A viagem “foi inesquecível”, mas não pelas melhores razões. Há cerca de três anos, Duarte Pacheco chegava à Venezuela para observar as eleições legislativas. “Toda a comitiva estava prevista ficar no Hotel Pestana, que escolhi por ser português e [porque] nos dava garantias”, contou o antigo deputado do PSD aos microfones da rádio Observador esta segunda-feira, dia em que Nicolás Maduro foi reeleito para um terceiro mandato de Presidente.

“E quando chegámos meteram-nos num carro e levaram-nos para um hotel do regime porque [aí] tínhamos o quarto sob escuta e com cabos de vigilância”, recordou no programa Explicador. Foi uma “experiência inesquecível de como o regime trabalha”.

Foi em dezembro de 2020 que o social-democrata voou até à América do Sul. Liderava uma comitiva da União Interparlamentar e tinha como missão garantir que o ato eleitoral decorria da forma mais transparente possível. Mas a observação eleitoral não começou com o pé direito e nunca mais se endireitou.

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Durante o período em que estiveram na Venezuela, quando os deputados queriam “falar com o senhor embaixador de Portugal, os telemóveis ficavam noutro carro“. “Sabia que estaríamos sob escuta e não podíamos conversar” livremente, contou Duarte Pacheco.

Na altura, o Cardeal de Caracas chegou a dizer à comitiva da União Interparlamentar que queria falar com os deputados. Mas logo de seguida viu-se obrigado a acrescentar que “tinha de ser noutro local”; num local seguro, porque se fosse na sua própria catedral ou nos seus aposentos, iam estar sob escuta.

“É este o regime. É uma ditadura como outras, como a Coreia do Norte”, disse o antigo deputado, e acrescentou que “as eleições da Venezuela serão sempre uma farsa enquanto Maduro estiver no poder”.

A eleição deste domingo não foi exceção, diz Duarte Pacheco. Maduro venceu pela terceira vez a luta pela presidência, com 51,2% dos votos, segundo o CNE (Conselho Nacional Eleitoral, dominado por chavistas). A oposição, contudo, rejeita os resultados e diz que Edmundo González reuniu 70% dos votos.

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Portugal deve assumir “claramente uma condição de fraude eleitoral”

Considerando que “a Venezuela já está num caos há muito tempo”, ainda antes destas eleições, Duarte Pacheco diz que “enquanto Maduro tiver as Forças Armadas consigo” estará no poder.

O antigo deputado social-democrata está convencido que “a influência externa [de outros países] não vai provocar mudança”, porque a “mudança tem de vir de dentro”. Mas defende que Portugal deve assumir “claramente uma condição de fraude eleitoral”. E lembra que os resultados eleitorais são anunciados pelo CNE, que “não integra qualquer elemento da oposição, são todos do partido de Maduro”.

“Acredito que a diplomacia é uma arte, mas as pessoas respeitam-nos mais quando temos posições mais firmes do que quando estamos com alguma hesitação. Portugal será respeitado se assumir mais fortemente a sua condenação“, rematou Duarte Pacheco.

Ao longo da manhã desta segunda-feira, o Ministério dos Negócios Estrangeiros escreveu na rede social X que é “necessária a verificação imparcial dos resultados eleitorais na Venezuela”. A pasta tutelada por Paulo Rangel defende que “só a transparência garantirá a legitimidade”. E “apela à lisura democrática e ao espírito de diálogo”, lê-se na publicação.

Portugal junta-se assim ao apelo feito por Itália, Espanha e pelo próprio representante da diplomacia europeia, Josep Borrell, que também pediram mais transparência eleitoral e a divulgação das atas.