Yulia Navalnaya, a viúva do político russo Alexei Navalny, quer continuar o trabalho do marido e candidatar-se à Presidência da Rússia, avançou em entrevista à BBC. “O meu oponente político é Vladimir Putin. E vou fazer de tudo para que o seu regime caia assim que possível”, revelou durante a conversa. Por agora, a viúva de Alexei Navalny, que morreu em fevereiro, mantém-se fora da Rússia — se regressar ao país pode ser detida. Em julho, Navalnaya foi acusada pelo Ministério Público da Rússia de “participar numa associação extremista”.

Mas, quando chegar a altura certa, já sem Putin no poder (onde está desde 1999), a viúva de Navalny diz que quer “participar nas eleições como candidata”. Sobre o futuro do chefe de Estado russo, Navalnaya reafirmou declarações que já tinha feito noutras ocasiões. “Não quero que vá para uma prisão no estrangeiro, uma prisão boa, com um computador e boa comida. Quero-o numa prisão russa, nas mesmas condições em que o Alexei estava. Isso é muito importante para mim”, esclareceu.

Alexei Navalny, rosto da oposição a Putin, morreu após “uma caminhada” na prisão. Tinha 47 anos

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A conversa com a BBC, publicada esta segunda-feira, é uma de três entrevistas que a ativista política russa realizou nos últimos dias, por ocasião da publicação do livro de memórias de Alexei Navalny. Patriot — que será publicado esta terça-feira, dia 22, com edição em português da Ideias de Ler — começou a ser escrito por Navalny depois do seu envenenamento em 2020, trabalho que se prolongou até à sua morte.

Numa entrevista com a revista The Times, publicada no passado sábado, Navalnaya já tinha traçado o futuro a Putin: “Eu não quero que morra, nem que seja julgado em Haia”. Argumenta ainda que a pena de Putin também tem de ser cumprida na Rússia, pois o resto do mundo não está muito preocupado em desmantelar o seu regime. “[Os líderes ocidentais] preocupam-se com ser políticos dos seus próprios países e não com algo na estranha e longínqua Rússia”, acusou.

As críticas de Navalnaya ao Ocidente repetem-se quando fala sobre a sua reação à morte do opositor do Kremlin. “Uma piada”, classifica, destacando o medo que ainda existe sobre o líder russo. Por oposição, garante que nem ela, nem o marido alguma vez tiveram medo.

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“Nós não tínhamos mesmo medo”

Também a CBS, que entrevistou Navalnaya para o programa “60 Minutos”, descreve a sua postura combativa e questiona-a se tem noção que soa ao falecido marido. A viúva ri-se e responde que isso é normal, uma vez que viveram juntos durante mais de 25 anos. Este é o outro ponto em que as três entrevistas se focam: mais do que uma última posição política, já depois da morte, Patriot também é uma história de amor.

No livro, Navalny escreve várias vezes sobre a mulher. Nas entrevistas, Navalnaya descreve a sua história, como se aproximaram devido ao interesse pela política, partilhado por dois jovens que tinham crescido a ver a União Soviética a cair e Vladimir Putin a subir ao poder.

Navalny escreveu livro de memórias na prisão. “Patriot” vai ser publicado em outubro em 11 idiomas, incluindo russo

Perante essa realidade e a afirmação de Navalny como opositor do Kremlin, Navalnaya admite que era seguida por agentes russos, quando os filhos nasceram, mas que tentou fazer disso um jogo com as crianças. “É mais fácil do que estar nervosa a toda a hora”, afirmou à Times, esclarecendo logo em seguida: “Não queríamos mostrar que não tínhamos medo. Nós não tínhamos mesmo medo”.

Esta posição mantém-se inalterada até aos dias de hoje, quando é procurada pela Rússia e os filhos estudam em segurança no estrangeiro. “Mas eu não quero passar a minha vida todos os dias a pensar se me raptam hoje ou amanhã, se me vão envenenar hoje ou amanhã”, defendeu na CBS.

A confiança em Navalny e a confiança na Rússia

Apesar de ter pensado muito sobre as consequências das suas escolhas políticas na vida dos filhos, Navalnaya recusa à BBC que isso alguma vez a tenha motivado a desistir. Pelo contrário, repete em todas as entrevistas que a vida partilhada lhe deu uma certeza: a que iria apoiar todas as decisões de Navalny, a 100%. Incluindo a de querer regressar à Rússia depois da tentativa de envenenamento.

Não havia discussão. Só precisas de o apoiar. Eu sabia que ele queria voltar à Rússia. Eu sabia que ele queria estar com os seus apoiantes, que ele queria ser um exemplo de coragem”, afirmou na BBC. “Podia tê-lo impedido. Podia ter feito uma discussão, gritado e ele ter-me-ia ouvido. E teríamos vivido os dois no exílio, infelizes”, acrescentou à Times. “A sua vida política era baseada na política interna russa. Ele não podia estar no exílio, era óbvio que o regime de Putin o queria no exílio. Mas eu compreendia que ele precisava de lutar. Era a sua vida, a sua escolha, as suas crenças. Persuadi-lo a ficar no exílio, sentir-me-ia muito mais culpada”.

Questionada sobre se carrega agora a culpa de ter permitido a Navalny tomar a decisão que levou à sua morte, Yulia Navalnaya respondeu que tenta não pensar nisso, uma vez que é um pensamento que faria a sua “vida muito difícil ainda mais difícil”.

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Em vez de pôr os olhos no passado, Navalnaya prefere colocá-los no futuro e, tal como Navalny fez em vida, mostra-se confiante na queda de Putin, no seu regresso à Rússia e na possibilidade de novas eleições livres. “Ainda não está terminado. Continuamos a nossa luta. [O Alexei] continua a ter milhões de apoiantes, como se pode ver pela quantidade de pessoas que ainda vão todos os dias à sua campa, pela quantidade de flores que lhe são colocadas na campa”, rematou na CBS.

Notícia atualizada às 22h55 com os excertos das entrevistas