André Ventura já tinha feito um vídeo nas redes sociais sobre uma criança que estava doente e morreu cujos pais não tinham, nas suas palavras, dinheiro para pagar o funeral. O Estado não ajudou. O vídeo vem acompanhado com a descrição: “Sabiam que o Estado recusa muitas vezes pagar o funeral a crianças que estavam institucionalizadas ‘porque nunca descontaram para a segurança social?'”
Depois deste vídeo, o líder do Chega voltou ao tema esta quinta-feira, 31 de outubro, no encerramento do debate na generalidade da proposta de Orçamento do Estado para 2025 que acabou viabilizado com a abstenção do PS e os votos a favor do PSD e CDS (todos os restantes partidos votaram contra). No discurso de encerramento, André Ventura voltou a falar da associação em Matosinhos que terá visitado: “Nesta associação que acompanhava crianças às portas da morte, tomei conhecimento de algo que os vários governos das últimas décadas… o Estado recusa pagar subsídios a crianças que morrem para pagar o funeral, porque nunca pagaram nem descontaram para a segurança social“, repetiu.
Hugo Soares, líder parlamentar do PSD, aproveitou a ida ao púlpito na intervenção final para responder a André Ventura, dizendo, mesmo, que, “por uma questão de decência democrática, queria dizer à câmara e ao senhor deputado André Ventura” que “tanto quanto consegui apurar da sua intervenção o senhor deputado confundiu, provavelmente de propósito para confundir os portugueses, o subsídio de morte e o subsídio de funeral“.
E explica: “o subsídio de funeral é uma prestação de concessão única para compensar as despesas efetuadas com funerais de um familiar ou de qualquer outra pessoa incluindo nados-mortos. A pessoa que tem direito ao subsídio tem de ser residente em Portugal ou equiparada a residentes ou pertencer a um país com o qual Portugal tem um acordo para essas situações, provar que tiveram despesas com funeral, e não ter direito ao subsídio de morte”. Depois de descrever o subsídio de funeral, Hugo Soares concluiu: “A ser isto verdade o que senhor fez é do ponto de vista político absolutamente deplorável”.
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A declaração do deputado social-democrata levou André Ventura a pedir a palavra para refutar o que disse ter sido uma acusação de Hugo Soares de ter acusado o Chega de mentir. E indicou que, no site da segurança social, se indica que “o subsídio de funeral das crianças que acabam de falecer é equiparado a quem nunca descontou na vida“. A conversa terminou no Parlamento com Hugo Soares a dizer que, depois desta declaração, “nada daquilo que disse aqui o senhor deputado André Ventura foi o que disse lá de cima”.
Com a discussão parlamentar, o Observador verificou os vários subsídios existentes quando há uma morte.
Subsídio de funeral
Trata-se de uma prestação paga de uma só uma vez para compensar as despesas com o funeral de um familiar ou outra pessoa. Quem pede o subsídio tem de ser residente em Portugal ou equiparado a residente, ou pertencer a um país com o qual Portugal tem um acordo para estas situações. Já o falecido tem de ter sido residente em Portugal e não descontar para a Segurança Social (como é o caso de uma criança). Se por outro lado descontava/descontou para a Segurança Social já tem direito ao reembolso das despesas de funeral, que é superior (como veremos de seguida).
Pode ser atribuído a qualquer pessoa que comprove ter tido esse encargo, mesmo não sendo familiar.
Este subsídio tem o valor de 254,63 euros, o que, atualmente, representa 50% do IAS (indexante dos apoios sociais, que é um valor de referência para as prestações sociais).
Reembolso das despesas de funeral
Também é pago de uma só vez a quem provar ter pago o funeral, independentemente de ser familiar. Mas quando o falecido descontou para a Segurança Social (não é o caso de uma criança).
Não é acumulável com o subsídio de funeral. Recebe-se o valor das despesas indicadas no recibo até ao limite de três IAS (atualmente, 1.527,78 euros).
Subsídio por morte
É semelhante ao reembolso das despesas de funeral, mas não é a mesma coisa. O subsídio por morte é pago de uma só vez aos familiares para compensar as despesas devidas à morte do beneficiário para “facilitar a reorganização da vida familiar”. O valor do subsídio é de 1.527,78 euros (três vezes o valor do IAS, que é atualizado anualmente). E em que é que isto é diferente?
Vamos a um exemplo: se um dos elementos de um casal morre, o outro pode ter direito a este subsídio de morte. Imaginando que uma viúva pagou as despesas de funeral no valor de 1.600 euros, recebe o subsídio de morte no valor de 1.527,78 euros, o máximo (no fundo, é como se recebesse o reembolso das despesas de funeral — mas se pediu o reembolso das despesas de funeral não recebe subsídio por morte).
Outro exemplo: se as despesas de funeral foram pagas por um terceiro elemento (um filho, por exemplo) e tiverem sido inferiores ao tal tecto de 1.527,78 euros (imaginemos que foram de 1.300 euros), a viúva recebe 227,78 euros (a diferença entre o tecto máximo e o valor das despesas de funeral). Já as despesas de funeral são pagas a esse terceiro elemento, através do chamado reembolso.
Além do cônjuge ou do ex-cônjuge, têm direito a receber este subsídio pessoas em união de facto, descendentes até aos 18 anos (ou acima nalguns casos) ou pais/avós/bisavós mas só se estivessem dependentes do falecido. Ou seja, voltando ao caso de André Ventura, este subsídio não poderia ser atribuído aos pais da criança dado que, naturalmente, não estariam dependentes da criança e que a criança não descontou para a Segurança Social.
Não confundir este subsídio com a pensão de sobrevivência, que é paga mensalmente para compensar os familiares da perda de rendimentos do trabalho resultante da morte deste.
Quer isto dizer que o Estado não paga mesmo subsídio para funeral de crianças que morrem?
Não. Os pais de uma criança que morreu e que tenha sido residente em Portugal têm direito ao subsídio de funeral, que tem de ser requerido (não é automático), porém com um valor mais baixo (não chega a 300 euros) do que noutros apoios. Caso o falecido fosse alguém que já tivesse descontos para a segurança social o valor das ajudas para cobrir as despesas de funeral seria superior (no máximo perto de 1.500 euros).