, o Banco de Portugal sublinha que, “após o fecho da informação, ocorreu o anúncio e aprovação de várias medidas de política com impacto orçamental relevante e permanente que não estão consideradas” no cálculo do supervisor. Mas “a magnitude destas medidas e a sua natureza — diminuição de receita e/ou aumento da despesa — implicam uma redução do saldo orçamental”, afirma o Banco de Portugal.

O supervisor trabalhou com a informação disponível até 21 de maio, ou seja, estão excluídas as medidas anunciadas nas últimas semanas. As medidas não incluídas no relatório “referem-se à redução do IRS, ao pacote de apoio aos jovens, ao alargamento da redução do IVA na eletricidade, ao apoio à habitação e reforço da saúde, bem como às revisões salariais de diversas carreiras na função pública“.

Relativamente às medidas apresentadas recentemente, o exercício de projeção inclui apenas a abolição das portagens nas ex-SCUT (180 milhões de euros a partir de 2025) e as alterações ao Complemento Solidário para Idosos (220 milhões de euros, num ano completo)”, diz o Banco de Portugal.

O rácio da dívida pública, que se fixou em 99,1% do PIB em 2023, continuará a diminuir, sendo inferior à média da área do euro a partir de 2025, afirma o Banco de Portugal. No entanto, ressalva o supervisor, “cenários desfavoráveis – envolvendo crescimento mais baixo ou regresso a défices orçamentais – interromperiam essa trajetória, impedindo o cumprimento do requisito mínimo de redução do rácio da dívida previsto nas novas regras orçamentais da UE”.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

“Recados” orçamentais são extensíveis à oposição? Centeno diz que “não faz distinção”

O Observador, na conferência de imprensa de apresentação do Boletim Económico, questionou Mário Centeno sobre se estes são recados para o Governo ou se são extensíveis à oposição, que tem aprovado medidas com impacto orçamental beneficiando que se intitula “coligação negativa”. Centeno sublinhou que nunca, na sua apresentação, referiu explicitamente o Governo, e “não faz distinção” entre medidas aprovadas pelo Governo ou pela oposição.

[Já saiu o quarto episódio de “Matar o Papa”, o novo podcast Plus do Observador que recua a 1982 para contar a história da tentativa de assassinato de João Paulo II em Fátima por um padre conservador espanhol. Ouça aqui o primeiro episódio, aqui o segundo episódio e aqui o terceiro episódio]

“O Banco de Portugal, no seu mandato de aconselhamento de políticas e análise da situação” apenas está “preocupado” com a alocação de “recursos escassos” a utilizações que, depois, podem ser de difícil ajuste num cenário futuro se houver necessidade de maior contenção orçamental.

O exercício que aqui está um exercício que toma todas as medidas que estão apresentadas, anunciadas, aprovadas e que tenham a capacidade de afetar o exercício orçamental”, diz o Banco de Portugal.

Ainda assim, Mário Centeno referiu que não lhe parece “a melhor abordagem” haver aprovações casuísticas de medidas avulso, o que não invalida que o “exercício orçamental deva decorrer num contexto de debate orçamental”.

Portugal já estaria, aliás, em incumprimento das regras orçamentais neste ano de 2024, se não fosse estarmos ainda num período de transição e de aplicação parcial das regras. É o que diz Mário Centeno, olhando para o Orçamento para 2024 e para as medidas entretanto aprovadas. O “desvio” é, diz Mário Centeno, de 0,6% do PIB potencial, acima da margem de tolerância que é de 0,3% num só ano de desvio.

Sem grande alteração face às projeções anteriores, o Banco de Portugal prevê, também, que a economia irá crescer “entre 2% e 2,3% nos anos de 2024 a 2026, um desempenho superior ao da área do euro”. “Prevê-se um crescimento positivo mas acontece num contexto desafiante”, afirmou Mário Centeno na apresentação do Boletim Económico trimestral, pedindo “prudência” na gestão da política económica e das contas públicas.

“Portugal deve respeitar o fenómeno migratório”

Já a inflação deve “estabilizar” perto de 2%, acrescenta o Banco de Portugal, notando, também, “boas indicações” no mercado de trabalho. E Centeno deixou, ainda, uma palavra sobre a imigração, depois das mudanças anunciadas pelo Governo nas últimas semanas. “Portugal deve respeitar o fenómeno migratório”, diz Mário Centeno, que incluiu no boletim económico um “tema em destaque” sobre o impacto da imigração na economia portuguesa.

“Não é possível colocar modelos de crescimento nos países europeus sem imigração”, avisa Mário Centeno, salientando que a imigração tem ajudado a aumentar salários em Portugal e a estimular o crescimento económico. “É indissociável da realidade económica portuguesa aquilo que tem acontecido no mercado de trabalho com a incorporação de um número elevado de pessoas que não nasceram em Portugal”, diz Mário Centeno, destacando que este “é um sucesso da nossa economia, tem um impacto enormíssimo na Segurança Social” – ajudando a produzir excedentes que, aproveitou Centeno para dizer, que “não deveríamos estar a consumir para financiar despesa corrente do Estado”.

Além de falar sobre os imigrantes, Centeno também foi questionado sobre a medida de garantia pública à compra de casa, cujo lançamento estará para breve. “Tudo o que se puder fazer para ajudar os jovens, o Banco de Portugal estará o mais possível, na sua missão, no apoio a esses esforços. Não há nenhuma dicotomia sobre essa matéria”, disse Mário Centeno. “Mas há, sim, preocupações e cautelas, é a nossa função, porque há um conjunto de interesses (que também são dos jovens) do ponto de vista do futuro, da dívida que essas pessoas podem assumir”, afirmou o governador do Banco de Portugal.

Não ajudamos muito as pessoas se as levarmos por caminhos que não são os da estabilidade. Portugal tentou isso, há muitos anos, e não teve sucesso. A dívida é um dos maiores entraves à nossa liberdade futura e devemos ser muito judiciosos na definição desse tipo de mecanismos. Dentro da estabilidade financeira, a preservação dessa estabilidade tem de ser levada em conta e temos de conduzir o país nesse trilho de estabilidade financeira”, assinalou Mário Centeno.

O governador do Banco de Portugal sublinha que, ao dizer isto, não está a dizer que esse valor “está em causa, apenas é uma preocupação”. “Conhecemos o decreto-lei, o Banco de Portugal não foi ouvido no decreto-lei, mas é preciso portarias etc e esse deverá ser um trabalho iniciado nos próximos dias”, é a expectativa do Banco de Portugal, disse Centeno.

“É verdade que esta imposição [os limites ao endividamento] exclui pessoas, mas espero que seja entendido que esta exclusão, que nunca é simpática, é para proteção das próprias pessoas e do sistema bancário globalmente, desde logo os seus depositantes”, afirmou Mário Centeno.