André Ventura acusou os jornalistas de serem “inimigos do povo” e contribuírem para notícias falsas após as publicações relativas ao imigrante do Bangladesh que abordou o presidente do Chega durante uma arruada em plena campanha eleitoral. Além disso, considera que se tratou de uma instrumentalização e acusou a esquerda de ter plantado Ikbal na ação da Póvoa de Varzim.

Tudo começou na quinta-feira, quando um homem se aproximou de André Ventura, numa arruada na Póvoa de Varzim, e lhe contou, em lágrimas, que tinha retirado a filha de Portugal por sentir “resistência” contra os imigrantes. Disse que trabalha numa estufa a cortar cravos, mas dedicou-se essencialmente a dar o exemplo dos pescadores, recorrendo aos números de indonésios que saem em barcos para pescar e à falta de condições em que vivem.

A história acabou noticiada em vários órgãos de comunicação social e o Chega colocou a circular nas redes sociais uma alegada contradição na história, dizendo que o homem em poucos minutos afirma que trabalha numa estufa a cortar cravos e também que é pescador. Na verdade, no áudio original captado não se ouve o homem a dizer a palavra “sou” antes de “pescador imigrante”, ao contrário do que surge nas legendas do vídeo. Ikbal estava a explicar que “mais ou menos 85% dos pescadores [na empresa] são imigrantes da Indonésia”. Aliás, logo de seguida Ventura pergunta-lhe: “Mas você trabalha na pesca?”, ao que o imigrante do Bangladesh responde: “Eu trabalho na estufa, nós ajudamos muito os pescadores porque a minha esposa é da Indonésia.”

[Já saiu o quarto episódio de “Matar o Papa”, o novo podcast Plus do Observador que recua a 1982 para contar a história da tentativa de assassinato de João Paulo II em Fátima por um padre conservador espanhol. Ouça aqui o primeiro episódio, aqui o segundo episódio e aqui o terceiro episódio]

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

André Ventura, questionado sobre o facto de o vídeo não ser fidedigno, nomeadamente na legendagem, virou a acusação a seu favor: “A peça da SIC foi miserável porque não fez o básico do jornalismo, que é dar a resposta da pessoa que é confrontada”, explicou, comparando com outras abordagens. E argumentou: “Não faz sentido eu ser confrontado por uma pessoa, dar-lhe uma resposta e vocês dizerem que eu segui e não dei resposta.”

“Vocês ontem foram os inimigos do povo, os inimigos das pessoas”, repetiu, para justificar que foi partilhada “uma peça mentirosa, falsa e a manipular as pessoas“. “Bastava estar a olhar para a memória, para a TVI e via-se a diferença, que eu lhe digo que ele se quer os mesmos direitos tem que ter os mesmos deveres”, acrescentou. E prosseguiu com a mesma argumentação: “Quando querem fazer exigência aos outros têm que começar por ser exigentes com vocês próprios. Quando não são, vocês são inimigos do povo.”

No momento em que Ikbal se aproximou para “fazer uma pergunta”, segundo anunciou por várias vezes, nomeadamente quando foi levado por um membro da comitiva do Chega, o presidente do partido começou por ouvir e deu-lhe respostas em vários momentos da interação: começou por dizer que “o Estado não pode estar a dar casas a outras pessoas quando não há para os nossos“, afirmou que é preciso que “os direitos de todos sejam respeitados” e, por fim, concluiu mesmo antes de seguir com a arruada: “Tem de cumprir as regras, você e todos.”

Novamente aos jornalistas no dia seguinte, e num tom mais agressivo do que é habitual, André Ventura prosseguiu com acusações, sempre baseado na tese de que a sua resposta não foi incluída na peça: “Se alguém mentiu primeiro foram vocês. Ontem foram os inimigos do povo, os inimigos das pessoas”, acusou o presidente do Chega, enquanto vários elementos da comitiva apupavam a comunicação social — o que aconteceu durante e no fim das declarações.

Num dos vários momentos em que foi confrontado com o facto de as legendas não corresponderem à realidade, Ventura garantiu que o vídeo “não está manipulado” e contra-atacou, novamente com os jornalistas na mira: “Vocês foram os verdadeiros disseminadores de notícias falsas. E foram, sobretudo, o inimigo do povo, que é aquele que tenta manipular o povo em prol de uma ideia política.” E em mais uma insistência sobre a manipulação apenas reforçou: “Admito foi que o Chega teve a campanha manipulada e que alguns jornais estão a ser os inimigos do povo.”

Ventura argumentou ainda que o imigrante do Bangladesh quis tirar uma fotografia consigo e acabou a acusar o partido de racismo, o que o levou a concluir: “Foi instrumentalizado.” Os responsáveis serão, segundo apontou, da “esquerda política, que é quem mete estas pessoas todas à [sua] frente durante o tempo todo”.

Questionado sobre se estaria a usar uma expressão de Donald Trump — que em 2017 acusou os jornalistas de serem os “inimigos do povo” –, Ventura voltou a subir o tom e atirou: “Você está a imitar o Fernando Mendes por fazer perguntas assim? Quer dizer, não faz sentido, não é? Eu não estou a imitar ninguém, estou a dizer aquilo que acho. Vamos lá ver se a gente se entende, o que eu estou a dizer é que, ontem, foram vocês que manipularam o povo e isso é mau em democracia, não é assim que deve ser.”

Ikbal tem 33 anos, vive em Portugal há três e chorou a contar a sua história a André Ventura, que acusou de se aproveitar politicamente dos imigrantes sem apresentar soluções. Num português esforçado e em que faltam as palavras, o imigrante do Bangladesh assegurou ter todos os papéis “direitinhos” e criticou o Chega por apenas “reclamar” e não apresentar propostas que resolvam os problemas. Enquanto contava aos jornalistas o que tem sentido na pele, gritaram-lhe “Viva Portugal” e “volta para o teu país”.

Ikbal chorou ao dizer a Ventura que havia racismo em Portugal e ouviu da comitiva um “volta para o teu país”