“As armas calaram-se. Os astros alinharam-se. A longa espera terminou. Venham ver. Não vai passar na televisão.” Foi desta forma oracular que os Oasis anunciaram a reunião do grupo e uma digressão que, para já, tem datas anunciadas para o Reino Unido e a Irlanda no ano que vem, mas que possivelmente chegará à Europa continental. Desde que se separaram em 2009, os irmãos Gallagher manifestaram por diversas vezes a intenção de nunca mais ressuscitarem a banda. Era assunto morto e enterrado. Liam e Noel só lamentavam não poderem dizer o mesmo um do outro – era este o estado fraternal da relação. A primeira pergunta que se faz nestas alturas é: quem é que foi enganado pelo contabilista? Calma. Aparentemente, ninguém. Mas Noel divorciou-se há pouco tempo da segunda mulher e um acordo de 20 milhões de libras é um ótimo pretexto para calar as armas, alinhar os astros (mesmo que à força) e voltar à estrada. A segunda pergunta que se faz é: e então?

Em primeiro lugar, reconheça-se que a banda que se desfez em 2009 já tinha morrido há muito. Quando acabaram, os Oasis já estavam acabados. Eram um cadáver ambulante animado pelas quezílias entre os manos e no qual, para evitar que se decompusesse, injetavam doses regulares do equivalente musical do formol. E o pior para a autointitulada “maior banda do mundo” é que o final não esteve à altura do estatuto apregoado. Não foi a explosão de uma supernova. Foi um corte de energia por falta de pagamento. Em vez de champanhe, um copo de cerveja morna num pub vazio às cinco e meia da tarde. Be Here Now (1997), o terceiro álbum da banda, marcou o início de um declínio artístico que só parou quando a banda acabou e que fez com que a maioria dos críticos adotasse um de dois pontos de vista em relação aos dois primeiros álbuns: ou eles, críticos, se tinham enganado na apreciação de Definitely Maybe e (What’s the Story) Morning glory ou os Oasis é que se tinham enganado e, com a sorte dos principiantes, tinham feito dois dos melhores álbuns da história do rock.

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Mas é impossível compreender o fenómeno Oasis por meio de uma avaliação puramente musical. Para não deixar dúvidas: sim, aqueles dois álbuns são extraordinários e canções como Wonderwall, Whatever, Live Forever, Don’t Look Back in Anger, mesmo com roubos à mistura, chegavam para pôr Noel no panteão dos grandes compositores de além-Mancha. No entanto, nem só de grandes canções vive uma banda que alcance tanto sucesso quanto os Oasis. Quem deu concertos para 250 mil pessoas em duas noites em Knebworth, quem, ao contrário de quase todos os outros contemporâneos britânicos, conquistou o mercado norte-americano, quem, durante dois ou três anos, podia reclamar o estatuto de maior banda do mundo sem suscitar risinhos de condescendência, tinha de ter mais do que um punhado de boas canções. Precisava de swagger, aquela gabarolice atrevida que é fatal para os medíocres e que aos muito bons acrescenta uns pozinhos mágicos. Quando, em 1996, os Oasis diziam ser a maior banda do mundo era mesmo a sério. Azar de quem não acreditasse.

Tinham aquela combinação imponderável de boa música e atitude que é, no fim de contas, a essência do rock. E nada melhor que a batalha da Britpop e a criação, mais ou menos artificial, da rivalidade com os Blur, para mostrar ao mundo, por comparação e contraste, o que distinguia os Oasis de todos os outros. Nas suas canções, sobretudo a partir de Modern Life is Rubbish, Damon Albarn apostara em criar um catálogo musical de “tipos”, personagens características da paisagem urbana e suburbana inglesa, como aqueles escritores conscienciosos e conscientes da sua esperteza que querem tomar o pulso à sociedade e identificar o zeitgeist. Um projeto ambicioso, sem dúvida, executado com mestria e bom gosto, mas excessivamente cerebral. Os Blur eram demasiado sofisticados para o seu próprio bem. Liderados pela curiosidade e voracidade intelectuais de Albarn, distraíram-se a identificar o zeitgeist da nação quando o zeitgeist da nação eram os Oasis. 

