O presidente do conselho diretivo do Instituto da Segurança Social, que está em funções desde maio, pediu em agosto uma “averiguação interna” sobre a transferência de 34 milhões para a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa feita no ano passado. Essa transferência, que foi justificada pela Segurança Social e a Santa Casa com o pagamento de despesas extraordinárias suportadas durante a pandemia, permitiu equilibrar as contas da instituição em 2023.

No parecer à Conta Geral do Estado de 2023, divulgado esta quarta-feira, o Tribunal de Contas lança uma série de dúvidas sobre a transferência que não viu esclarecidas. Em primeiro lugar, refere que, segundo o ISS, “os valores foram apurados pela SCML (que remeteu uma lista nominativa)”, mas não conseguiu confirmar “diversas situações”. Desde logo, se os valores identificados pela Santa Casa foram validados pelo ISS.

Também tem dúvidas se o “referido aumento” das pessoas acolhidas em lares e dos inerentes custos, suportados pela instituição de solidariedade, “resultou das suas atribuições e do normal funcionamento das atividades sociais daquela entidade (incluindo protocolos com outras entidades), uma vez que a SCML sempre teve ERPI [Estrutura Residencial Para Pessoas Idosas ] não protocolados ou se foi em resposta a necessidades e solicitações da SS não contempladas em protocolo (p. ex. através da utilização de vagas de emergência)”. O TdC duvida, aliás, que se tenha verificado um efetivo aumento das pessoas acolhidas em lares e, numa nota de rodapé, cita os relatórios de contas da SCML segundo os quais o número de utentes em ERPI e de processos acompanhados com ERPI privadas diminuiu no período de 2020 a 2022, face a 2019.

Por confirmar ficaram ainda “as razões pelas quais tais compromissos não foram satisfeitos em tempo oportuno, mas apenas decorridos mais de três anos”.

O Tribunal de Contas sublinha que os montantes em causa “não se encontravam relevados contabilisticamente nas contas do ISS nos anos referidos” e que o protocolo entre as duas instituições, à exceção da adenda que permitiu a transferência de 34 milhões de euros, continua a não prever a área de intervenção que fundamentou o pagamento.

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Em sede de contraditório, o Ministério da Segurança Social, liderado por Rosário Palma Ramalho, informou que, a 6 de agosto de 2024, o “Presidente do Conselho Diretivo do Instituto da Segurança Social, IP determinou uma averiguação interna sobre a transferência de 34 M€ para a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa de cujos resultados daremos conta ao Tribunal de Contas”.

Octávio Félix de Oliveira, presidente do ISS, substituiu em maio Ana Margarida Vasques, que saiu do instituto alegando “falta de confiança” demonstrada pela tutela a propósito dos acertos na retenção na fonte de IRS das pensões que foram feitos após as eleições deste ano.

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A demissão foi apresentada a 17 de maio, um dia depois de a ministra do Trabalha, Rosário Palma Ramalho, ter ido ao Parlamento prestar esclarecimentos sobre a situação na Santa Casa e onde considerou que a transferência de 34 milhões de euros do ISS por despesas extraordinárias durante a pandemia — que permitiu à entidade liderada por Ana Jorge escapar dos prejuízos em 2023 — não tendo sido ilegal foi “quase imoral”, tendo em conta que a instituição já recebe grande parte da receita com jogos sociais, e é reveladora da “bengala do Estado”.

Em causa está uma adenda ao protocolo de julho de 2019 que foi celebrada em agosto de 2023 entre as instituições e noticiada pelo Público em dezembro do ano passado.  Na altura, o ISS indicou ao jornal que a adenda serviu “para assegurar o pagamento das despesas que a SCML teve durante a pandemia covid-19, mais concretamente com a disponibilização de respostas de emergência extraordinárias, quer nos seus equipamentos, quer através da contratação de vagas em equipamentos de natureza privada”. E que tendo em conta o estado de emergência no país, a Santa Casa assegurou as respostas extraordinárias entre 2020 e 2022, suportando as despesas integralmente.

Como o Observador escreveu, segundo uma nota interna do ISS sobre o reembolso, em julho de 2023, o instituto pediu orientações ao então secretário de Estado da Segurança Social, Gabriel Bastos, sobre como proceder perante o pedido de pagamento da Santa Casa, uma vez que as “despesas excecionais” não se encontravam abrangidas pelo protocolo entre o ISS e a Santa Casa de 2019. Foi Gabriel Bastos quem indicou ao ISS que elaborasse a adenda que permitisse o reembolso, que foi assinada em 8 de agosto, homologada a 9 de agosto pela então ministra Ana Mendes Godinho, e o pagamento feito a 17.