O Governo determinou a devolução “aos cofres do Estado” de mais 200 milhões de euros de “capital não utilizado” por parte do gestor do sistema de gás natural, a REN (Redes Energéticas Nacionais), no quadro do pacote de apoios ao gás natural aprovado pelo anterior Executivo.
No pico da crise energética de 2022, o Governo socialista disponibilizou 1.000 milhões de euros do Orçamento do Estado como medida extraordinária para conter os preços do gás pagos pelas empresas. Esta medida surgiu no contexto em que a invasão da Ucrânia levou para a estratosfera as cotações deste combustível, em parte por causa dos cortes no abastecimento russo.
O pacote foi aprovado em outubro de 2022 com o objetivo de estabilizar os preços do ano seguinte. Mas a evolução do mercado veio a ser diferente da então antecipada e as cotações do gás natural estabilizaram a um nível muito inferior. E a medida, que para várias empresas foi aprovada com atraso — apenas em outubro de 2022 para o ano de 2023 quando o pior da crise aconteceu nos segundos e terceiros trimestres de 2022 —, acabou por ser subutilizada.
Esta situação já era aliás percetível há um ano, quando a REN divulgou os primeiros dados relativos a esses apoios, cuja execução no primeiro semestre de 2023 estava abaixo dos 100 milhões de euros, o que criava uma enorme almofada financeira e orçamental, como aliás o Observador escreveu.
Gás natural mais barato que o previsto dá folga que pode ir até 900 milhões nas contas públicas
Reconhecendo a existência de uma folga, o Governo de então aproveitou uma parte dos fundos para financiar o sistema elétrico e as tarifas de 2024. Pela mesma razão — a descida dos preços no mercado grossista — foi necessário realizar injeções de centenas de milhões de euros no sistema para compensar o aumento dos custos com os produtores com contrato de preço fixo (acima do valor do mercado). E, em outubro do ano passado, 200 milhões de euros dos apoios atribuídos para o gás natural foram transferidos para as tarifas elétricas que, ainda assim, tiveram uma atualização de 3,7% em 2024.
Em outubro do ano passado, a REN já tinha devolvido 700 milhões de euros não utilizados do cheque inicial de mil milhões de euros aos cofres do Estado (terá sido deste reembolso que saíram os fundos para as tarifas elétricas). Agora, por despacho dos ministros das Finanças e do Ambiente e Energia, Joaquim Miranda Sarmento e Graça Carvalho, são devolvidos mais 200 milhões de euros “de capital não utilizado à sua guarda, incluindo as respetivas contrapartidas financeiras decorrentes da disponibilidade do capital não utilizado entre as datas de transferências por parte do Estado e a respetiva devolução pelo GTG (gestor do técnico global do sistema de gás)”.
Tal como os primeiros 700 milhões de euros, estes 200 milhões vão ser transferidos “para a tesouraria do Estado, para a conta de receita orçamental da Agência de Gestão da Tesouraria e Dívida Pública (IGCP)”.
No total e do pacote de mil milhões de euros, apenas 100 milhões terão chegado às empresas grandes consumidoras de gás natural. O montante agora devolvido ao Estado é mais do dobro do impacto estimado com a redução do IVA na eletricidade para consumos mensais até 200 kWh aprovada por iniciativa do PS.