Enviado especial do Observador em Paris, França

Dentro dos Jogos Olímpicos existem sempre micro sistemas dentro de um ecossistema global que vira uma cidade ao contrário para receber a maior prova desportiva a nível global. O ciclismo de pista, onde Iúri Leitão fez história com a prata na prova de omnium 20 anos depois de Sérgio Paulinho ter brilhado nas estradas de Atenas, é um exemplo paradigmático disso mesmo. A canoagem, outro. Aliás, a canoagem de velocidade é sempre um daqueles nichos dentro de uma qualquer bolha olímpica. O público é diferente, a forma como as provas são seguidas é diferente, a maneira como os atletas circulam entre adeptos e convidados é diferente, o apoio dos companheiros de seleção que não estejam em competição é diferente. Aqui, no centro náutico de Vaires-sur-Marne, não é exceção. Pelo contrário. E era aqui que se concentravam as atenções nacionais nas próximas duas manhãs, com as meias-finais e finais do K2, de Fernando Pimenta e de Teresa Portela.

Em comparação com Londres, havia uma diferença facilmente detetável: da outra margem da prova não havia público com aqueles trilhos de bicicleta desenhados para os aficionados que se montam em duas rodas e vão a seguir as competições até à meta antes de fazerem o regresso à partida. Em comparação com Tóquio, uma outra: a parte da bancada de imprensa não estava ligada aos restantes setores de delegações e adeptos. Aqui, ainda assim, tinha uma grande vantagem para aquilo que era o ambiente: a bancada era maior e desde cedo se começou a encher num clima de festa entre umas aparições mais fortes dos raios de sol e umas levas de vento a dez nós que deixavam a pensar como seria a próxima prova. Cá fora, até o bar conseguia ter o seu toque especial, com venda de crepes e waffles como em mais nenhum venue (e respetivas filas para isso).

O dia também não puxava tanto para isso mas, caso fosse necessário, até aqueles aspersores de água iam fazendo a alegria de quem quisesse refrescar um pouco antes das provas. Tem é de ser rápido, muito rápido. Aqui, desde as 10h30 da manhã, é sempre a andar porque para a frente é que é caminho. Acaba uma corrida, prepara-se outra corrida. Uma, duas, várias vezes. Não é por acaso que conseguimos perceber quem é atleta, quem já foi atleta ou quem aspira ser um atleta de alta competição na canoagem, basta olhar de forma mais atenta para a mão e para aquele calo que se vai criando entre o polegar e o indicador com as horas a fio com a pagaia. Também aquilo é uma medalha à sua maneira, neste caso para premiar em muitos casos a perseverança e resiliência de quem tem algo, pouco ou nada mas não consegue deixar de dar sempre tudo.

João Ribeiro e Messias Baptista, que começaram a fazer dupla no K2 depois de Tóquio, são apenas um dos muitos exemplos disso mesmo. Eles também sabem o que é ganhar: João Ribeiro, de 34 anos, foi campeão mundial com Emanuel Silva em 2013 e ganhou o título dez anos depois com Messias Baptista entre a coleção assinalável de pódios em Mundiais e Europeus em K1, K2 e K4; Messias Baptista, de 25 anos, foi campeão europeu de K1 200, ganhou a prata no K2 misto dos Mundiais com Francisca Laia e teve como resultado mais alto da carreira o triunfo mundial no K2 500 com João Ribeiro no ano passado. O que faltava? Aquela mais do que desejada medalha em Jogos. Problema? A concorrência mais apertada do que nunca.

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A questão de serem campeões mundiais nem era a principal nesta equação onde as meias-finais podem ser mais difíceis do que a decisão. Expliquemos: ao contrário do que acontece na final, onde é dar tudo como se não houvesse amanhã e esperar ser mais forte do que os adversários, as meias-finais costumam ser quase um exercício de cálculo entre o chegar ao objetivo máximo a gastar o mínimo possível. Aqui, pouco depois das 11h10, não dava para isso. A 150 metros do final ainda ficou a sensação de que tinham dado uma vista de olhos em milésimos de segundo para controlar as posições das outras embarcações mas tiveram mesmo de dar tudo para assegurarem o terceiro lugar da segunda série e respetiva passagem à final.

Com um pequeno atraso para as 13h30, chegava a altura da decisão. Ao contrário do que é normal em muitas provas com atletas portugueses, esta era talvez a decisão mais em aberto nestes Jogos. O diploma já estava garantido, a partir daqui qualquer posição seria possível entre as medalhas e uma sexta ou sétima posição e não poderia haver nada a dizer no final porque podia cair para qualquer embarcação. O cenário montado acabou por cair para a segunda opção. Ribeiro conseguiu o seu quarto diploma em Jogos Olímpicos, Messias ficou com o primeiro mas ficou o amargo de dar tudo e ficar a 0,95 centésimos da medalha.

O arranque não foi o melhor, naquele que é um dos pontos fortes da embarcação portuguesa, e a partir daí foi uma prova a correr atrás do prejuízo. Na primeira passagem de tempos referência aos 100 metros, Portugal seguia em sexto mas conseguiu ascender a quinto com a esperança de que essa pequena subida fosse o sinal para algo mais. Segundos antes do arranque, quando João Ribeiro ia molhando a parte de trás do pescoço e Messias Baptista atirava água para os braços, o sol abriu de uma forma como até tinha acontecido pouco mas esse acabou por ser um sinal divino para outras embarcações, com o conjunto nacional a andar sempre na quinta posição e a baixar a sexto no fim quando a hipótese de chegar ao pódio se tinha esvaziado.

A dupla alemão com Max Lemke e Jacob Shopf, uma das embarcações formadas especificamente para os Jogos depois dos resultados nos últimos Campeonatos do Mundo, conseguiram chegar ao ouro com 1.26,87, superando os húngaros Sandor Totka e Bence Nadas (outra embarcação remodelada, com a entrada de Totka para o lugar de Balint Kopasz, 1.27,15) e os australianos Tom Green e Jean van der Westhuyzen, que foram quartos classificados no Mundial (1.27,29). As equipas de Espanha e da Alemanha, que colocou dois barcos na decisão, ficaram nos lugares seguintes, com os portugueses João Ribeiro e Messias Baptista a fecharem com 1.27,82. Foi essa diferença de 0,95 centésimos que separou aquilo que seria justo pela trabalho de uma embarcação com uma grande evolução neste ciclo olímpico e o correto perante o que se passou na prova.