A grande batalha da britpop foi, assim, uma espécie de confronto entre meninos de Alvalade e um grupo de gunas da Pasteleira. Os primeiros tinham cabeça, os segundos tinham… swagger. Os Blur homenageavam, criando um sincretismo musical divertido para quem se punha a adivinhar de onde é que aquilo vinha (“ah, isto é do Bowie”, “ah, isto é dos Kinks”). Já os Oasis roubavam descaradamente tudo o que podiam: T-Rex, Neil Innes, Beatles, Burt Bacharach, até Stevie Wonder. Se o acusassem de apropriações de obras alheias, Albarn seria capaz de contar a história da música popular britânica desde os anos 60. Noel Gallagher nunca se daria a esse trabalho: “quando as pessoas ouvem Cigarettes & Alcohol pela primeira vez dizem ‘isso parece T-Rex, não é?’ Eu digo ‘a sério? Não me digas? Vai-te lixar. Nunca tinha reparado.’ ‘O Don’t Look Back tem os mesmos acordes que o Imagine. Não podes fazer isso.’ Ai não posso? Posso, já fiz e vou continuar a fazer e vocês vão comprar, so fuck off.” Percebem a diferença?

Com o estilo provocador obrigavam os fãs a tomar partido. Escolher entre a sofisticação dos Blur e a autenticidade dos Oasis era um teste à personalidade, à mundivisão, à ideologia, NHS ou hospitais privados, betinhos com a mania ou chungas que são “the real thing”, brexiters ou remainers (se é possível misturar épocas). E nem outros músicos escapavam à força gravitacional dos Oasis e da sua fanfarronice. Os Metallica estavam fascinados com a “totally fuck you attitude” dos irmãos Gallagher e diziam que os Blur eram um monte de merda com tiques artísticos. E mesmo que nem todos apreciassem os excessos de atitude – Phil Collins disse numa entrevista que os Gallagher eram “tipos horríveis, mal-educados” e “são menos talentosos do que julgam” –  até isso jogava a favor dos Oasis: se tivessem de escolher, quem é que gostariam de ter do vosso lado, os Metallica ou Phil Collins? Pois, it’s only rock n’roll, mas o rock n’roll não é apenas música. Quase trinta anos depois da batalha da britpop, Damon Albarn explicou o sucesso dos Oasis com o rigor possível: “foram melhores do que nós a comunicar quem eram.”

E a comunicação resultou até a música começar a sofrer o efeito do excesso de atitude. Ser a maior banda do mundo convenceu os Oasis de que o trabalho deles era compor e produzir as maiores canções do mundo. Se despidas dos adornos excessivos, Stand By Me e Don’t Go Away, ambas do terceiro álbum, são belíssimas baladas. Mais previsíveis do que Wonderwall – a canção perfeita de Noel Gallagher – seriam, ainda assim, o orgulho de muitas bandas. Só que os Oasis já tinham feito mais simples e melhor na época em que iam a caminho de ser a maior banda do mundo. Quando lá chegaram, começaram a comportar-se criativamente como tal, uma banda inchada a fazer canções cheias de ar. A partir daí, a arrogância descarada começou a soar à conversa do tio bêbado a recordar os tempos de juventude e a exagerar retrospetivamente os dotes de dançarino nos Alunos de Apolo.

Nada disto impedirá que a digressão agora anunciada seja um sucesso. A indústria da nostalgia é forte (e no ano que vem comemoram-se os trinta anos do lançamento de (What’s the Story) Morning Glory?), os manos Gallagher são verdadeiros personagens que apesar de hoje serem milionários não perderam a aura de heróis da classe operária (ou do proletariado lúmpen) e a melhor música dos Oasis continua a ser muito boa (e a má também ainda é má, mas também não tem de estar no alinhamento). O Guardian conta que o entusiasmo em Manchester antes do anúncio da digressão era grande. Mas também encontrou gente que não partilha da alegria. Perto da casa da infância dos Gallagher, um homem a quem o jornalista pediu a opinião sobre o regresso dos Oasis disse laconicamente: “estou-me a cagar” (“I couldn’t give a shit”). Mesmo que a digressão só sirva para pagar as despesas de Noel com o divórcio, esta resposta demonstra que, em Manchester, com ou sem regresso dos Oasis, o espírito do rock continua vivo.