Enviado especial do Observador em Paris, França
Três anos de um ciclo olímpico depois, o mundo de Pedro Pablo Pichardo mudou. Mudou e mudou muito. Quando se sagrou campeão em Tóquio-2020, o atleta hoje de 31 anos bateu o recorde nacional a 17,98, ficou com mais de 40 centímetros de vantagem em relação ao segundo lugar e terminou apenas com a convicção de que tinha pernas para saltar acima dos 18 metros, algo que nunca fizera a representar Portugal. A seguir, continuaram os sucessos quase que a fechar o ciclo: prata nos Mundiais de Pista Coberta, ouro nos Mundiais e Europeus ao Ar Livre, mais uma vitória nos Europeus de Pista Coberta. Não havia sequer a sombra de um rival. Depois, os problemas. Lesões, os conflitos com o Benfica, várias provas falhadas. Tudo mudara.
Pichardo ainda fez algumas etapas da Liga Diamante, garantiu marca de qualificação para os Jogos mas teve como primeiro grande desafio de 2024 os Europeus de 2024, em Roma. Finalmente, os 18 metros saíram, com um novo recorde nacional de 18,04 que em condições normais daria mais do que à vontade para o título, ainda para mais numa competição continental. Problema? Havia concorrência. Uma concorrência tão forte que, em resposta à marca, chegou mesmo aos 18,18. Jordan Díaz mostrou o porquê de ser apontado como um dos prováveis reis da especialidade para os próximos anos, com recorde pessoal e espanhol quase como se estivesse apenas à espera de um elevar a fasquia para fazer melhor. Eram eles e os outros na luta.
Na altura, Andy Díaz Hernández, italiano que tem como melhor marca do ano 17,61 com máximo pessoal a 17,75, não estava presente. Agora, havia ainda não europeus a juntar a todo este puzzle. O jovem jamaicano Jaydon Hibbert, com recorde pessoal a 17,87 com melhor marca do ano a 17,75. O já experiente Hugues Fabrice Zango, de Burquina Faso, que já fez 18.07 na carreira e chegava agora com 17,57 como marca de referência. Até o próprio norte-americano Salif Mane, de 22 anos, chegou há pouco tempo a 17,52 com a expetativa de ser apenas um início. Pichardo praticamente não tinha concorrência em Tóquio, Pichardo não poderia ter mais concorrência em Paris, quase numa sensação de dejá vu da primeira grande prova que realizou por Portugal, nos Mundiais de 2019, com Christian Taylor, Will Claye e… Zango.
Esses Europeus acentuaram uma “picardia” entre Pichardo e Díaz que os próprios não reconhecem mas que é claro existir. Depois, o atleta português foi também deixando algumas “farpas” à concorrência cubana, neste patamar mais na brincadeira de outra coisa. Se fosse necessária motivação, o campeão olímpico tinha mais do que razões para marcar uma posição em Paris numa fase em que se parecia querer fazer com que já tivesse passado à história. Um exemplo prático? A Marca falou esta quarta-feira com Hibbert e ao longo de todo o texto não há uma única referência ao português, quase como se o duelo agora e no futuro fosse entre o jamaicano que Jonathan Edwards apontou como favorito a bater o seu recorde mundial e o espanhol.
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“Uma saudação ao Jordan [Díaz] mas não penso nele como um rival. Só estou centrado na minha viagem e na pista sou eu contra mim próprio. Vou tentar fazer melhor do que na última vez e bater o meu recorde. Quando faço isso, sei que estou num bom caminho. Uma saudação para ele mas nem sequer quero pensar nele”, referiu essa conversa o atleta que no ano passado bateu o recorde mundial júnior que datava de 1985 por 37 centímetros: 17,50, mais um centímetro do que Jordan Díaz saltava quando tinha essa idade. Isto depois de Jordan Díaz ter admitido que está a trabalhar para fazer melhor do que nos Europeus…
Era neste contexto que Pedro Pablo Pichardo, que estava na série B da qualificação com o outro português, Tiago Pereira, na série A, entrou para aquecimento. Calças verdes, t-shirt branca, chapéu com a pala virada ao contrário, algumas palavras com um dos cubanos entre Lázaro Martínez e Cristian Nápoles, sendo que da zona onde fica a imprensa torna-se complicado ter noção de tudo o que se passa pela distância (e a TV estava a passar cerimónias de medalhas e o início da final do salto com vara feminino). Pichardo estava a “sentir” a pista, sem forçar a parte de saltar, dando alguns passos de corrida com passada mais larga mais para ativar do que para preparar. Uma pausa, outra pausa, olhares para a bancada onde estava o pai. Estava na hora.
Na última imagem antes de fazer o primeiro salto, o atleta nacional estava a concentrar-se para despachar a questão logo na primeira tentativa, algo que por exemplo não aconteceu em Tóquio quando começou abaixo dos 17 metros mas depois garantiu o apuramento a 17,71. Agora, bastou apenas um salto a 17,44 para garantir essa vaga direta que, no final, acabou por ficar como a melhor marca de qualificação à frente de Jordan Díaz (17,24), Salif Mane (17,16) e Hugues Fabrice Zango (17,16). Só estes quatro fecharam a questão passando a marca referência de 17,10, algo que nem Hibbert conseguiu (16,99) apesar de seguir também em frente.
Depois do salto, Pedro Pablo Pichardo deu ainda mais um salto como que a dizer “Estou aqui” e foi depois para a zona onde estava o pai e treinador, ficando um pouco à conversa antes de sair ainda com a qualificação a decorrer. Aí estava Tiago Pereira e, depois das boas indicações deixadas nos últimos meses, agora nada saiu: teve uma primeira tentativa muito abaixo do esperado com 15,84, melhorou ligeiramente a seguir mas ainda com um registo aquém de 15,96 e acabou a qualificação em 24.º com a marca de 16,36.