Mais de 5 mil quilómetros separam a Ucrânia do novo palco do conflito com a Rússia. Mali, país africano onde os Wagner atuam desde 2022 com a intenção de ganhar aliados e influência, vê agora milícias com apoio ucraniano a produzir esforços para derrotar grupos apoiados pelos russos. Não tardou até que a Rússia tenha vindo acusar a Ucrânia de abrir uma “segunda frente” de combate em África, apoiando “grupos terroristas”, alguns dias depois de mercenários russos do grupo Wagner e do exército maliano terem sofrido perdas significativas no norte do Mali.
Na segunda-feira, o país do norte de África anunciou o corte imediato das relações diplomáticas com a Ucrânia, alegando que Kiev está a apoiar as fações rebeldes no país. A decisão foi tomada depois de o porta-voz dos serviços secretos militares (GUR) ucraniano, Andriy Yusov, ter-se referido ao confronto no norte do Mali que provocou a morte de vários soldados das forças armadas e combatentes do grupo de mercenários russo Wagner, que chegou a estar envolvido nos combates na Ucrânia.
Yusov, citado pela Reuters, revelou que os rebeldes Tuareg receberam a informação “necessária” para lançar o ataque. No Mali as palavras do responsável ucraniano foram recebidas com desagrado: “São uma admissão do envolvimento da Ucrânia num ataque bárbaro, cobarde e traiçoeiro por um grupo armado terrorista e que resultou na morte de membros das forças de defesa e segurança”.
Um porta-voz do governo do Mali considerou que as ações das autoridades ucranianas “violam a soberania do Mali” e “vão além de qualquer interferência estrangeira, que já é condenável por si só, e constituem uma clara agressão ao Mali e um apoio ao terrorismo internacional”.
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Como os Tuareg levaram a melhor aos Wagner com o auxílio ucraniano
A 30 de julho, o grupo de mercenários Wagner, que lutava ao lado do exército da junta do Mali, foi alvo de uma emboscada operada pelos rebeldes Tuaregues no nordeste do país. As baixas russas foram suficientes para a batalha terminar com uma vitória dos adversários, mas o mérito não foi da sua exclusiva responsabilidade.
Os serviços secretos de Defesa da Ucrânia forneceram informações aos separatistas que “permitiram uma operação militar bem-sucedida contra os criminosos de guerra russos”. Foi só na segunda-feira que quer o exército maliano, quer o grupo Wagner, admitiram ter sofrido “um largo número de baixas”.
Os mercenários do Grupo Wagner estão presentes em vários países africanos e servem como braço armado da ofensiva diplomática russa para fazer aliados em África — ajudando vários regimes com pouca capacidade armada a combater inimigos em guerras internas. O grupo russo já foi acusado pela ONU de ser responsável pelos massacres com centenas de vítimas no Mali.
Rússia opera no Mali desde 2022. Ucrânia viu a oportunidade estratégica dois anos depois
Em 2022, a junta do Mali rompeu a sua aliança de longa data com a França e os seus parceiros europeus para se virar militar e politicamente para a Rússia. No contexto do seu ataque à Ucrânia, lançado em fevereiro de 2022, a Rússia intensificou os seus esforços diplomáticos em África para competir com o Ocidente em países que têm sido tradicionalmente seus aliados.
Em junho de 2023, o ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Sergei Lavrov explicou que os elementos do Grupo Wagner estavam naqueles dois países africanos “como instrutores” e que o trabalho por si operado iria continuar, mesmo após os mercenários do Grupo Wagner, liderados na altura por Yevgeny Prigozhin, terem lançado uma rebelião armada contra Moscovo.
Grupo Wagner vai continuar operações no Mali e na República Centro-Africana, confirma MNE da Rússia
Dois meses depois, Prigozhin morreu quando o avião em que seguia caiu. A morte do mercenário, associada à tentativa de rebelião contra o regime de Vladimir Putin, não condicionou a atuação dos Wagner em África e mais concretamente no Mali.
Agora, é a vez da Ucrânia olhar para o território africano e ver oportunidades. O ministro dos Negócios Estrangeiros ucraniano, Dmytro Kuleba, começou esta semana uma digressão diplomática por três países africanos, num esforço para angariar apoio para a posição de Kiev contra a Rússia. Vai visitar o Malawi, a Zâmbia e as Maurícias, numa viagem que começou dia 4 e termina esta quinta-feira, informou o ministério ucraniano num comunicado citado pela Reuters.
“Todas as reuniões centrar-se-ão no desenvolvimento de relações bilaterais baseadas no respeito e interesses mútuos. Entre os principais tópicos estará a participação dos Estados africanos nos esforços globais para restaurar uma paz justa para a Ucrânia e para o mundo”, afirmou.
Como recorda o Le Monde, no verão de 2023, a Ucrânia já tinha atuado em terreno militar africano, enviando um grupo de soldados para Cartum, capital do Sudão, para combater as forças do general Mohammed Hamdan Dagalo (conhecido como “Hemedti”), aliado de Moscovo. No Mali, a ajuda à rebelião consistiu em informações e formação no manuseamento de drones.
Rússia diz que Ucrânia está a abrir “segunda frente” em África por ser “incapaz” ganhar no campo de batalha
A Rússia acusou esta quarta-feira a Ucrânia de estar a abrir uma “segunda frente” de batalha em África, apoiando “grupos terroristas”. “Incapaz de derrotar a Rússia no campo de batalha, o regime criminoso de Zelensky decidiu abrir uma ‘segunda frente’ em África e está a apoiar grupos terroristas em Estados amigos de Moscovo no continente”, afirmou a porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros russo, Maria Zakharova, citada pela agência de notícias russa Ria.
Os seus comentários surgem mais de uma semana após o ataque no Mali em que dezenas de combatentes do grupo Wagner e soldados malianos foram mortos. Os analistas concordam que esta derrota é a mais pesada que o grupo Wagner sofreu numa única batalha em África. Após estes acontecimentos sem precedentes, um oficial dos serviços secretos militares ucranianos, Andriï Youssov, insinuou que Kiev tinha fornecido informações aos rebeldes para que estes pudessem levar a cabo o seu ataque.
Estas afirmações provocaram a ira das autoridades malianas, que acusaram Youssov de ter “confessado o envolvimento da Ucrânia num ataque cobarde, traiçoeiro e bárbaro”, criticando Kiev por “apoiar o terrorismo internacional”.