Amadeu Francisco Ribeiro Guerra, 69 anos, é o novo procurador-geral. Ficou conhecido publicamente por ter liderado o Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) entre 2013 e 2019 e foi ainda procurador-geral distrital de Lisboa desde 2019 até se ter jubilado.
Foi durante o seu mandato como diretor do DCIAP, por nomeação da procuradora-geral Joana Marques Vidal, que foram iniciadas investigações como a Operação Marquês ou o Universo Espírito Santo. E que o ex-primeiro-ministro José Sócrates foi detido e mais tarde acusado de corrupção, entre outros crimes.
Amadeu Guerra. “Não é possível um retrocesso no combate à corrupção”
O Observador sabe que o nome de Amadeu Guerra sempre foi a primeira opção do primeiro-ministro Luís Montenegro para suceder a Lucília Gago. Montenegro conhece Amadeu Guerra do tempo em que os dois estiveram juntos na Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos e sempre entendeu que o ex-diretor do DCIAP era aquele que melhor correspondia ao perfil de liderança, com capacidade para exercer a ação hierárquica, e de comunicação que a ministra da Justiça já tinha antecipado em entrevista ao Observador.
Teve uma guerra com Lucília Gago e ganhou
Acresce que Amadeu Guerra, escolhido pela então procuradora-geral Joana Marques Vidal para diretor do DCIAP, representa também um corte com Lucília Gago.
Aliás, Amadeu Guerra protagonizou uma discordância com a atual procuradora-geral da República, que acabou na primeira derrota de Lucília Gago no Conselho Superior do Ministério Público. Estávamos em 2018 e estava em causa a escolha do sucessor de Maria José Morgado à frente da Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa.
Como pano de fundo estava o final do mandato de Amadeu Guerra como diretor do DCIAP e a uma entrevista que tinha concedido ao Observador em que dizia que não era possível o “retrocesso no combate à corrupção”. Na mesma entrevista, então diretor do DCIAP não deixava claro se queria continuar para um novo mandato, mas mantinha a vontade de levar o mandato até 2020, de forma a encerrar a acusação do processo do Universo Espírito Santo. Em última instância, poderia ir para coordenador do Ministério Público no Supremo Tribunal de Justiça.
Os 6 segredos dos bastidores da primeira derrota de Lucília Gago
Lucília Gago discordou. Quis nomear um novo nome como diretor do DCIAP — o procurador Albano Pinto viria a ser o escolhido — e já tinha prometido o cargo de coordenadora a outra pessoa. A partir daí as relações entre Amadeu Guerra e Lucília Gago esfriaram.
Aliás, as relações já tinham começado a esfriar quando Lucília Gago tomou posse em outubro de 2018 e determinou que seria o seu chefe de gabinete, o procurador da República Sérgio Penal, quem se devia reunir com o diretor do DCIAP — um departamento que combate a criminalidade mais complexa e que faz parte da Procuradoria-Geral da República. Amadeu Guerra não gostou da desconsideração porque sempre tinha tido uma relação próxima com a procuradora-geral Joana Marques Vidal.
Ao mesmo tempo Lucília Gago escolhia um novo nome para a direção do DCIAP, decorria o processo de sucessão de Maria José Morgado como procuradora-geral distrital de Lisboa. Lucília Gago queria a Paula Peres (inspetora do MP) como sucessora de Morgado, mas a maioria do Conselho Superior do Ministério Público (CSMP) discordou.
Pelo meio, Manuel Magalhães e Silva, então membro do CSMP com mais anos de mandato, ainda pediu uma audiência formal à nova procuradora-geral para a sensibilizar para o nome de Amadeu Guerra, mas mesmo perante o ‘ramo de oliveira’ que Magalhães e Silva lhe apresentou, Lucília Gago não cedeu.
As razões de Lucília Gago para não indicar Amadeu Guerra para procurador distrital de Lisboa
Na reunião de 18 de dezembro de 2018, a procuradora-geral apresentou uma lista de três nomes, sinalizando que Paula Peres era a sua favorita, e um grupo de nove conselheiros (Manuel de Magalhães e Silva, Alfredo Castanheira Neves, João Madeira Lopes e Augusto Arala Chaves e os procuradores Carlos Teixeira, Alexandra Neves, entre outros) propuseram o nome de Amadeu Guerra.
Resultado da votação: Amadeu Guerra recolheu 12 votos e Paula Peres recolheu sete. E Lucília Gago teve assim a sua primeira derrota do mandato.
Um especialista em direito administrativo que se especializou no combate à corrupção
Natural de Tábua, distrito de Coimbra, Amadeu Guerra é licenciado em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade e Lisboa. Entrou para a carreira do Ministério Público em 1980 e, após a fase de estágio no Centro de Estudos Judiciários, foi colocado na jurisdição do trabalho, tendo exercido igualmente no 3.º Juízo Criminal de Lisboa, nas antigas instalações do Tribunal da Boa-Hora.
Entre 1994 e março de 2006 foi vogal da Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD), integrando também, a partir de 2001, a Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA) — onde se cruzou com Montenegro.
Foi Amadeu Guerra quem reorganizou, recrutou e reconstruiu um DCIAP afetado na sua credibilidade pelo último mandato de Cândida Almeida.
Foi este DCIAP que liderou que investigou a Operação Marquês, detendo o ex-primeiro-ministro José Sócrates e acusando-o juntamente com Carlos Santos Silva, Armando Vara, Ricardo Salgado, Zeinal Bava, Henrique Granadeiro, entre outros arguidos.
Como foi durante o mandato de Amadeu Guerra que Ricardo Salgado foi constituído arguido na investigação do Universo Espírito Santo e em que se verificaram investigações tão importantes como o caso EDP, a Operação Fizz, Vistos Gold, caso José Veiga, caso Monte Branco, a conclusão da Operação Furacão ou a sentença do caso principal do BPN que levou à condenação, entre outros arguidos, de Oliveira Costa, o ex-líder do banco, a uma pena de 14 anos de prisão.
Entre as investigações mais recentes estão o caso de Tancos e a criação de uma equipa especial para coordenar as investigações ao Benfica, Sporting, Porto e outros clubes de futebol.